Segundo investigação da Polícia Civil, funcionários públicos, um deles ligado a gabinete de distrital, colaboravam com esquema de parcelamento irregular em área de preservação do Riacho Fundo. Lucro estimado é de R$ 1,8 milhão
Servidores públicos do Distrito Federal são acusados de integrar um esquema de grilagem, compra e venda de lotes irregulares no Riacho Fundo 1. Eles repassavam informações, de acordo com apuração da Polícia Civil, para uma organização criminosa da região. Os suspeitos avisavam os grileiros sobre futuras derrubadas e operações policiais, o que permitia que o grupo driblasse a fiscalização. Um dos alvos da ação deflagrada nesta quarta-feira (12/6), batizada de Generous, é assessor do gabinete da deputada distrital Telma Rufino (Pros). Os agentes cumpriram seis mandados de prisão, mas cinco suspeitos continuam foragidos. Estima-se que a associação faturou mais de R$ 1,8 milhão.
Rogério Barbosa Carneiro trabalha com a parlamentar desde agosto de 2015. Atualmente, ocupa função comissionada, com salário líquido de R$ 3.632,10. Entre outubro de 2011 e novembro de 2012, ele atuou como agente operacional da Diretoria de Operações e Defesa do Solo e da Água. O órgão fazia parte da extinta Secretaria de Ordem Pública e Social. Não conseguimos localizar a defesa do suspeito.
Em nota, Telma Rufino destacou que tomará medidas cabíveis depois de se informar sobre o caso e ressaltou que a ação policial não se destina a investigar questões relacionadas ao mandato. “A operação de busca realizada no gabinete número 8 não possui qualquer relação com a atividade parlamentar, sendo de caráter pessoal e voltada a um dos servidores. A deputada informa que tomará ciência a respeito dos fatos para que sejam adotadas as medidas cabíveis”, ressalta o texto.
As investigações iniciaram em janeiro, quando os agentes da Delegacia Especial de Proteção ao Meio Ambiente e à Ordem Urbanística (Dema) identificaram a atuação dos suspeitos na Granja Modelo, próximo à BR-060, no Riacho Fundo 1. Os suspeitos começaram a lotear o lugar, produzir documentação falsa e vender os imóveis às vítimas. “A associação era composta por quatro líderes que se apresentavam como proprietários das terras, que, na verdade, pertencem à Terracap (Agência de Desenvolvimento)”, explica o delegado à frente do caso, Marcelo Cerqueira.
Os policiais prenderam apenas um dos chefes do grupo. De acordo com o investigador, o bando era articulado, com divisão de funções. “Todos tinham cargos diferentes. Uns vendiam os terrenos e produziam a documentação falsa, e outros trabalhavam fora do lugar, vigiando o perímetro ou colhendo informações, como o servidor público (Rogério)”, detalha. Para não levantar tantas suspeitas, os anúncios do comércio irregular eram feitos na própria região, verbalmente e por placas.
O delegado não revelou a identidade de todos os envolvidos no esquema ou em qual local trabalham, sob o argumento de que os dados poderiam atrapalhar a apuração. “No fim das investigações, tudo será esclarecido. Como nem todos foram presos, não podemos dar tantos detalhes”, justificou. Entretanto, Marcelo adiantou que eles ocupariam cargos essenciais no governo e eram recrutados pelo grupo para fornecer informações privilegiadas, o que manteve o esquema de pé por, no mínimo, seis meses.
Ameaças e lucro
Os policiais constataram que o grupo criminoso enganou pelo menos 40 pessoas, mas muitas não procuraram delegacias por medo. Quando alguém era contrário ao esquema ou tentava denunciar, sofria ameaças e desistia de procurar os investigadores. “Muitas vezes, os lotes eram vendidos mais de uma vez para pessoas diferentes. Quando o indivíduo se dava conta da fraude, tentava procurar a polícia, mas era repreendido pelo grupo”, detalhou o delegado. A associação também extorquia os compradores dos terrenos. “Os suspeitos cobravam até R$ 2 mil para que as pessoas pudessem ter acesso ao lote”, detalha.
Desde janeiro, os acusados teriam vendido 40 lotes no valor de R$ 45 mil. Com a prática, os investigadores estimam que tenham lucrado ao menos R$ 1,8 milhão. O tamanho total da área é de 93 hectares e, caso os criminosos estivessem ocupando todo o perímetro, poderiam obter até R$ 80 milhões, de acordo com o delegado. “Sabemos que existiam muito mais terras que seriam loteadas. Eles também estavam em contato com supermercados e postos de gasolina, tentando vender terrenos ainda maiores”, afirma.
Durante o cumprimento dos mandados de busca e apreensão, os agentes apreenderam computadores, que serão avaliados pelos peritos nos próximos dias. “Todo o material passará por perícia, e as investigações continuam para identificar o paradeiro dos foragidos. Pretendemos em breve estar com todos os responsáveis presos”, diz o delegado Marcelo.
Loteamento
Segundo a investigação, a área da Granja Modelo passou a ser invadida em janeiro, quando os criminosos se aproveitaram das ocupações irregulares para fazer a grilagem. De acordo com o delegado, mais de 40 famílias vivem no local, mas elas não responderão pelo parcelamento irregular do solo. “São pessoas que não têm alto nível intelectual e não participaram na grilagem”, explica Marcelo.
O perímetro invadido faz parte de uma área de preservação ambiental destinada à diversidade biológica de fauna e flora, além da preservação de recursos hídricos. Os 11 suspeitos serão indiciados por associação criminosa, parcelamento irregular do solo, dano ambiental, falsificação de documentos, extorsão e ameaça. Caso condenados, podem ficar presos por até 20 anos.
O delegado informou que a região passou por duas operações de desocupação neste ano, no entanto, os invasores voltaram ao local. Em nota, a DF Legal informou que a área em questão, por estar dentro do Parque Ecológico e Vivencial do Riacho Fundo, não é passível de regularização, e os invasores haviam sido notificados para demolir as construções. “Este ano, foram realizadas duas operações de desocupação no local, uma em abril e outra em maio”, reforça o texto.
A Secretaria de Desenvolvimento Social informa, também em nota, que esteve na região em 4 de junho, quando abordou as famílias e apresentou os serviços da Assistência Social do DF. “A principal orientação foi para que agendassem o preenchimento do Cadastro Único, para que possam ser avaliadas e incluídas no cadastro para recebimento de benefícios, auxílios ou abrigamento, conforme a necessidade constatada pela equipe técnica da secretaria”, aponta o órgão.
Memória
No mês passado, sete policiais militares foram presos por integrar um esquema de grilagem de terras no Sol Nascente, em Ceilândia. O grupo atuava como milícia e é acusado de loteamento do solo, extorsão e homicídio. Além disso, em abril, policiais civis flagraram cinco pessoas por grilagem de terras em São Sebastião. No mesmo mês, quatro pessoas foram detidas sob a acusação de parcelar e vender chácaras em uma Área de Preservação Ambiental (APA), em Brazlândia. Em janeiro, 19 pessoas acabaram presas por invasão de terras no Paranoá.
O que diz a lei
A Lei nº 12.850, de 2013, define como crime promover, constituir, financiar ou integrar uma organização criminosa, sob pena de reclusão de 3 a 8 anos e multa. O inciso 4º prevê o crescimento da penalidade de um sexto a dois terços, caso a quadrilha mantenha conexão com outras.
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