A Capital da Dengue teve um aumentou de 646% em relação a 2023 O Zica e a chikungunya preocupam mais o governo não consegue acompanhar o ritmo das infecções

Pessoas com sintomas da doença causada pelo mosquito Aedes aegypti lotam a rede pública e as tendas montadas pela Secretaria de Saúde. Especialistas alertam também para a zika e a chikungunya, transmitidas pelo mosquito

Com o aumento de casos de dengue no Distrito Federal, o movimento nas tendas montadas pela Secretaria de Saúde (SES) em nove regiões administrativas foi alto, ontem, principalmente em Ceilândia, Sol Nascente/Pôr do Sol e em Samambaia, onde a reportagem ouviu relatos de quem estava com sintomas da doença. A circulação de pessoas era o dobro do presenciado pela reportagem na última segunda-feira. Ontem, também, em uma ação conjunta entre órgãos do GDF, cerca de 15 mil pneus foram retirados de um lote na região do Caub, no Riacho Fundo 2 (leia mais na página 14).

Segundo o Boletim Epidemiológico da dengue divulgado pela SES, com dados de 31 de dezembro a 20 de janeiro, o Distrito Federal atingiu cerca de 16 mil casos prováveis nesse período, o que representa aumento de 646% em relação ao mesmo período do ano passado, quando a pasta registrou 2,1 mil casos.

Nas tendas do Sol Nascente/Pôr do Sol, uma mulher não identificada, que teve apenas a idade divulgada, 30 anos, desmaiou por duas vezes no local. Ela foi levada por familiares por volta das 10h30, quando conseguiu fazer exame de sangue para diagnosticar ou não a doença. Profissionais de saúde da unidade tentaram acionar o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF), mas foram informados de que não havia viatura disponível no momento. A paciente ficou sob cuidados com hidratação, com soro, até a chegada da corporação, mais de duas horas depois. Foi levada à Unidade de Pronto Atendimento (UPA) do Setor O, onde tinha tentado ser atendida antes. “O atendimento do bombeiro que estava nas tendas e das enfermeiras foi rápido, mas a ambulância era para ter vindo. A gente conseguiu chegar aqui a tempo de ela ser atendida para fazer o teste e ser hidratada”, detalha o cunhado da vítima, que também não quis se identificar.

Medo

Aguardando para fazer o teste de dengue na tenda montada ao lado da Administração Regional de Samambaia, o microempresário Benilson Pires, 47, começou a sentir os sintomas na última segunda-feira. “Febre, dor de cabeça, dor no corpo. Eu passei a noite banhado em suor. Nunca tive isso”, relata o morador da região.

Para Benilson, não tem quem não fique com medo diante desse surto de dengue no DF. “No meu prédio, tem todo o cuidado, mas, mesmo assim, tem muito pernilongo. Sempre ficamos em dúvida de qual é o mosquito comum e qual é o da dengue. Então, dá medo com esse aumento de casos”, comenta.

Esposa de Benilson, Iris Araújo, 48, acompanhava o marido. Ela conta que, há dois anos, foi diagnosticada com dengue duas vezes seguidas. “Foi uma experiência que não desejo a ninguém. É horrível a sensação. Na segunda vez, tive dengue e covid-19 ao mesmo tempo”, recorda a funcionária de um salão de beleza. “A gente se cuida, mas o vizinho nós não sabemos. Vendo essa alta nos casos de dengue, ficamos assustados. As pessoas reclamando dos sintomas. No meu prédio tem gente doente, onde eu trabalho também. O governo está limpando tudo, mas é assustador. Ficamos com medo”, destaca Íris.

O motorista de transporte por aplicativo Edson Bispo Mangueira, 57, lembra com ironia que, no ano passado, costumava deixar pacientes com suspeita de dengue nas unidades de saúde, e ontem ele virou um paciente. Na fila de espera das tendas montadas na Administração Regional de Ceilândia, ele conta que sentia dores pelo corpo, dor de cabeça e falta de apetite. “Há dois dias, tive febre de 38,5ºC, com muita canseira e fraqueza no corpo”, relata.

Edson chama a atenção que o trabalho de prevenção do GDF veio de forma tardia, quando a capital federal  passava por um surto de notificações da doença. “No início do ano passado, dedetizaram os lugares aqui em Ceilândia, mas, este ano, vi só agora com esse aumento dos casos”, reclama. “Esperaram morrer gente para tomar uma providência. Passo perto de hospitais e UPAs com frequência, e as unidades sempre estão lotadas. As pessoas saem sem ser atendidas”, relata.

