Veja quando é recomendável entrar na Justiça contra o plano de saúde

Judiciário tem decidido a favor do cliente em casos específicos, mas advogado afirma que mover ação é a “última alternativa”

 

 

Por conta do reajuste retroativo dos planos de saúde, que passou a ser cobrado neste ano de forma parcelada após as mensalidades serem congeladas por quatro meses por determinação da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), mais a correção tradicional, muitos clientes, especialmente os de planos coletivos, se assustaram com o valor do boleto de janeiro de 2021.

A suspensão do reajuste dos planos coletivos se deu em função das consequências econômicas ocasionadas pela pandemia de covid-19 (novo coronavírus). A cobrança dos valores represados começou a chegar nas faturas neste mês de janeiro, parcelada em 12 vezes, conforme determinado pela ANS.

Conforme o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), “a medida não traz nenhum dispositivo para coibir abusos, tampouco evidências de que a recomposição é necessária para a sustentabilidade do mercado de planos de saúde”.

De acordo com dados da própria ANS repassados ao Idec, os planos de saúde triplicaram seu lucro entre o primeiro e o segundo semestre do ano passado, que passou de R$ 3 bilhões para R$ 10 bilhões. “Ao mesmo tempo, as famílias vêem a renda e o emprego encolhendo em meio à crise econômica e sanitária, que deve perdurar em 2021”, critica o Idec.

Por conta disso, para muitos segurados, entrar na Justiça parece ser a única alternativa, mas não é.

Planos individuais

Advogado especialista em direito do consumidor, Alexandre Berthe Pinto explica que, no caso de planos individuais — cada vez mais raros —, o cliente pode buscar conversar com a seguradora de saúde contratada e negociar.

“Se a pessoa tem plano individual, o reajuste segue o imposto pela ANS, que no ano passado foi de 8,14%. Caso ela não tenha condição de pagar, obrigatoriamente precisa conversar com o plano de saúde dela”, comenta o advogado.

Para ele, reduzir o valor e aceitar pagar menos é muito muito raro, “talvez até impossível”. “O que algumas operadoras fazem é possibilitar o downgrade. Então se você tinha um planto top, ele desce de categoria, mas continua sendo um seguro válido”, diz.

Familiar

Quem tem plano familiar também está sofrendo com o reajuste. “É um absurdo isso aí! Porque você está mexendo com o pobre, o governo não dá saúde decente, a gente contrata o plano de saúde para ter sossego, mas muitas vezes não consegue pagar”, desabafa o trabalhador autônomo Célio Afonso da Rocha, de 62 anos.

Cliente de um seguro de saúde familiar, teve um reajuste de quase 7% no boleto de janeiro. Ele avalia como “injusto” esse aumento, especialmenter porque não acompanha o aumento da aposentadoria e a crise sanitária não dá sinais de arrefecimento.

“Um aposentado não tem condições de pagar um plano de saúde. No momento que é mais necessário o valor aumenta, fazendo com que muitas pessoas precisem cancelar nesse momento delicado”, diz.

Ele não vai ficar sem plano de saúde, mas vai procurar outra seguradora. “Por enquanto, vou me manter nesse convênio porque preciso e tenho usado bastante, mas num momento melhor vou procurar algo que seja mais em conta para mim e minha família”, afirma o trabalhador autônomo.

O drama de quem tem plano coletivo

A cobrança retroativa se aplica apenas na modalidade coletiva dos planos de saúde.

“O grande problema nessa correção de janeiro é que, em razão da pandemia, acumulou-se a diferença desse reajuste do ano passado que agora está sendo dividido em 12 meses. Então o parcelamento anterior está sendo embutido no reajuste anual”, afirma o advogado Alexandre Berthe Pinto.

Nestes casos, Alexandre afirma que não vê possibilidade jurídica de justificar a forma que está se fazendo a cobrança e o pagamento, porque foi um índice ajustado entre a ANS e as três maiores operadoras do país.

“Manter o mesmo plano, pagando menos, eu acho que é pouco provável administrativamente”, diz o advogado.

E quando é possível entrar na Justiça?

A possibilidade jurídica para tentar amenizar o impacto do reajuste dos planos de saúde no orçamento familiar é quando é imposta uma correção não justificada.

Os índices de reajuste em planos coletivos não são supervisionados pela ANS, ou seja, todos os convênios podem cobrar o reajuste que quiserem dos clientes, contanto que seja comprovado que a correção se deu por meio de um cálculo que justifique esse aumento: o cálculo de sinistralidade.

“Todos os planos, quando fazem o reajuste anual, têm de contabilizar como chegaram no índice. Isso se dá por meio do custo da saúde, os gastos que eles tiveram. O que passou a se entender pela Justiça é que os planos coletivos são obrigados a comprovar técnicamente, por cálculos autariais, extremamente complicados, que seu custo de saúde realmente teve esse aumento”, explica.

Caso não haja essa comprovação, Alexandre afirma que é aplicado o índice subsidiário da ANS. Além disso, o advogado destaca que, se a causa for ganha pelo cliente, é possível pedir a restituição de valores considerados elevados em reajustes de anos anteriores.

“Você tem um plano, contratado em 2018, que teve reajuste em 2019 e 2020 que você achou elevado. Você questiona isso na Justiça, então, o plano tem que provar que os reajustes anteriores também obedeceram esse critério e estão devidamente comprovados por cálculos, que o índice imposto foi realmente o custo de saúde”, revela o advogado.

