Especialistas alertam para a importância de a mulher não normalizar atitudes violentas nem ter medo de denunciar
Em dois dias, dois casos de feminicídio chocaram o Brasil, pela brutalidade. Primeiro, no domingo, Kathelen Souza de Lima, de 20 anos, morreu após ser espancada e torturada pelo namorado em Vigário Geral, Zona Norte do Rio. Ela buscou socorro, foi hospitalizada, mas não resistiu. Kathelen, que havia iniciado um relacionamento de apenas três meses com Ronald Félix da Silva, já sabia do histórico agressivo dele com outras mulheres, segundo familiares.
Segunda-feira, dia em que Kathelen foi enterrada, outra mulher foi encontrada morta, também na capital carioca. Milena Vitória Garcia de Barros, de 22 anos, mãe de duas crianças, foi assassinada pelo ex-companheiro e encontrada dentro de uma geladeira em sua casa, em Senador Camará, Zona Oeste. O homem, inconformado com o fim do relacionamento, entrou na casa da vítima com o pretexto de conversar e, depois de algum tempo, foi visto saindo com os filhos do casal. Preocupados com o silêncio de Milena, vizinhos acionaram a família. Quando o padrasto de Milena chegou à residência, viu a geladeira desligada e jogada no chão, o corpo da enteada estava guardado dentro do eletrodoméstico. O homem foi preso e responderá por feminicídio e ocultação de cadáver.
Problema nacional
Esse drama não se restringe ao Rio. De acordo com o Monitor de Feminicídios no Brasil, até meados de 2024, foram registrados 750 feminicídios consumados e 1.693 casos, incluindo tentativas, com uma média de aproximadamente quatro mortes por dia. Os dados sinalizam que as atuais políticas públicas não estão sendo suficientes para conter o crescimento dos homicídios de mulheres. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho, o feminicídio subiu 0,8% em 2023, na comparação com o ano anterior. A tentativa de feminicídio aumentou 7,1%. A Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que a maioria dos feminicídios ocorre em contextos de violência doméstica.
O entendimento dos sinais de alerta e o suporte psicológico são fundamentais para que mulheres reconheçam e interrompam esse ciclo antes que seja tarde demais. A psicóloga Juliana Gebrim destaca que o feminicídio, frequentemente, ocorre após sinais de relacionamentos abusivos. Essas relações, por sua complexidade, podem passar despercebidas. Gebrim explicou que o apoio psicológico da família e dos amigos desempenha um papel crucial na identificação e prevenção desses casos.
“Muitas vezes, as relações abusivas passam despercebidas devido a fatores como dependência emocional, manipulação psicológica ou até mesmo crenças internalizadas sobre o que é um relacionamento normal”, comenta a psicóloga, exemplificando com uma paciente sua, que vivia um relacionamento abusivo de um marido ciumento, mas minimizava, acreditando que as agressões se justificavam pelo amor que julgava haver por parte do marido. “Violência nunca pode ser justificada”, ressaltou a especialista.
Camila Galetti, doutora em sociologia pela Universidade de Brasília (UnB), também mencionou a importância de uma rede de apoio para evitar o feminicídio. “A família deve levar a sério essas denúncias antes que atinjam casos extremos. Percebe-se que, na maioria dos casos de feminicídio, a mulher já havia solicitado uma medida protetiva e o agressor dava sinais de que a violência escalaria. Portanto, é fundamental acolher as denúncias com seriedade, buscar medidas protetivas e procurar o apoio do Estado, por meio de políticas públicas que ofereçam suporte”, recomendou Galetti.
A especialista defendeu ainda a criação de políticas públicas adaptadas à sociedade atual. “Considerando que os agressores são, na maioria, homens, esses homens precisam receber uma educação que os faça entender que suas ações terão consequências e que as mulheres devem ser respeitadas”, concluiu a socióloga.