Os Sindicatos medem força e realizam uma mega greve na Argentina contra Javier Milei

Multidão sai às ruas de Buenos Aires e de todas as províncias, em meio à primeira greve geral enfrentada pelo governo do ultralibertário. Protestos exigem revogação de reformas econômicas impostas por megadecreto e pela chamada “Lei Ônibus”

 

Quarenta e cinco dias depois de ascender ao poder, Javier Milei enfrentou a primeira greve geral, seguida de uma mobilização massiva em Buenos Aires e em todas as principais cidades da Argentina — Corrientes, Rosario, Córdoba, Mendoza e Mar del Plata. A paralisação começou ao meio-dia e se encerrou à meia-noite. Convocadas pela Confederación General del Trabajo (CGT), centenas de milhares de pessoas ignoraram ameaças de retaliação do governo, desafiaram um “protoloco antipiquete” e saíram às ruas para protestar contra as modificações no regime laboral impostas pelo decreto de necessidade e urgência (DNU) e pela “Lei Ônibus”.

O pacote de 664 artigos prevê uma revolução no sistema econômico e uma ampla reforma trabalhista, com a limitação ao direito de greve, mudanças no financiamento sindical, a valorização do livre mercado e regulações sobre os aluguéis. Sem o número necessário de deputados para aprovar pontos sobre exportação que compõem a “Lei Ônibus”, a votação do texto no Congresso foi adiada para a próxima terça-feira. De acordo com a imprensa argentina, Milei excluiu ou revogou 141 artigos da legislação.

Enquanto os protestos ocorriam em todo o país, impulsionados pelo slogan “Não se vende a Pátria”, a Casa Rosada sofria nova derrota. A Justiça atendeu a um pedido da CGT e invalidou seis artigos da DNU que contemplavam modificações no contra-cheque, na não obrigatoriedade de repasse financeiro aos sindicatos e no direito de realização de assembleias.

Ativisita ostenta capacete com a palavra "ódio", em frente a policiais de choque alinhados
Ativisita ostenta capacete com a palavra “ódio”, em frente a policiais de choque alinhados(foto: Luis Robayo/AFP)

 

A ministra da Segurança, Patricia Bullrich, e o porta-voz da Presidência da Argentina, Manuel Adorni, minimizaram a mobilização. “De 21 milhões de trabalhadores, apenas 0,19% se mobilizou, se considerarmos, entre os  trabalhadores, a La Cámpora (organização política juvenil peronista) e as organizações sociais. Quarenta mil pessoas. Fracasso total”, escreveu Bullrich na rede social X, o antigo Twitter. Às 19h desta quarta-feira (24/1), trens e ônibus de algumas empresas aderiram à greve.

Três horas antes do início da paralisação, ela provocou a CGT, a Justiça e o próprio establishment político. “Sindicalistas mafiosos, gerentes da pobreza, juízes cúmplices e políticos corruptos. Todos defendendo seus privilégios, resistindo à mudança decidida democraticamente pela sociedade e liderada, com determinação, pelo presidente Milei. Não há greve que nos detenha, nem ameaça que nos amedronte”, avisou a ministra, que criou um protocolo para impedir os manifestantes de bloquearem ruas e avenidas.

“Alguns milhares parando, alguns milhares trabalhando. Fim”, ironizou Adorni. Milei acompanhou os protestos na Quinta de Olivos, residência oficial do governo, e não se reuniu com o gabinete. Assessores afirmaram ao jornal Clarín que o presidente estava “tranquilo”.

Mulheres marcham, do lado de fora do Legislativo: medidas daconianas do governo revoltaram população
Mulheres marcham, do lado de fora do Legislativo: medidas daconianas do governo revoltaram população(foto: Tomas Cuesta/AFP)

 

Além de organizações sociais, participaram do ato em Buenos Aires os sindicatos de azeiteiros, jornalistas, associações de bairro, entidades de defesa dos direitos humanos e trabalhadores das áreas da cultura, da saúde e da ciência. Em discurso diante do Congresso, Pablo Moyano — vice-secretário-geral do Sindicato dos Caminhoneiros da Argentina — fez uma ameaça contra o ministro da Economia, Luis Caputo. “Se continuar com estas medidas, os trabalhadores vão carregar o ministro nos ombros para jogá-lo no Riachuelo”, disse, ao mencionar o rio que demarca a fronteira sul de Buenos Aires.