Se não for comprovado, o juiz vai dar uma decisão retroagindo. Se em 2018, por exemplo, você pagou um índice de 20%, mas isso não foi justificado, o juiz vai retroagir para 2018 e incidir o índice da ANS. Logo, você tem o direito de pedir a restituição simples dessa diferença paga ao longo dos anos

ALEXANDRE BERTHE PINTO, ADVOGADO ESPECIALISTA EM DIREITO DO CONSUMIDOR

“As ações judiciais, que são várias, que conseguem dar ganho de causa pro cliente, se dão em cenários em que o reajuste cobrado pelo plano é 10%, 30%, até 40% maior do que o índice da ANS. E de forma impositiva, em que o consumidor sequer teve oportunidade de analisar esses cálculos”, comenta Alexandre.

Os riscos de entrar na Justiça

Apesar da possibilidade de ganhar a causa, o advogado especialista em direito do consumidor aponta que é necessário estar com os olhos bem abertos quando for tomada a decisão de entrar na Justiça. E, mais do que isso, judicializar, para ele, é “a última alternativa”.

Alexandre alerta que, por mais que o cliente tente, dificilmente o plano de saúde apresentará os números que justificam o reajuste de forma administrativa.

“Por íncrivel que pareça, isso ocorre. Mas no curso do processo na Justiça o plano pode apresentar os cálculos. Então, após a perícia, se ficar constatado que os números estão corretos, o consumidor vai perder a ação e não terá direito de receber.”

Outro lado

Segundo posicionamento da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), o reajuste retroativo diluído em 12 meses visa “dirimir os impactos e facilitar o planejamento dos contratantes de planos de saúde, sejam pessoa física ou jurídica”.

A associação aponta que a pandemia está sendo um período de muitos desafios, que exigiu “contratações extraordinárias e aquisição de equipamentos em geral, de proteção individual, medicamentos, materiais hospitalares, etc. com um expressivo aumento de preços devido a inflação mundial repentina para esses itens”.

“Esta questão é fundamental para que as operadoras possam manter o bom atendimento de saúde de seus beneficiários e a disponibilidade da ampla gama de serviços (hospitalar, clínico, laboratorial, médico, enfermaria etc)”, termina a nota.

Veja na íntegra a nota da Abramge

A Abramge – Associação Brasileira de Planos de Saúde – faz questão de enfatizar alguns pontos quanto aos reajustes dos planos de saúde:

Sim, podem ocorrer cobranças que estavam suspensas ou o do aniversário do contrato;

Os reajustes suspensos em 2020 se referem aos impactos de custos referentes ao ano de 2019, portanto se trata de uma recomposição anterior ao período de pandemia;

A cobrança diluída em 12 meses – entre janeiro e dezembro de 2021 – visa dirimir os impactos e facilitar o planejamento dos contratantes de planos de saúde, sejam pessoa física ou jurídica;

Sim, os reajustes dos planos anteriores à Lei 9.656 possuem reajustes diferenciados que podem ser verificados no portal da ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar;

Este está sendo um período de muitos desafios (que ainda não acabaram), exigiu contratações extraordinárias e aquisição de equipamentos em geral, de proteção individual, medicamentos, materiais hospitalares, etc. com um expressivo aumento de preços devido a inflação mundial repentina para esses itens;

A suspensão da cobrança é um tema bastante complexo, pois envolve lançamentos contábeis e impostos que as operadoras de planos de saúde tiveram de continuar pagando com base nos valores corrigidos – mesmo não sendo cobrados;

Esta questão é fundamental para que as operadoras possam manter o bom atendimento de saúde de seus beneficiários e a disponibilidade da ampla gama de serviços (hospitalar, clínico, laboratorial, médico, enfermaria etc).

Nota da ANS

A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) esclarece que a decisão pela suspensão dos reajustes dos planos de saúde no período de setembro a dezembro de 2020 foi tomada em agosto diante de um cenário de dificuldade para o beneficiário, em função da retração econômica acarretada pela pandemia, e de redução da utilização dos serviços de saúde no período. Dessa forma, a medida da ANS buscou conferir alívio financeiro ao consumidor, preservando a manutenção do plano de saúde, sem desestabilizar as regras e os contratos estabelecidos.    

Em relação à recomposição dos reajustes suspensos, a ANS definiu que deverá ser aplicada a partir de janeiro de 2021 em 12 parcelas mensais e de igual valor. Buscou-se, assim, diluir o pagamento, com a recomposição a ser feita de forma escalonada para minimizar o impacto para os beneficiários e preservar os contratos estabelecidos. A Agência estabeleceu ainda que, para que o usuário do plano de saúde saiba exatamente o que está sendo cobrado, os boletos ou documentos de cobrança equivalentes deverão conter de forma clara e detalhada: 

– o valor da mensalidade;
– o valor da parcela relativa à recomposição;
– o número da parcela referente à recomposição dos valores não cobrados em 2020.

Cabe esclarecer que o percentual de reajuste autorizado para o período de maio de 2020 a abril de 2021 observou a variação de despesas assistenciais entre 2018 e 2019, período anterior à pandemia e que, portanto, não apresentou redução de utilização de serviços de saúde. Os efeitos da redução serão percebidos no reajuste referente a 2021.

A Agência destaca ainda que vem acompanhando os impactos da pandemia e tem dado total transparência às informações por meio do Boletim Covid-19 Saúde Suplementar (confira aqui). Através desse acompanhamento, a ANS vem avaliando os cenários para que seja possível tomar as decisões mais acertadas em prol do setor, buscando proteger o consumidor e preservar o equilíbrio e a sustentabilidade do sistema suplementar de saúde.

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