Atendimento

Há cinco dias, a pensionista Juranilde Oliveira da Silva, 66, passa por uma situação semelhante. Ela sente dores de cabeça, atrás dos olhos e nas costas, além de vontade de vomitar. Os sinais de uma possível dengue fizeram com que ela ficasse com a filha Edinéia Marques, 38, e os netos, de 8 e 6 anos, nas tendas montadas pela SES na Administração Regional do Sol Nascente/Pôr do Sol. “Tomei um antibiótico, porque estava sentindo bastante frio e dores no corpo ontem de manhã. E olha que lavo as minhas plantas e não deixo água parada”, destaca.

Na rua onde Juranilde mora, há vizinhos internados e um, de aproximadamente 30 anos, que morreu devido à dengue no fim do ano passado. Até 22 de janeiro de 2024, o DF registrou 18 mortes por suspeita de dengue, sendo 15 óbitos em investigação e três confirmados. No mesmo período do ano passado, não houve registro de mortes.

Em Taguatinga Norte, Osíris Passos Jardins, 62, reclama que ao lado de sua casa, na QNH 4, há um galpão de carros velhos em condição de deterioração e com focos de água parada expostas nos veículos. Ele diz ter ligado para a Vigilância Sanitária, e cobrado ações do dono do terreno, mas nada foi feito. O idoso se preocupa com a proliferação de pragas e insetos em meio ao lixo acumulado, principalmente por morar com a esposa, 63, duas netas, de 8 anos, e a mãe, 94. “Agentes da vigilância vieram aqui há dois anos. Esse vizinho tem uma loja no Setor H Norte Taguatinga e guarda os carros velhos aqui. É uma situação preocupante neste período”, avalia.

Infectologista do Hospital Brasília, o médico Henrique Lacerda afirma que, para diferenciar as doenças causadas pelo Aedes aegypti (dengue, zika e chikungunya), é crucial considerar os agentes causadores específicos de cada uma. “A diferenciação, muitas vezes, ocorre por meio de análises laboratoriais que auxiliam na identificação do vírus presente no paciente”, explica. “Além disso, os sintomas iniciais podem fornecer indícios, mas a confirmação requer testes específicos”, ressalta Lacerda.

O médico reforça que a confirmação diagnóstica, muitas vezes, é essencial para estabelecer o tratamento adequado e controlar a disseminação dessas arboviroses. “Portanto, se o paciente apresenta sintomas como dor de cabeça associada a dores musculares e febre persistentes, a orientação é procurar avaliação médica para evitar evolução da doença para formas graves ou até mesmo óbito”, alerta.

Doenças

Dengue: febre alta, acima de 38°C; manchas vermelhas no corpo, dor no corpo e articulações; dor atrás dos olhos; mal estar; falta de apetite; dor de cabeça;

Zika: febre leve ou ausente.

Chikungunya: Febre; dores intensas nas articulações; dor nas costas; dores pelo corpo; erupção avermelhada na pele; e dor de cabeça.

Fonte: Secretaria de Saúde
do Distrito Federal (SES-DF)

Principais sintomas

Os primeiros sintomas da manifestação da dengue podem ser semelhantes aos de outras viroses. A recomendação é procurar um serviço de saúde ao apresentar febre e, pelo menos, mais dois sintomas característicos da dengue, principalmente: dor nas articulações, dor atrás dos olhos, manchas vermelhas no corpo, náuseas e vômitos. “Pacientes que apresentam dor abdominal intensa, sonolência ou agitação, sangramento e alterações de nível de consciência precisam procurar atendimento médico com urgência”, explica André Bon, infectologista do Hospital Brasília, Unidade Águas Claras.

O diagnóstico precoce e o acesso a cuidados médicos adequados limitam as taxas de mortalidade da dengue para abaixo de 1%. No entanto, como ainda não existe tratamento específico para essa arbovirose, as precauções devem ser levadas com seriedade para evitar a reprodução dos pernilongos. O infectologista recomenda utilizar um repelente específico para combater o Aedes aegypti. “Os mais adequados são com concentrações de Icaridina acima de 20%, ou de DEET (N,N-Dietil-m-toluamida) com concentração entre 30% e 50%”, especifica.

Procurada pela reportagem, a Secretaria de Saúde do DF informou que segue com atendimento a pacientes com dengue nas tendas montadas nas administrações regionais e UBSs, para casos simples da doença. Se o caso for considerado grave, o paciente é encaminhado à UPA ou a um hospital. Não há registro de casos de zika ou chikungunya em 2024, pois o boletim epidemiológico dessas doença é divulgado no fim de cada mês. Com relação à vacina, a previsão é de que em fevereiros cheguem as primeiras doses. O público-alvo será de crianças de 10 a 14 anos, um grupo de 194 mil pessoas.

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