Nada está ruim que não possa piorar! A nova Lei que “converte Amazônia em Cerrado” pode desmatar milhões e milhões de hectares

Projeto de Lei Complementar pode mudar forma de categorizar biomas nas propriedades rurais; Reserva Legal nas propriedades pode cair de 80% para 35%

 

Um Projeto de Lei Complementar (PLC) aprovado pela Assembleia Legislativa do Mato Grosso (ALMT) pode alterar o percentual de preservação ambiental por produtores rurais no estado. O PLC 18/2024 propõe uma mudança na maneira de categorizar os biomas, o que pode fazer com que territórios classificados como Floresta Amazônia — que devem preservar 80% de Reserva Legal — em Cerrado, cuja reserva é de 35%.

Para Paulo Moutinho, pesquisador sênior do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), o desmatamento de qualquer área de vegetação densa como as citadas no PLC representa um retrocesso para a legislação ambiental. “Representa um agravo da mudança climática global, além de ser um problema local”, destaca.

O especialista lembra que as mudanças de uso da terra (que engloba desmatamento e outros processos de degradação) é o principal emissor de gases do efeito estufa no país, e o Mato Grosso está entre as unidades federativas mais afetadas. O maior desmatamento, explica, acarreta no sumiço de rios, maior incidência de queimadas e aumento na temperatura.

“A Amazônia e o Cerrado estão perdendo água superficial”, ressalta. “A mudança no Código Florestal representa uma fragilidade para a preservação e uma cegueira para o que está acontecendo à sua volta”.

Moutinho afirma que a ampliação da área para o agronegócio, além de prejudicial, é desnecessária. “No final do dia, a medida dá um tiro na própria produtividade”. Segundo o pesquisador, no estado do Mato Grosso, há hectares de terras desmatados e abandonados, além de terras mal utilizadas que poderiam ser utilizadas para a agricultura, medida que mais eficaz e não aumentar o volume de áreas desmatadas.

O pesquisador cita ainda que o estado tem potencial para se transformar em referência na produção sustentável, mas que a medida representa uma quebra na construção dessa reputação. Como exemplo, Moutinho cita o Projeto CONSERV, desenvolvido pelo Ipam, que remunera produtores rurais que preservam regiões nativas além da Reserva Legal.

Detalhes da mudanças e nova classificação

A nova classificação, aprovada em plenário na última quarta-feira (8/1) deve ser norteada de acordo com a altura média da vegetação. Segundo o texto, são classificados como Floresta os territórios com espécies com média de altura superior a 20 metros, enquanto áreas com árvores menores que 20m categorizam a região com Cerrado.

Publicação do Observatório Socioambiental de Mato Grosso (Observa-MT) alega que a mudança na legislação pode levar ao desmatamento de 5,5 milhões de hectares de florestas no território. A organização emitiu nota de repúdio em que pede o veto da proposta pelo governador Mauro Mendes (União Brasil). “O Projeto de Lei 18/2024 representa um retrocesso significativo na luta contra o desmatamento e uma desconstrução de instrumentos nacionais, a Reserva Legal e o Código Florestal, para reduzir as mudanças climáticas”, escreve.

A tramitação do PLC também foi um fator de crítica. O projeto de autoria do governador em exercício Otaviano Pivetta (Republicanos) fazia somente uma alteração na base de dados para classificação da vegetação, que passa a utilizar o Mapa de Vegetação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em substituição ao da RADAMBRASIL. Segundo o texto, a mudança buscava tornar os critérios de categorização mais objetivos “evitando interpretações ambíguas ou imprecisas”.

Entretanto, uma série de substitutivos integrais alteraram o teor original da proposta até o último substitutivo, de autoria do deputado Nininho (PSD), chegar ao plenário da casa.  Além da mudança na proposta, o PLC desconsidera as orientações do IBGE para a classificação de biomas, que considera as formas de vida dominantes, restringindo o processo à análise da altura média das árvores.

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