A infectologista da Unicamp e consultora da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia) Raquel Stucchi responde perguntas sobre o tema
A reinfecção por coronavírus tende a ser mais grave? Ainda não se sabe. De acordo com Raquel, existem apenas cinco casos confirmados de reinfecção por coronavírus em todo o mundo. Destes, três foram leves e dois graves. Ela lembra que o primeiro caso de reinfecção, confirmado em Hong Kong, foi de uma pessoa assintomática, que só descobriu o contágio da segunda vez porque foi testada em um aeroporto, ao voltar de viagem. Os pesquisadores descreveram o paciente como “aparentemente jovem e saudável”. Nesta semana, a Holanda registrou a primeira morte causada pela reinfecção pelo coronavírus no mundo. A paciente era uma idosa de 89 anos. Os efeitos da covid-19 foram agravados na segunda vez por uma forma rara de câncer de medula óssea. O outro caso grave de reinfecção aconteceu nos Estados Unidos: um paciente de 25 anos, que não tinha comorbidades ou problemas de imunidade porque seus pulmões não conseguiam captar oxigênio suficiente para o corpo e depois conseguiu se recuperar, segundo estudo publicado na revista científica Lancet. Tais relatos, portanto, mostram perfis bem diferentes de pessoas que desenvolveram quadros graves durante a reinfecção pelo vírus
O que muda na reação do sistema imune durante a segunda infecção? Ainda não se sabe. Raquel frisa que dentre os cinco casos confirmados, houve pacientes que tiveram uma reação inflamatória, gerada pelo sistema imune em resposta à ação do coronavírus, mais intensa que outros. Porém, os casos ainda são poucos para que se possa tirar conclusões mais assertivas
Pessoas que contraíram o coronavírus da primeira vez e foram assintomáticas ou tiveram quadros leves estão mais suscetíveis à reinfecção? Talvez, mas essa é apenas uma hipótese. “O que a gente sabe é que as pessoas que têm quadro leve produzem uma quantidade menor de anticorpos, mas não se sabe se isso interfere na proteção”, afirma Raquel. Essa incerteza se deve ao fato de que os anticorpos não são a única via para alcançar a imunidade contra a covid-19, também existem células chamadas linfócitos T, que são capazes de identificar e matar células infectadas pelo novo coronavírus. Mas o papel de cada uma dessas armas na garantia da proteção também não está totalmente esclarecido
Como é possível confirmar casos de reinfecção e quais as dificuldades enfrentadas nesse processo? Para confirmar um caso de reinfecção, é preciso sequenciar o material genético do vírus e verificar se existem diferenças entre o que foi encontrado na primeira e na segunda infecção. De acordo com Raquel, o fato de existirem poucas reinfecções pelo coronavírus comprovadas demonstra a possibilidade desse evento não ser frequente e também a dificuldade de fazer a confirmação. Não é simples, eu tenho que ter uma amostra guardada [da primeira infecção] nas condições adequadas, ou seja, congelada. E além disso, essa amostra tem que ter uma quantidade de material biológico do vírus que permita fazer o sequenciamento e comparar com a segunda amostra”, descreve a infectologista
De que modo casos de reinfecção podem interferir no desenvolvimento de vacinas? Raquel afirma que os casos de reinfecção trazem a necessidade de avaliar por mais tempo quanto dura a proteção de uma possível vacina contra a covid-19″Quem já teve [covid-19] deve ter uma proteção [do sistema imune] que dura entre dois e três meses. Os casos confirmados de reinfecção não ocorreram antes de 60 dias [após o primeiro contágio]”. observa. “Por isso os estudos de fase 3 [a última etapa de testes, que avalia a eficácia e segurança da vacina, têm no mínimo um ano de acompanhamento dos voluntários”, completaA especialista cita o exemplo da vacina da gripe, que precisa ser tomada anualmente, pois sua proteção cai progressivamente após seis meses da aplicação, de acordo com a SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações)
Que outras situações poderiam causar resultados de testes positivos além da reinfecção? Existem duas possibilidades:- Permanência do vírus no corpo por um período prolongado, com período de inatividade e posterior reativação- infecção por outro vírus, que causaria confusão, porque haveria ainda fragmentos inativos do coronavírus que ficaram no corpo da pessoa após a primeira infecção