GDF, conselhos de administração das empresas públicas e sociedades de economia mista discutem medidas para cortar vencimentos acima do teto da capital federal. Em alguns casos, há contracheques com pagamentos superiores a R$ 54 mil
Com as contas no vermelho e poucos recursos para investimentos, as estatais do Distrito Federal pagam salários fixos de até R$ 54 mil, fora benefícios. O valor supera o teto remuneratório da capital, fixado em R$ 35.462,22, e contrasta com a média de vencimentos dos brasileiros, que gira em torno de R$ 2.289, conforme Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad) divulgada em maio. O GDF e os Conselhos de Administração e Fiscal das empresas públicas e sociedades de economia mista discutem medidas internas para reverter o quadro.
Governos anteriores tentaram acabar com os salários astronômicos em Brasília. Em 2017, o então governador Rodrigo Rollemberg (PSB) sancionou lei que impunha o teto, praticado nas secretarias e demais órgãos, às empresas públicas e sociedades de economia mista. Entretanto, sindicatos recorreram à Justiça e conseguiram manter os vencimentos em parte das estatais (leia Memória).
A maior remuneração entre as empresas públicas pertence ao presidente da Agência de Desenvolvimento de Brasília (Terracap), Gilberto Occhi — o salário fixo dele chega a R$ 54.246 e, após os descontos obrigatórios, fica em R$ 39.732,06. Mas funcionários de carreira também acumulam polpudos contracheques. Um técnico administrativo da empresa detém remuneração básica de R$ 50.368,58. No último mês, com o acréscimo de benefícios de R$ 2.101,02 e após descontos obrigatórios, o profissional recebeu R$ 41.932,54.
A situação repete-se na Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb). Na estatal, o salário fixo de um funcionário é de R$ 51.622,44, mais R$ 2.110,32 em benefícios. Com as reduções pelo Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) e pela Seguridade Social, o contracheque contabilizou R$ 36.984,20. O Portal da Transparência não identifica o cargo do profissional e descreve a função como “incorporada administrativamente”. O mesmo descritivo consta no pagamento de um servidor com remuneração básica de R$ 45,391,66, que embolsou R$ 28.418,69 após os descontos obrigatórios.
A estatal, entretanto, diz estar prestes a banir os supersalários. Em 3 de julho, o Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (TRT) derrubou liminar concedida pelo desembargador Grijalbo Coutinho e permitiu o cumprimento do abate-teto. “A Caesb informa que tomou conhecimento da decisão por meio da Procuradoria-Geral do DF e imediatamente tomou providências para a aplicação do corte, que incidirá sobre a folha de pagamento deste mês de julho”, esclareceu, em nota.
Novacap
Na mira da Controladoria-Geral do DF, a Novacap disse, em nota, não pagar supersalários. Entretanto, alguns casos chamam a atenção na folha da empresa. Em maio, um auxiliar de serviços gerais recebeu o vencimento líquido de R$ 35.035,56. O valor contempla a remuneração básica do funcionário, que chega a R$ 19.668,92, benefícios e horas extras.
Os casos de contracheques encorpados pelos acréscimos de verbas eventuais, como 13º salário e férias, são usuais. Na Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater), um extensionista rural embolsou R$ 94.041,60 líquidos em junho — o montante soma-se à remuneração básica de R$ 26.271,15, a verbas eventuais de 78.851,67, a benefícios de R$ 1 mil e a verbas judiciais de R$ 9.484.
Em maio, na CEB Distribuição, a remuneração líquida de um engenheiro eletricista chegou a R$ 64.462,40. O valor leva em conta a remuneração fixa de R$ 13.691 e R$ 55.997,26 em verbas eventuais. Nos dois casos, não há detalhamento desses valores, com a especificação dos penduricalhos que integram o montante.
O Palácio do Buriti, porém, alega que “os salários consultados no Portal da Transparência que se encontram acima do teto são correspondentes aos meses de férias dos empregados, sem considerar os descontos feitos em folha de pagamento”. E completa: “Conforme a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no mês das férias, o empregado pode receber um terço do salário, vender até 10 dias e solicitar adiantamento de metade do 13º salário e de férias”.
O secretário de Fazenda, Planejamento, Orçamento e Gestão, André Clemente, afirmou que o governo discutirá com os Conselhos das estatais uma postura “mais conservadora” para conseguir resultados a médio e longo prazos. “A ideia é treiná-los para práticas com restrição de gastos a fim de viabilizar o lucro para as estatais. Precisam ser mais cautelosos na inspeção, em acordos de trabalho e afins. Com um penduricalho e outro, as estatais conseguem levar os salários dos funcionários a valores exorbitantes”, criticou.
As demissões dos funcionários celetistas que recebem supersalários também é avaliada. “Falar em tentar cortar as remunerações via lei é uma falácia, porque algumas empresas são independentes e geram, em parte, os próprios recursos”, completou Clemente.
Para saber mais
Rumo à privatização
Devido à situação crítica das estatais, o governo pretende privatizá-las. As primeiras da lista são a CEB Distribuição, a Companhia do Metropolitano do DF (Metrô/DF) e a Caesb. Por ora, a Companhia Energética de Brasília está em situação mais encaminhada. Em 19 de junho, os acionistas da empresa autorizaram a iniciativa. Após o fim do processo, o GDF ficará com, no máximo, 49% das ações, e o sócio privado terá a obrigação de injetar recursos no caixa como forma de cumprir os limites operacionais impostos pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e, assim, recuperar a capacidade de investimentos.
Memória
Queda de braço com os sindicatos
O ex-governador Rodrigo Rollemberg (PSB) publicou a lei que prevê o fim dos supersalários em maio de 2017. Após a sanção, entretanto, diversos sindicatos questionaram a legislação na Justiça sob a justificativa de que a regra não cabe às estatais independentes ou às sociedades de economia mista, porque detêm orçamento próprio. Entre as empresas públicas que conseguiram, à época, manter os altos vencimentos, estão a Terracap, a Caesb e a TCB. Para superar o imbróglio, Rollemberg recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas o ministro Celso de Mello entendeu que não cabe à Corte decidir sobre o tema.