Especialistas são unânimes em afirmar que o cultivo de plantas traz ganhos emocionais e até físicos
Quando o assunto é natureza, vale pensar além do ar fresco, do sol, das árvores e das cachoeiras. Mexer na terra — e, por que não, se sujar — faz muito bem à saúde. Andar de pés descalços, semear com as próprias mãos, sentir o cheirinho da terra molhada, enfim, manter contato direto com o solo são pequenos gestos que proporcionam benefícios para o corpo e a mente. A jardinagem está aí para recarregar as vibrações.
“O solo é a nossa ligação direta com o planeta e com a vida”, acredita a engenheira agrônoma Cláudia Petry. Para ela, degustar produtos de cultivo próprio, utilizar elementos da terra na sua forma mais natural — como a argila — para construir cerâmicas e buscar na natureza soluções estéticas para o rosto e o corpo levam ao resgate das raízes cósmicas e ao sentimento de pertencimento.
Acredite ou não, os efeitos de tais atividades são considerados antidepressivos naturais. “O contato com os elementos da natureza tanto aumenta a disposição como promove relaxamento. Desestressa. No momento em que mexe na terra, a pessoa está canalizando a atenção para algo que dá prazer”, explica a psicóloga Sâmia Simurro, vice-presidente da Associação Brasileira de Qualidade de Vida (ABQV).
Ela garante que são muitas as habilidades desenvolvidas e aperfeiçoadas a partir do contato com a terra. “Além de melhorar o senso de responsabilidade com a vida, plantar é um trabalho de paciência, de esperar a germinação, o florescimento e, ainda assim, entender que nem sempre haverá sucesso ao cultivar o solo.”
Para a engenheira agrônoma Carmen Correia, o envolvimento na jardinagem valoriza o momento presente e incorpora o mindfulness — a mente presente no agora. “Há uma troca prazerosa. E há ainda a grande mágica que é a vida que brota da terra quando semeamos.”
Habilidades motoras e físicas também são fortalecidas com a prática. A delicadeza nas mãos, a apuração do olhar e do tato e a capacidade de planejamento — como fazer, quanto usar, quando molhar, quando colher — são apenas alguns dos benefícios. Conheça a história de pessoas que encontraram na terra um novo sentido para a vida.
Mudança de vida
“A terra é a nossa mãe. Carrega muito o poder do feminino”, resume Nathalia Muguet, 28 anos. Nascida e criada em Belo Horizonte, ela sentiu que precisava repensar o modo de vida que levava em uma cidade grande, considerada por ela insustentável. Decidiu, então, tornar-se agricultora. Para ela, a profissão mais importante de todas: “Ela sustenta toda uma sociedade e o que se compreende das sociedades”, justifica.
Nathalia se mudou, então, para a área rural do Distrito Federal. Passou a tirar da terra não só um novo estilo de vida, mas o próprio sustento. O que é plantado no sítio colaborativo onde mora serve para consumo dos colaboradores e também é vendido em feirinhas orgânicas da cidade. Em contato com comunidades da agricultura familiar, aprendeu muito. “Agricultor ganha pouco, mas essa profissão me proporciona saúde de verdade. A certeza de que o alimento que estou comendo e vendendo é totalmente natural e tem uma energia boa por trás é algo impagável”, aponta.
“Enxergo a terra como uma extensão do meu corpo”, resume. É no solo e nessa relação harmoniosa com a natureza que Nathalia tem — além do que precisa para sobreviver e se alimentar — o sustento emocional. Com jeito de quem respira o ar do campo e tudo o que ele oferece, orgulha-se do caminho que trilhou. Em meio à nova rotina, Nathalia também formou uma família. E é com o pequeno Iuri, de apenas 3 meses, que a agricultora familiar se abaixa e toca a terra, brinca com o filho, passeia pelo sol.
