Líderes partidários se preparam para impor derrotas ao governo em propostas que são promessas de campanha de Bolsonaro, como o decreto das armas e projeto do trânsito
O clima de “Guerra fria” entre o Congresso e o governo vai se intensificar ao longo dos próximos dias. Lideranças partidárias na Câmara e no Senado se preparam para impor derrotas ao governo em propostas que são promessas de campanha do presidente Jair Bolsonaro. A exemplo do decreto que flexibiliza o porte de armas, que deve ser votado e derrubado na quarta-feira na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, o projeto de lei que amplia a validade da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), apresentado na última semana, está na mira de congressistas.
As articulações são feitas por lideranças ligadas ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), com vista grossa feita pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que não se mobilizará para conter ou agilizar o processo de apreciação do decreto das armas na CCJ. Os movimentos são feitos para colocar em xeque as propostas de Bolsonaro e taxá-las como extremistas, de modo a mostrar que o Legislativo é mais equilibrado que o Executivo. Na quinta-feira, o líder do PSL no Senado, Major Olímpio, deu o tom do que ocorre no Parlamento. “Apenas para sentir o clima na CCJ, propus audiência pública para discutir o assunto com especialistas e perdemos por 16 a 4. Isso é um espelho do que poderá acontecer nos plenários. Se a população não se mobilizar, o decreto de armas será derrubado pelo Congresso.”
Os diálogos se intensificarão justamente na semana em que Bolsonaro planeja assinar um “pacto de entendimento” entre os Três Poderes. Além do presidente da República e dos presidentes da Câmara e do Senado, deve endossar o documento o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli. Maia não vai se negar a subscrever o pacto. Afinal, seria a declaração de uma guerra formal. Mas, nos bastidores, estará alinhado com lideranças partidárias na imposição de derrotas estratégicas ao governo em pautas não condizentes com a agenda econômica.
A guerra não será autodeclarada entre Maia e Bolsonaro, mas por parlamentares ligados a eles. Na Câmara, a oposição, composta por PT, PDT, PSB, PSol, PCdoB e Rede, estará ao lado do demista. Menos por apoio incondicional, mais por conveniência de votar contra o governo. Aliam-se a esse grupo DEM, PSDB, PSD, MDB e Solidariedade. Na contagem fria dos números, esse batalhão seria composto por uma base potencial de 275 deputados. Já o o baixo e o médio clero dessas legendas da centro-direita — onde se incluem deputados de primeiro mandato — vão se posicionar ao lado de Bolsonaro.
O grupo ligado ao presidente da República não é grande em relação aos mais fiéis a Maia. A base consistente ligada a ele é composta por PSL e tem tido o apoio do Novo. Somados, chegam a 62 deputados. O grande apoio, no entanto, virá de quem os pesselistas menos esperavam, do chamado Centrão, composto por PP, PL e PRB. A alta cúpula desses partidos vai querer ficar distante da disputa, mas não se esforçará para evitar que as alas menos expressivas estejam com Bolsonaro em votações nominais. Assim como a oposição vai apoiar Maia por conveniência, esses três partidos se organizarão para fazer o mesmo pelo governo.
Durante o início do mandato, Bolsonaro foi rude, constrangeu e humilhou a classe política, criticam deputados ligados ao Centrão e a outros partidos. No entanto, PP, PL e PRB estão observando a construção de um projeto nacional de poder para 2022 envolvendo DEM, PSDB, MDB e PSD em torno do governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Deslocados desse processo, lideranças do Centrão vão se aproximar da aprovação de 35% que Bolsonaro tem junto à sociedade para disputar governos estaduais e vagas no Senado.
Desafios
O presidente da República declara constantemente não ter vontade de disputar a reeleição, mas, certamente, o eventual capital político construído por ele ao longo dos anos poderá ser interessante para alçar a candidatura de seu sucessor ou dele mesmo, caso mude de ideia e cogite disputar as eleições de 2022. Nesse caso, ter a estrutura partidária e orgânica de PP, PL e PRB no Sul, no Sudeste e no Nordeste é algo a ser avaliado pela articulação governista.
