Entenda como Coordenadoria da Mulher do Tribunal de Justiça de Sergipe (CM/TJSE) reduziu o número feminicídios do estado com projetos voltados para o amparo e prevenção
Nos últimos anos, Sergipe tem registrado queda no número de feminicídios. Segundo dados da Coordenadoria da Mulher do Tribunal de Justiça de Sergipe (CM/TJSE), foram registrados 20 casos em 2021, 19 no ano seguinte, 16 em 2023 e, até o dia 7 deste mês, 10 casos. Essa redução significativa reflete os esforços de diversos projetos implementados pela instituição, especialmente no biênio 2023/2025. Criada em 2011, a Coordenadoria intensificou suas ações a partir do ano passado, sob a gestão da juíza Jumara Porto Pinheiro. Desde então, as iniciativas passaram a se estruturar em três eixos principais: atendimento e acolhimento às mulheres vítimas de violência, prevenção com foco na reeducação e formação de homens, e ações voltadas à inclusão de crianças e adolescentes como agentes de transformação social.
“A Coordenadoria já realizava serviços relevantes no que diz respeito à celeridade processual e à educação preventiva, mas percebemos a necessidade de cuidar ainda mais dessas vítimas”, afirma a magistrada.
No aspecto do cuidado com a mulher, o primeiro passo foi a implementação dos Centros de Referência de Atendimento à Mulher (CRAMs) em diversos municípios do estado. “Antes existiam apenas os CRAS (Centros de Referência de Assistência Social) e o CREAS (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), equipamentos frequentados por todos. Isso dificultava as denúncias, pois nesses locais havia o risco de a mulher encontrar vizinhos ou até mesmo o próprio agressor, o que a deixava ainda mais insegura. Por isso, nosso primeiro passo foi implementar os CRAMs, conforme previsto na Lei Maria da Penha”, explica Jumara.
Além disso, passaram a ser fomentados cursos profissionalizantes para qualificar e dar independência às mulheres. “Percebemos que não bastava apenas atender as mulheres. Era necessário acolhê-las e ajudá-las a sair do ciclo de violência, o que muitas vezes envolvia dependências financeiras e psicológicas”, complementa. Assim, cursos de capacitação alinhados à economia local passaram a ser oferecidos em todas as cidades por meio de convênios firmados com o Senac.
A Coordenadoria da Mulher também mantém parcerias com instituições governamentais e não governamentais, possibilitando a oferta de serviços especializados para mulheres em situação de violência. Entre as iniciativas, destacam-se a implementação das Patrulhas Maria da Penha nos municípios e a cooperação com faculdades para oferecer atendimento psicológico. Outras ações, como os projetos Gestabel e Elas, focam no atendimento médico psiquiátrico, enquanto o Projeto Reconstruir-se realiza cirurgias reparadoras para vítimas que sofreram sequelas de violência, sem qualquer custo para elas.
Além do cuidado com as mulheres, a Coordenadoria implementou o projeto Repensando Masculinidades, com o objetivo de habilitar profissionais para conduzir grupos reflexivos com homens autores de violência. A iniciativa também busca estabelecer parcerias com gestores municipais, juízes e instituições de ensino superior para viabilizar a criação desses grupos em diversas cidades. Atualmente, Sergipe conta com 14 grupos reflexivos em funcionamento.
De acordo com Jumara, a educação masculina é essencial no enfrentamento à violência doméstica, pois aborda as causas estruturais do problema e promove mudanças nas percepções culturais que sustentam a violência de gênero. “Os grupos reflexivos para homens são ferramentas poderosas de proteção. Estatísticas mostram que menos de 2% dos participantes voltam a cometer agressões contra mulheres”, destaca a juíza.
No eixo de prevenção por meio da conscientização de crianças e adolescentes, destaca-se o programa “Matemática do Amor”, que mobiliza a comunidade escolar com palestras sobre relacionamentos abusivos e violência doméstica. O objetivo é alertar os jovens sobre as diversas formas de violência, promovendo uma educação transformadora. Jumara enfatiza que conscientizar crianças e adolescentes sobre a violência contra a mulher é crucial para a mudança cultural necessária à redução dos índices de violência doméstica.
Um exemplo marcante desse trabalho surgiu em uma escola pública localizada em um bairro com altos índices de violência. Com o apoio do órgão, estudantes desenvolveram a cartilha “Um Grito de Alerta”, que aborda a violência doméstica em uma linguagem acessível e direta, voltada para o público jovem. O material foi criado por meninos e meninas que convivem com essa realidade em seus próprios lares, dando voz às experiências vividas por eles.
“Esse projeto é o meu queridinho, e faço questão de ir pessoalmente a todas as escolas. Trabalhar com violência exige ir até os municípios, viver o dia a dia e compreender a realidade das pessoas”, relata a juíza. “Tem sido uma troca extremamente enriquecedora, especialmente no interior, onde muitas crianças enfrentam a violência diariamente e convivem com pais agressores.”
Jumara acredita que, com mobilização e dedicação, é possível transformar essa realidade. “Quando colocamos o coração nesse movimento contra a violência, conseguimos mudar as coisas. E os resultados já estão aparecendo: houve um aumento significativo no número de medidas protetivas. Até o final de novembro, mais de seis mil pedidos foram registrados no estado, comparados aos quatro mil do ano anterior. Isso mostra que as mulheres estão confiando no Judiciário, o que é essencial para garantir proteção. Pesquisas indicam que mulheres sem qualquer medida protetiva estão em maior risco, então fortalecer esse suporte é vital”, conclui.