No Sítio Semente, onde vive, a jovem trabalha a agrofloresta, ou seja, os cultivos ocorrem em meio a árvores e à vegetação nativa. O solo sempre tem cobertura vegetal e nunca ocorre produção em monocultura. Segundo ela, essa é uma forma de preservar toda a cadeia de harmonização que a natureza já tem. “Procuramos respeitar os elementos que nos são dados. Nosso espaço é ecológico, pois enxergo a terra e a natureza como uma extensão do meu corpo.”
Na estufa, Nathalia trata plantas medicinais, além de ervas e flores, que viram óleos essenciais e perfumes. Ela garante que o poder de cura é muito mais que físico. “Trabalhar com a terra é o meu sustento emocional, porque, quando a gente procura uma forma de se curar dessas doenças que a sociedade enfrenta, muitas vezes, também estamos desconectados da nossa essência. E essas plantas medicinais, dentro da forma que a gente trabalha, respeitando a natureza e seu ciclo, têm um poder tão grande que só o contato já é uma forma de cura.”
Troca de energia
A estudante Rafaela Borges, 17 anos, acredita que mexer com a terra e com a natureza é um caminho de conexão consigo mesma. “Sempre encarei como uma terapia, uma forma de diminuir o estresse. É o momento que tenho para refletir sobre mim, minhas decisões e meus problemas. Mexer com a terra é o que me traz para dentro da minha relação como o meu eu”, reflete.
Apesar de ter aprendido algumas técnicas de jardinagem com amigos e familiares, Rafaela se considera uma autodidata — a maioria dos conhecimentos veio de tentativa e erro. “Tenho muito isso de colocar a cara para fazer. Fui pegando as plantas e testando o que funcionava com cada uma, um processo de intuição.”
Por acreditar que terra é um elemento de muitas energias, a estudante faz questão de manter a prática na rotina. “Todo dia estou mexendo com plantas. A partir do momento que você se envolver com a complexidade de outros seres vivos, você também acaba admitindo suas complexidades.” E ela garante: a jardinagem não é apenas pelo gostar. “É pela sensação de bem-estar, sentir minhas complexidades aflorando e se intensificando, me dando um tempo de conhecer melhor quem sou.”
Sem medo de se sujar
Respeitar e dar valor à terra são os maiores valores que Isabela passa para os alunos. “Evito usar luvas! O interessante é enxergar que esse contato, tão importante, envolve os cinco sentidos.” Ela conta que muitas crianças ficam receosas no início, mas logo já se acostumam e querem pegar, brincar e se sujar.
Quando sai um pouco da rotina, o contato diário com as plantinhas já começa a fazer falta. Isabela conta que, no período de férias, logo arranja um vaso de alguém para reformar, procura um parente que possa ajudar na jardinagem. “É maravilhoso ver como a terra se transforma com o cuidado certo”, acredita.
O retorno que a educadora recebe dos pais é sempre muito positivo. O contato com a terra proporciona um aprendizado lúdico e leva muitos dos alunos a explorarem novos hábitos alimentares, em especial verdinhos, que antes não experimentariam. É a educação alimentar na prática.
Alface, cenoura, tomate, rúcula e até as Pancs (plantas alimentícias não convencionais) têm espaço nas hortas que Isabela cria com os pequenos. Os ganhos para o futuro dos alunos são enormes. “Se a criança não tem vivência com a natureza, plantas e animais, certamente não será um adulto que protegerá nosso planeta”, acredita.
Com uma experiência vasta como educadora ambiental, ela já contemplou história emocionantes. “Uma pedagoga amiga minha passou por um câncer. Depois disso, abriu mão da vida em sala de aula para trabalhar na horta comigo. Isso por amor às plantas”, conta. Para Isabela, essa é uma das possibilidades que a terra oferece de criar conexões com os ciclos do ambiente e com a teia da vida.
Plantando as diferenças
A iniciativa tem o propósito de fazer esses jovens socializarem, desenvolverem a coordenação motora, além de terem contato com a natureza e o entendimento do que é uma alimentação saudável, como explica a coordenadora do colégio, Thaís Lírio. Na horta escolar, todas as manhãs, os jovens cultivam frutas, hortaliças e ervas.