As dificuldades em apoiar o governo residem no PSL. Lideranças do Centrão dizem que a continuidade de ataques por apoiadores nas redes sociais e correligionários de Bolsonaro podem fazê-los mudar de ideia e ficarem neutros na disputa. Pesselistas prometem, no entanto, recuar e estender a mão. Assim, devem construir uma aliança que contará, ainda, com PTB. Juntam-se a eles Podemos, PSC, Cidadania e Patriota, uma articulação construída pelo líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO). Todas essas legendas, juntas, contam com 213 deputados. Nem todos, contudo, devem estar com o presidente. Mas, somados a eles o baixo e o médio cleros de partidos ligados a Maia, terão sustentação para rivalizar.
Tiroteio
Os demais partidos — Pros, Avante, PHS, PMN e PV — vão se fingir de mortos para sobreviver ao tiroteio. A estratégia do grupo ligado a Maia será feita usando o regimento interno da Casa para aprovar pautas importantes por votos de lideranças. A ala vinculada a Bolsonaro vai se mobilizar para derrubar essa articulação e propor votações nominais. “Maia é, regimentalmente, muito poderoso. Mas o colégio de líderes não tem mais, nesta legislatura, a mesma força de antes. Hoje em dia, cada deputado é líder de si próprio e não vamos aceitar imposições goela abaixo dos líderes. Vamos brigar por votações nominais”, afirma um deputado do Centrão.
O deputado Celso Sabino (PSDB-PA), vice-líder do partido na Câmara, não vê uma articulação para o enfraquecimento a Bolsonaro. Para ele, o que fragiliza o presidente é a articulação governista. “A base do presidente não se entende e isso ficou claro na reunião do Congresso comandada pelo presidente Davi. Teve muita discussão dentro do próprio PSL sobre a votação dos vetos. Quem está segurando o rojão e evitando o pior para o país é o Maia”, pondera.
Racha no DEM dá alívio ao Planalto
Parte da ala ligada a Caiado cogita, até mesmo, apoiar o decreto das armas. O assunto foi alvo de debates internos no partido. Maia, contrário à flexibilização do porte de armas, discutiu com o deputado Alexandre Leite (DEM-SP). Desde que o governador de Goiás se posicionou favoravelmente ao governo na convenção nacional do DEM, em 30 de maio, alguns têm saído em defesa não de Bolsonaro, mas de propostas apresentadas por ele que cumprem as promessas de campanha.
O argumento desses parlamentares é que movimentos contrários à agenda governista são feitos para enfraquecer o presidente. Na quinta-feira, em vídeo publicado nas redes sociais, o deputado Luís Miranda (DEM-DF) denunciou que “existe um grupo aqui dentro tentando fazer de tudo para que o presidente dê errado”. “Independentemente se o que ele está fazendo vai melhorar sua vida, não quero saber se gosta ou não de Jair Messias Bolsonaro. O que eu tenho que entender é se você compreende que, quando um presidente dá errado, o país dá errado”, diz. (RC)
O presidente e a lista
O presidente Jair Bolsonaro afirmou que vai aguardar a definição da lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) para escolher quem vai chefiar o Ministério Público Federal (MPF). Para ele, todos os nomes que se colocaram na disputa são “bons”, inclusive o da procuradora-geral da República, Raquel Dodge. O presidente já indicou que não deve seguir necessariamente à risca os nomes sugeridos pela associação (leia mais na página 6). Pelo Twitter, ele também defendeu a aprovação do projeto de lei (PLN) 4, que autoriza crédito suplementar de R$ 248,9 bilhões. Bolsonaro argumentou que, se o PL não for aprovado, o governo terá de suspender o pagamento de benefícios a idosos e pessoas com deficiência já no próximo dia 25. “Nos meses seguintes faltarão recursos para aposentadorias, Bolsa Família, Pronaf, Plano Safra…”, escreveu.