Com a missão de dar suporte e informações a grandes investidores, economista-chefe do banco de investimento Ourinvest e mestre em finanças aponta os desafios que o Brasil terá que enfrentar e destaca a parceria vital entre governo e Congresso
São Paulo —Nos últimos 10 anos, a executiva Fernanda Consorte, economista-chefe do banco de investimentos Ourinvest, participou dos principais times da área de finanças de instituições como Bradesco, Santander e Votorantim. Atualmente, sua principal missão é dar suporte e informações aos maiores investidores do banco, especialmente no segmento de câmbio. Graduada em economia pela PUC-SP e mestre em finanças pela Fundação Getulio Vargas, Fernanda analisa o momento econômico do país. Entre outros temas espinhosos, ela fala sobre a guerra comercial entre Estados Unidos e China e como as disputas impactam na economia brasileira, aponta os desafios que o Brasil terá que enfrentar para virar definitivamente a página da crise e destaca o papel vital da parceira entre governo e Congresso para a retomada do crescimento. Acompanhe a entrevista completa a seguir.Continua depois da publicidade
A guerra comercial entre Estados Unidos e China tem afetado negócios no mundo todo. Qual a sua expectativa em relação a essa disputa? É possível afirmar que essa questão vai se resolver ainda neste ano?
Isso é bem difícil de prever. No início do ano, o mercado estava esperançoso demais com a resolução do conflito. Agora, acho que a disputa, infelizmente, vai ser duradoura, e que trará bastante temeridade em termos de resultado. Sempre vale lembrar que são dois gigantes que estão nessa disputa. Dois líderes que não são muito fáceis, com características nada simples para negociar.
Mas a China depende muito dos Estados Unidos.
Acho que o mercado subestimou até que ponto a China resistiria a uma pressão americana. Eu gosto sempre de lembrar o plano chinês de crescimento, de autossustentação, que determina que, até 2025, o país terá um crescimento sustentado pelo mercado doméstico, não mais tão dependente das exportações. Eles querem investir na indústria local. Na hora que tem esse intuito, há uma sinalização de que os chineses não estarão dispostos a se dobrar para os Estados Unidos, se ajoelhar para os americanos de forma tão rápida. Esse é um aspecto importante a ser considerado. Diante disso, acho que a disputa será longa e terá duras consequências para todo o mundo.
Na prática, no que isso afeta o Brasil?
Tem dois canais que afetam o Brasil. O canal direto é via exportação, lembrando que a China é o primeiro grande player da pauta de exportação brasileira. Os Estados Unidos são o segundo. A desaceleração econômica que esses dois países devem ter como reflexo da guerra comercial já afeta as exportações brasileiras. Por exemplo, de janeiro a abril deste ano, já com crescimento mais baixo, a China comprou quase 27% da pauta de exportação brasileira. Os Estados Unidos, 13% da pauta. Em terceiro lugar foi a Argentina, com 4,5%. Ou seja, os países que estão na disputa dominam muito mais de um terço de tudo que o Brasil manda para fora. Independentemente de quem ganhar, é quase certo que vai haver uma desaceleração econômica na China e nos Estados Unidos, com efeitos em todo o mundo. Isso certamente vai afetar a demanda de produtos brasileiros.
E o segundo cenário que afeta o Brasil?
O segundo é o canal financeiro. A China é a grande potência emergente. Quando o mercado enxerga uma possibilidade de desaceleração no país, isso afeta todos os emergentes. A corda sempre arrebenta no lado mais fraco, e o Brasil é um país emergente pobre, que sofrerá duras consequências. Se a China desacelerar, os grandes investidores tiram dinheiro dos países emergentes e colocam os recursos no que chamamos de flight to quality (voo para qualidade), ou seja, realocam o dinheiro em países mais seguros, como Estados Unidos, Japão e várias partes da Europa. Isso gera uma aversão a risco muito maior para países emergentes e impacta o Brasil, por meio da taxa de câmbio.
Isso explica a forte oscilação do dólar ante o real nos últimos meses?
Ajuda a explicar. É claro que o ambiente externo pior provoca volatilidade, mas, especificamente no caso do Brasil, há um componente doméstico muito forte desde as eleições. Só para colocar em perspectiva, se essa entrevista tivesse sido feita no começo do ano, eu citaria outras razões para a volatilidade do dólar. Agora, a economia começa a dar sinais de melhora diante da articulação do governo. Acontece que, apesar da melhora nos últimos dias, isso não vinha ocorrendo de forma consistente. De janeiro até o fim de maio, vimos uma grande dificuldade de articulação política entre governo e Congresso, colocando em xeque o tempo de aprovação da reforma da Previdência.