Teste no Congresso

Para Miguel De Luca, professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires, o governo Milei enfrenta seu maior teste não nas ruas, mas no Congresso. Ele lembrou  que o pacote de medidas econômicas da Casa Rosada não conseguiu maioria sólida, na Câmara dos Deputados, que garanta sua aprovação. “Aqui, o governo joga todas as suas fichas em um cenário econômico e social muito complicado,” advertiu, por meio do WhatsApp.

Líder do Polo Obrero e responsável pela organização de piquetes em Buenos Aires, Eduardo Belliboni afirmou que a adesão à paralisação foi massiva, principalmente por parte de trabalhadores sindicalizados. “Houve muitas organizações sociais que participaram do ato. A Plaza Congreso ficou lotada, com cerca de 800 mil pessoas, que se reuniram até a Avenida 9 de Julio. Foi uma grande mobilização, um respaldo popular à continuação do nosso plano de luta, até derrotarmos a política de Milei, o DNU e a ‘Lei Ônibus'”, disse.

Belliboni assegurou que o protocolo de Bullrich “fracassou por completo”. “Nós interrompemos o trânsito nas ruas e em avenidas, não porque tínhamos vontade de fazê-lo, mas porque a multidão ultrapassou todos os prognósticos. O protocolo inexistiu”, comentou. Ele relatou que os manifestantes “não receberam nenhuma provocação” da polícia. “A mensagem foi contundente: não aceitaremos essa política de Milei, nem o DNU, nem as restrições das liberdades e a redução dos salários.”

Rodolfo Aguiar — secretário-geral da  Asociación Trabajadores del Estado (ATE) — classificou a manifestação como “multitudinária” e “contundente” em toda a Argentina. Ele garantiu ao Correio que a adesão do funcionalismo público chegou a 95%. “Em todo o país, serviços ficaram restritos. Não temos dúvidas de que as ruas começaram um plebiscito sobre o programa econômico de Milei. Mobilizado, o povo começou a rechaçar o ajuste potente e repressivo que o governo pretende impulsionar”, comemorou, por telefone. “Apesar das tentativas de intimidação e de criminalização dos protestos sociais, o povo saiu às ruas para defender a Pátria.”

Aguiar ponderou que todos os pontos da “Lei Ônibus” prejudicam a classe operária. Segundo ele, as medidas tentam pôr fim aos direitos individuais e coletivos dos trabalhadores. “Precarizam o salário e o emprego. Nem sequer permitem realizarmos assembleias. Também proíbem a sindicalização e vetam a participação de funcionários públicos em atos políticos. Violentam todas as garantias constitucionais, além dos direitos trabalhistas, sociais, políticos e civis. Se essa legislação for aprovada, a democracia cairá morta”, advertiu o dirigente da ATE.

Depois de participar dos protestos e de aderir totalmente à greve, Matías Fachal — secretário-geral da Federación Judicial Argentina (FJA) — avaliou de forma “extremamente positiva” a mobilização na maioria das províncias do país. “Nossa entidade adere à Central de Trabajadores de la Agentina Autónoma. Somos um dos principais objetivos atacados por Milei, tanto no DNU, quanto na ‘Lei Ônibus’. Esperamos que a massiva manifestação seja levada em conta pelos deputados e deputadas, no momento de apreciarem e votarem o projeto de lei”, disse à reportagem. Fachal acusou o governo de pretender submeter à venda e à privatização mais de 40 empresas do Estado, de anular a lei de aluguéis e de “rifar” o Fundo de Garantia de Sustentabilidade, o qual permite aos trabalhadores garantirem a aposentadoria.

Secretário-geral do Sindicato Único dos Trabalhadores nas Indústrias de Artefatos de Borracha da Argentina (Sutna), Alejandro Crespo acredita que a mobilização de ontem mostra que os trabalhadores tomaram consciência da gravidade da situação econômica do país, ante a desvalorização de 130% no peso; a inflação de 25,5% em um mês; e o atraso nos salários. “Todos esses componentes visam arrasar com as conquistas obtidas por nossos pais e nossos avós. Essa geração tem a obrigação de defender toda a luta pelos direitos conquistados, a fim de deixarmos nossos filhos em situação melhor. O plano macabro de Milei busca quebrar a moral da classe trabalhadora, não apenas com a imposição de um forte ajuste, mas culpando os trabalhadores pela situação econômica e atacando os seus direitos”, comentou, por telefone.

