Ministério da Saúde incluiu 165 patologias na lista de enfermidades laborais. Entre elas, está o burnout e outras doenças mentais
Durante o janeiro branco, mês de conscientização da saúde mental e emocional, profissionais da saúde têm alertado para o alto número de pacientes adoecidos em função de sua atividade profissional.
Em novembro de 2023, o Ministério da Saúde (MS) incorporou mais 165 doenças causadas pelo trabalho junto a 182 patologias já existentes, somando, no total, 347 enfermidades. Na Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT) foram incluídas doenças relativas à saúde mental, como a síndrome de burnout, mas também a covid-19 e novos tipos de câncer.
Segundo Lucilene de Aguiar Dias, coordenadora geral de vigilância em saúde do trabalhador do Ministério da Saúde, a medida é importante pois conecta o ambiente de trabalho com a saúde do trabalhador. “A atualização da lista busca refletir as demandas contemporâneas do ambiente laboral, garantindo uma lista abrangente que aborda não apenas as doenças relacionadas ao trabalho, reconhecidas em 1999, mas também condições emergentes e prevalentes que impactam a saúde dos trabalhadores”, diz a coordenadora.
Ela explica que a incorporação seguiu critérios específicos que visam abranger os riscos das atividades, ambientes e processos de trabalho e que foi fruto de contribuições recebidas via consulta pública.
Urgência
O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), » Lara Machado* As novas doenças do trabalho Janeiro branco Ministério da Saúde incluiu 165 patologias na lista de enfermidades laborais. Especialistas acreditam que atualização pode contribuir para melhoria das condições de vida de colaboradores Rodrigo Rodrigues, avalia que a medida do ministério significa um reconhecimento maior ao risco a que os profissionais estão expostos: “Temos uma série de enfermidades que são agravadas pelo trabalho e que necessitam, urgentemente, de atenção.”
Ele descreve a importância da inclusão da covid-19, por exemplo, uma vez que o trabalhador tem chances de se contaminar pelo vírus no ambiente de trabalho, nos regimes presenciais. “Na época da pandemia, foi no trabalho que muitos brasileiros se contaminaram com o vírus. É uma doença recente, que ainda estamos entendendo as consequências dela”, afirma o sindicalista.
A psicóloga do trabalho Marília da Silva explica que, mesmo quando não são causadas pela atividade profissional em si, essas patologias dizem respeito ao mundo do trabalho porque impedem o funcionário de desempenhar suas funções. “Enquanto a covid-19 possui o risco de propagação para outras pessoas, e, após a infecção, aparecem sintomas que se prolongam, afetando a realização de algumas atividades, o burnout está ligado à exaustão física e emocional causada diretamente pelo estresse crônico gerado pelo ambiente de trabalho, mas que resulta também na diminuição do desempenho profissional”, pontua.
Em sua visão, a inclusão das novas doenças pode levar a uma maior atenção, por parte dos empregadores, à qualidade de vida dos colaboradores: “Considero como uma ação significativa para apoiar melhorias no ambiente de trabalho, reconhecendo a importância não só do bem-estar físico, mas também mental do empregado.”
Esgotamento
O adoecimento devido ao trabalho afetou Joana, que teve o nome trocado nesta reportagem para preservar sua identidade. Ela trabalha na área da saúde e conta que se viu esgotada devido a uma carga horária exaustiva, que a fez abdicar, por anos, da vida pessoal. Para ela, essa situação é comum na profissão, mas “muitos não se sentem à vontade para falar sobre o assunto no ambiente de trabalho.”
Por ter sofrido na pele o impacto do estresse causado pela profissão, Joana vê a importância da medida tomada pelo Ministério da Saúde. “Fico feliz em saber que, cada vez mais, os olhares estão se voltando para esse assunto, que acomete muitos trabalhadores”, diz
Joana acredita que diversas empresas oferecem condições insalubres de trabalho devido à contenção de gastos para maximização dos lucros. “Consequentemente, se faltam pessoas, os funcionários são sobrecarregados com uma alta demanda e muita pressão, o que os leva a adoecerem no trabalho. As jornadas são longas e excessivas, muitas vezes sem a remuneração adequada, compatível com o acúmulo de tarefas”, descreve.