O mercado ficou decepcionado?
Houve uma frustração em relação ao tempo da reforma, de aprovação de reformas. Agora, com uma mudança de postura do governo, acelerou um pouco, mas a gente ficou parado por muito tempo. Isso fez com que a confiança dos agentes caísse e tivéssemos uma frustração do desempenho da economia. A recuperação econômica, que deveria ter começado a acontecer no ano passado, dependerá da restauração da confiança. Por exemplo: as projeções do Boletim Focus, do Banco Central, iniciaram o ano com previsão de crescimento de 2,5%. Agora, está num patamar de 1,3%. Os componentes internacionais e domésticos colocaram o Brasil na tempestade perfeita. Temos um cenário de estagnação econômica, dificuldade de articulação com o Congresso, cenário de menor popularidade do governo. Por isso, o dólar foi para R$ 4,10, voltou para R$ 4, e agora está em R$ 3,90.
Diante dessa tempestade perfeita, qual é a perspectiva para a economia brasileira para 2019? Será um ano perdido?
Vai ser um ano de difícil recuperação. No cenário em que estamos hoje, vejo dois grandes percalços da economia, duas grandes questões a serem lidadas: a atividade econômica e as contas fiscais. Uma está dependendo da outra. Só será possível ajustar as contas fiscais e, automaticamente, puxar uma melhora econômica a partir de confiança. A confiança tem que ser recuperada. Diante disso, quando eu olho os indicadores de confiança, até maio, só vejo queda. Tivemos no primeiro trimestre do ano um PIB negativo. E quando eu olho para a confiança tanto do consumidor como do empresário, percebo que vamos ter um PIB fraco no segundo trimestre novamente.
E isso vai comprometer, por exemplo, a recuperação do emprego?
Sem dúvida. A primeira coisa que a gente tem que lembrar, que a história econômica nos mostra, é que o mercado de trabalho é defasado. Ele é o último componente a reagir, seja na desaceleração, seja na recuperação econômica. O emprego é a última variável macroeconômica a reagir. O PIB tem que melhorar bastante, e seguir melhorando, para o mercado de trabalho exibir sinais de recuperação. Enquanto a confiança dos empresários não começar a subir, não voltar a um patamar otimista, não há motivo para investir e contratar.
O que se pode esperar do governo em 2019, para que em 2020 não se repita a estagnação?
Uma palavra: articulação. Existe aí uma vocalização por parte do governo com o intuito de uma nova política, sem troca de vagas, trocas de favores. Mas, por outro lado, a equipe do governo não está conseguindo implementar o que eles chamam de nova política ou alguma coisa nesse meio, entre a velha política e essa nova política. Do mesmo jeito que o tema do ano passado, durante as eleições, era governabilidade, a palavra agora é articulação. A gente vive num país de presidencialismo, que tem um parlamento muito ativo, e todas as medidas de que se necessita, ainda mais que o nosso problema é via conta fiscal, precisam da aprovação do Congresso. O governo precisa estar de mãos dadas com o Congresso no objetivo único da retomada de crescimento.
Há, na sua avaliação, uma decepção com o desempenho do governo?
Na verdade, acho que é o contrário. Houve um otimismo exagerado pós-eleições. Logo depois, se percebeu que o início do governo seria difícil. Então, acredito que houve um ajuste do otimismo, e não uma decepção.
Então, o eleitor foi ingênuo?
Não. O otimismo foi exagerado porque havia uma grande aposta num novo que a gente não sabia como seria. Esse é um revés, porque o governo Jair Bolsonaro personifica o novo. As pessoas, quando votaram no Bolsonaro, mais do que promessas de campanha, tinham esperança no novo, de sair da polarização PT e PSDB. É interessante, mas há sempre o risco de revés quando se aposta no novo que não se conhece. É com isso que a gente está lidando agora.
Essa percepção vale também para os investidores internacionais?
Sim. Os níveis de taxa de câmbio sugerem isso. É claro que há uma cautela generalizada, por conta da crise entre China e Estados Unidos, mas a situação local também acaba afetando a percepção dos agentes.