AS VOZES DOS LÍDERES DO MOVIMENTO

Eduardo Belliboni, líder do Polo Obrero e responsável pela organização de piquetes em Buenos Aires
Eduardo Belliboni, líder do Polo Obrero e responsável pela organização de piquetes em Buenos Aires(foto: Arquivo pessoal )

 

“Se a lei for votada nos próximos dias e aprovada pelo Congresso, nós iremos cercar o prédio da sede do Legislativo com uma mobilização. Estamos solicitando à Confederacion General de Trabajo (CGT) que convoque uma nova paralisação para o dia da sessão no Congresso. Precisamos aprofundar a greve geral coma adoção de novas medidas — com previsões de paralisação para 24 horas, 48 horas, e, se necessário, por tempo indeterminado.”

Eduardo Belliboni, líder do movimento Polo Obrero e responsável pela organização de piquetes. Na foto, com punho cerrado

Rodolfo Aguiar, secretário-geral da Asociación Trabajadores del Estado (ATE)
Rodolfo Aguiar, secretário-geral da Asociación Trabajadores del Estado (ATE)(foto: Arquivo pessoal )

 

“A chamada ‘Lei Ônibus’ e o megadecreto de necessidade e urgência (DNU) atacam, diretamente, o emprego público e o Estado. Há uma matriz ideológica de destruição do Estado no governo de Milei. Querem debilitar e reduzir, à mínima expressão, o Estado. Sabem que, quando o Estado não existe, quem governa são as corporações. A greve geral foi exemplar. Foi uma paralisação para resistirmos, para nos defendermos dos ataques aos nossos direitos adquiridos.”

Rodolfo Aguiar (C), secretário-geral da Asociación Trabajadores del Estado (ATE)

Matías Fachal, secretário-geral da Federación Judicial Argentina (FJA)
Matías Fachal, secretário-geral da Federación Judicial Argentina (FJA)(foto: Arquivo pessoal )

“O governo de Javier Milei tem feito não apenas o contrário do que deveria fazer para a população, como piora substanciamente as condições de vida, salariais e trabalhistas dos argentinos. Também viola os direitos humanos, com perseguições e protocolos antiprotestos. Acredito que os protestos desta quarta-feira precisam atrair a atenção daqueles que governam, dos deputados e senadores, para frearem esse projeto de lei e esse decreto.”

Matías Fachal (D), secretário-geral da Federación Judicial Argentina (FJA)

Alejandro Crespo, secretário-geral do sindicato Único dos Pneumáticos Argentinos
Alejandro Crespo, secretário-geral do sindicato Único dos Pneumáticos Argentinos(foto: Arquivo pessoal )

 

“A tentativa de Javier Milei de produzir um choque de ataque sobre tudo o que os trabalhadores desejam piorou as nossas condições de vida. A greve desta quarta-feira, somente 45 dias depois de ele ter assumido o governo, nada tem de antecipado. O movimento tem a ver com a continuidade de um plano de luta. As ações dos trabalhadores se aprofundarão até que ponhamos fim a este plano macabro de Milei.”

Alejandro Crespo, secretário-geral do Sindicato Único dosTrabalhadores nas Indústrias de Artefatos de Borracha da Argentina

PALAVRA DE ESPECIALISTA

Um desafio ao governo

“A greve convocada pela Confederación General del Trabajo de la República Argentina (CGT) conseguiu níveis moderados de adesão em todo o país, um efeito previsível, haja vista estarmos em época de férias de verão. Além disso, o governo de Javier Milei ainda está em sua ‘lua de mel’, e os principais líderes sindicalistas de hoje não são carismáticos, nem gozam de uma popularidade relevante — ao contrário, muitos são questuonados ou avaliados de forma negativa.

Por outro lado, as concentrações realizadas nas principais cidades foram muito massivas, sendo a mais importante a da cidade de Buenos Aires em frente ao Congresso Nacional. Isso mostra que o poder de mobilização da CGT segue intacto e está muito bem azeitado. A CGT completou, assim, sua primeira prova contra o governo de Milei e o desafiou ao controle da rua.”

Miguel de Luca, professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires (UBA)

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