No período da tarde, eles levam o que colheram para a cozinha experimental e colocam a mão na massa. Os jovens preparam o próprio café da manhã: tem banana, mamão, chá feito das ervas cultivadas, cana-de-açúcar, bolos de casca de banana, de abacaxi e de mandioca, tudo produzido com produtos da hortinha orgânica que cuidam.
É um caminho de limitações, mas também de grandes conquistas. Com o auxílio da professora Silvanira de Araújo e dos educadores sociais voluntários do projeto, Alexandre Daher, Angélica Frota e Sandra Alves, os estudantes do ensino especial também usam da experiência de mexer na terra para se prepararem para o mercado de trabalho.
Aquilo que é cultivado é, posteriormente, vendido. Quase toda semana, a turma monta uma vendinha nos arredores da escola e até no posto de saúde do Cruzeiro, que fica pertinho do colégio. O dinheiro arrecadado serve para complementar a renda da turma com investimentos na educação, passeios e projetos orientados a jovens nessas condições.
A dedicação à terra já rendeu até prêmio. A turma do ensino especial ficou em primeiro lugar na etapa regional do concurso Diálogos com a Ciência, de 2018.
Inspire-se!
Os paisagistas João Jadão e Catê Poli dão dicas para quem deseja montar uma área verde em casa e se beneficiar do manuseio com a terra, dos alimentos fresquinhos e da alegria das folhagens e flores. Confira:
Onde plantar?
A falta de quintal não é desculpa para não se ter uma horta em casa ou apostar em uma composição completa de folhagens, espécies tropicais, arbustos e árvores. Segundo os paisagistas, a plantação pode ser feita em qualquer cantinho, desde que tenha uma boa iluminação natural.
Na hora de plantar, os vasos precisam ter, no mínimo, 30cm x 30cm. “Os vasos pequenos não têm terra, nutrientes nem umidade suficientes e, por isso, não duram muito”, explicam. Diferentemente de ervas e plantinhas menores, os arbustos, a exemplo do hibisco, requerem vasos maiores. Já árvores de grande porte ficam melhor em canteiros com bastante espaço disponível. Assim, as raízes se acomodam melhor.
O que plantar?
Temperos como manjericão, alecrim, sálvia, capim-limão, orégano e tomilho são uma boa opção para quem deseja iniciar uma horta. Já legumes e hortaliças são de difícil cultivo.
No caso do manjericão, por exemplo, é possível plantar a semente ou pegar ramos de plantas adultas, sendo ideal plantá-lo em temperaturas quentes. “A irrigação deve ser feita todos os dias para que o solo esteja sempre úmido, e as folhas podem ser colhidas em cerca de dois meses”, indica Cauê.
Quem deseja cultivar plantas e é iniciante pode apostar em cactos e suculentas — tipos resistentes e que se adaptam bem em vasinhos e espaços menores de cultivo, apesar de exigirem bastante luz natural. Outra escolha pode ser o lírio-da-paz, muito usado na decoração de ambientes internos e que se adéqua bem a vasos.
As begônias e as violetas são boas opções de flores para se cultivar em casa e dar vida ao ambiente. Além de charmosas e coloridas, são espécies práticas e que exigem cuidados simples.
Outros cuidados
Para que o plantio e a colheita sejam satisfatórios, os paisagistas alertam que a terra deve estar bem adubada. “A terra precisa estar solta e não pode ser argilosa ou arenosa para que as plantas nasçam bonitas e bem desenvolvidas”, explica João.
Além disso, o tempo de colher depende de cada espécie, mas não se esqueça de regar e afofar. Folhas que estiverem com aspecto de mofo, amareladas ou com pontinhos escuros, precisam ser podadas e cortadas. Se houver um problema persistente, vale usar defensivos naturais para tratar e evitar pragas.