Gestão do Patrimônio Cultural no DF: existe, mas não tem!

Convidada: Leiliane Rebouças é bacharel em Relações Internacionais e moradora da Vila Planalto. Uma voz sempre atuante em defesa da cidade e da preservação do patrimônio.

Ao longo dos anos, a área de gestão do patrimônio cultural no Distrito Federal passou por um desmonte, desde o esvaziamento e extinção do Departamento de Patrimônio Histórico e Artístico -DEPHA-DF nos anos 90. Esse sucateamento tem um impacto extremamente negativo na preservação e conservação dos bens culturais da nossa cidade.

Desde a extinção do DEPHA, criado no governo de José Aparecido, esse órgão responsável pela gestão do patrimônio ja mudou de nome, mudou de chefia, mudou de sede… Atualmente ele funciona numa grande sala no anexo do Teatro Nacional onde tem uma divisória para um diretor e um lugar para arquivo ainda não completamente digitalizado, e fica bem distante de onde está instalado o Secretário de Cultura (na Biblioteca Nacional) do outro lado da Esplanada.

O primo pobre da Cultura não tem técnicos suficientes; geralmente é chefiado por pessoas sem expertise na área, mas que tem apadrinhamento político de distritais. O órgão não conta com poder de polícia na fiscalização dos bens e nem tem pessoal para isso. Também não tem recursos e pessoal sequer para produzir um projeto básico executivo, e nem mesmo para tombar nada, ao que parece.

Como exemplo temos o caso de um dos principais bens vernaculares da História do DF, a Fazenda Velha, em um processo de tombamento não concluído e que se arrasta há mais de 5 anos desde o pedido inicial. O GDF sequer fez uma oferta de compra dessa Fazenda, que há muito tempo já deveria pertencer ao patrimônio público do DF devido a sua importância na História de Brasília, por ter abrigado a Missão Cruls.

Outro caso emblemático é o da reforma do Teatro Nacional Cláudio Santoro, obra de Oscar Niemeyer com painéis icônicos de Athos Bulcão, localizada no coração da cidade. Reforma essa que nunca saiu do papel, e que o Secretário de Cultura teve que implorar para conseguir ao menos uma arquiteta para acompanhar os desdobramentos, já que na Subsecretaria de Patrimônio Cultural (Supac) existe apenas um arquiteto, que é responsável pelas centenas de bens do DF , dentro e fora do Plano Piloto.

A Missão da UNESCO, em sua última visita à Brasília em 2012 destacou como problemática a gestão do nosso patrimônio, especialmente pela ausência de um órgão eficiente e à altura de um patrimônio mundial e destacou também que era necessário criar um plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília em conjunto com a sociedade civil organizada.

Depois dessa visita, ensaiou-se até a criação de um Instituto do Patrimônio em formato de autarquia, mas ficou apenas na ideia, virou mais promessa não cumprida.

Em Novembro de 2018 foi criado o Condepac – Conselho do Patrimônio Cultural do DF. Os 22 conselheiros tomaram posse com toda a pompa e circunstância. Mudado o governo, o conselho empossado não funciona, porque o atual governador ainda não indicou os 10 representantes do Poder Público, para dar início ao mandato do Conselho que termina em 2021. Se no Plano Piloto de Lucio Costa temos uma situação complicada devido a falta de recursos para a conservação e manutenção do patrimônio tombado , imagina longe dali…

A História oficial de Brasília privilegia a narrativa de que a capital federal surgiu “do nada”, como se neste território nunca tivesse ocorrido uma ocupação humana anterior à construção da nova capital da República. Em parte devido a ideologia desenvolvimentista, e em parte pela ideologia mudancista.

Segundo o Professor Kelerson Semerene Costa, autor do livro Meiaponte: história e meio-ambiente em Goiás: o peso da ideologia do progresso a orientar a ocupação do território brasileiro foi de tal ordem que não apenas considerou desertas as terras que depois se revelaram habitadas por povos indígenas, como também relegou ao esquecimento as formações societárias que, embora resultantes do movimento colonizador, entre os séculos XVI e XVIII, haviam perdido o vínculo maior com os centros dinâmicos do país, constituindo, assim, regiões consideradas atrasadas em relação àquelas que recebiam os avanços do progresso.

Portanto, a memória antiga desse território, seja pela ocupação dos indígenas, dos negros dos quilombos, seja pela passagem dos bandeirantes a ocupação das vilas e fazendas antigas de Goiás que hoje fazem parte do DF é desconsiderada e os bens que são registros dessa memória não recebem a atenção que merecem.

Em Planaltina, cidade que acaba de completar 161 anos, e que possui casarões centenários, a Casa do Artesão está em estado de arruinamento e a comunidade há oito anos tem solicitado sem sucesso a sua restauração. Nem mesmo a cobertura provisória do telhado que caiu foi providenciada pelos órgãos competentes.

O patrimônio histórico do DF edificado em madeira, os antigos acampamentos de operários remanescentes da construção de Brasília também sofrem com o descaso e abandono, mesmo aqueles que já passaram por intervenções.

                           (Igreja São José do Operário na Candangolândia)

Na Candangolândia, por exemplo, a obra de reconstrução da igreja São José Operário que custou 324,3 mil reais, não previu a instalação de bebedouros e nem de banheiros, obrigando a comunidade a utilizar outra igreja que não a histórica para a celebração de missas.

Mais dramática é a história do Paranoá cujos moradores antigos foram removidos das proximidades da barragem e viram suas memórias e história virar ruínas, as relações de vizinhança serem desfeitas, restando apenas algumas edificações remanescentes do Paranoá de baixo como a igrejinha São Sebastião, a antiga escola, e a famosa Churrascaria JK, que está em péssimo estado de conservação e nem sequer é tombada. Os moradores pioneiros pretendem criar um museu que conte essa história invisibilizada.

Outro caso emblemático é o da Vila Planalto, cuja área do antigo cinema está provisoriamente ocupada há trinta anos por uma loja de materiais de construção; e da antiga escola de madeira construída em 1957 e do alojamento de solteiros do Acampamento Rabelo não ficaram nem ruínas pra contar a história!

(Escola Classe 01 da Vila Planalto, construída em 1958. Foto: Arquivo Público DF)

Atualmente as únicas casas históricas remanescentes da construção de Brasília localizadas no conjunto Fazendinha estão em estado avançado de arruinamento e à espera de que o GDF faça o projeto básico executivo para que orçada a obra, a comunidade possa correr atrás de recursos de emendas parlamentares para a sua restauração.

Embora o caso tenha sido levado para o ministério público em 2013, até hoje o estado vem enrolando a Promotoria de Justiça de Defesa da Ordem Urbanística com burocracia e nenhuma ação concreta. Uma das casas que está com um buraco no telhado corre risco iminente de destruição com a chegada das próximas chuvas, caso a Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação, que é a responsável pela carga patrimonial do lugar, não providencie imediatamente a cobertura provisória para evitar o dano que é iminente!

E assim, concluímos que em Brasília existe gestão do patrimônio cultural só que não tem. pois, a Supac não funciona, o Condepac só existe no papel, o orçamento para a preservação e conservação dos bens é fictício, e o governo finge que se importa mas, deixa o patrimônio tombar em ruínas. E ainda há quem tenha a ideia “brilhante” de querer colocar turista para visitar o que não foi preservado e caiu.

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