Grupos vulneráveis
Joana não é uma exceção. Dados de uma pesquisa realizada pelo Project Management Institute America Latina (PMI) revelam que 46% das mulheres sofrem com esgotamento emocional causado pelo emprego, enquanto a taxa entre os homens é de 37%. O estudo também revelou que 48% dos adoecidos são jovens com menos de 30 anos, enquanto entre aqueles que têm mais de 30, a taxa é de 40%.
Ricardo Triano, porta-voz do PMI, acredita que existem alguns fatores sociais que tornam esses dois grupos mais vulneráveis para doenças do trabalho. No caso das mulheres, a quantidade de horas reservadas ao serviço doméstico, somadas às atividades profissionais, são consideravelmente maiores do que entre os homens. “As expectativas tradicionais de gênero podem resultar em uma carga de trabalho adicional, especialmente para mulheres que desempenham papéis duplos como profissionais e cuidadoras, em casa”, explica o pesquisador.
pesquisador. Quanto aos profissionais com menos de 30 anos, Ricardo aponta o uso ostensivo da internet e da tecnologia como fator que contribui para o desenvolvimento de enfermidades. Além disso, ele cita questões geracionais, como “insegurança no emprego, a pressão para alcançar metas elevadas e a exposição constante às demandas sociais.”
Para o pesquisador, a adoção de medidas por parte das empresas deve passar pela conscientização das chefias. “Vivemos em uma sociedade em que ser workaholic é sinal de produtividade e um selo de ‘bom funcionário’, porém, estudos já confirmam que trabalhar exaustivamente e fazer horas extras constantes pode afetar negativamente o desempenho”, pontua.
Responsabilização
Com a reconfiguração proposta pelo Ministério da Saúde, o sindicalista Rodrigo reforça a necessidade da elaboração de normas que possam assegurar a saúde física e mental dos trabalhadores frente à empregadores, em especial no que se refere às doenças psicológicas.
Ele afirma que empregadores devem se tornar co-responsáveis pela saúde e bem-estar de seus funcionários. “Além disso, temos que debater questões macro, como a diminuição da jornada de trabalho”, propõe.
O advogado trabalhista Maurício Corrêa ressalta que, do ponto de vista jurídico, nesse novo cenário, o empregador terá que ficar mais atento à adoção de práticas para evitar o desenvolvimento de doenças pelos funcionários. Ele explica que as normas já existentes que impedem a demissão de colaboradores por problemas de saúde irão incorporar o aumento da Lista de Doenças Relacionadas ao Trabalho (LDRT).
No entanto, ele defende que a melhoria das condições de trabalho no Brasil segue sendo um desafio que precisa ser constantemente enfrentado. Segundo o advogado, é preciso mais do que o reconhecimento do que leva profissionais ao adoecimento, mas também “a adoção de práticas preventivas e que assegurem a ‘desconexão’ com o trabalho nos períodos de folga.”
Saiba quais os critérios utilizados para considerar uma patologia como doença do trabalho:
Relevância para Vigilância em Saúde do Trabalhador:
- As doenças foram avaliadas quanto à sua relação direta com as atividades, ambientes e processos de trabalho, reconhecendo os riscos específicos associados a determinadas ocupações.
Evidências científicas:
- A inclusão foi embasada em evidências científicas que indicam uma relação entre a exposição laboral e o desenvolvimento dessas doenças. Isso envolveu revisões de listas internacionais, estudos epidemiológicos e dados que sustentam a associação com o ambiente e processos de trabalho.
Mudanças no mundo do trabalho:
- Considerou-se a evolução no cenário laboral, como alterações nos processos de trabalho, avanços tecnológicos e mudanças nas condições de emprego, reconhecendo novos riscos e desafios à saúde do trabalhador.