Reinfecção por covid-19 pode influenciar a segunda onda e a eficácia das vacinas?

Para responder a essas perguntas, precisamos antes entender como nosso organismo cria imunidade contra esse e outros vírus

 

Receber o diagnóstico de covid-19 não é nada fácil. Afinal, a doença está cercada de incertezas do ponto de vista médico e científico e de inseguranças de uma perspectiva pessoal.

Agora, imagine se recuperar do quadro e, algumas semanas depois, voltar a sofrer com sintomas sugestivos dessa infecção, como febre, tosse seca, cansaço e falta de ar. Na sequência, um novo exame confirma a suspeita: o coronavírus invadiu o organismo novamente.

Sim, a reinfecção pode acontecer e há algumas dezenas de casos confirmados no mundo. A boa notícia é que, pelo que foi observado até o momento, essa possibilidade é raríssima.

Vamos aos números: de acordo com a agência de notícias holandesa BNO News, um dos únicos veículos a compilar dados globais sobre esse assunto, há atualmente 26 casos confirmados de reinfecção no planeta. Desses, 25 pacientes se recuperaram bem e apenas um morreu. A média de tempo entre o primeiro e o segundo episódio de covid-19 é de 76 dias.

O site ainda calcula que existam outros 893 casos suspeitos de reinfecção, que ainda precisam ser analisados mais de perto.

No Brasil, o Ministério da Saúde afirma que não foram oficializados episódios desse tipo. Mas há um estudo publicado em setembro que detectou a reinfecção numa técnica de enfermagem de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo. Além dela, existem cerca de 95 pacientes com uma situação parecida que seguem em investigação por aqui.

Mas, afinal, o que já se sabe sobre esses episódios duplicados de covid-19? E como eles podem influenciar a segunda onda de casos ou a eficácia das vacinas?

Para responder a essas perguntas, precisamos antes entender como nosso organismo cria imunidade contra esse e outros vírus.

Defesa ativada

Ao detectar um invasor como o Sars-CoV-2, o coronavírus responsável pela pandemia atual, nosso sistema imunológico trabalha para contra-atacar e livrar o corpo da ameaça. Esse processo é mediado por duas células: os linfócitos B e T.

“Os linfócitos B são responsáveis por produzir os anticorpos, as imunoglobulinas que conhecemos pelas siglas IgG, IgA, IgM…”, explica o médico João Viola, presidente do Comitê Científico da Sociedade Brasileira de Imunologia.

Se tudo der certo e o paciente se recuperar bem, na maioria das vezes essas células de defesa aprendem a lidar com a infecção. Caso o coronavírus tente atacar o corpo uma segunda vez, basta liberar esses anticorpos (os tais dos IgG e IgM) para neutralizar o perigo.

Já os linfócitos T ficam responsáveis, entre outras coisas, por identificar células que estão infectadas com determinado patógeno. Eles orquestram um verdadeiro contra-ataque para nos proteger. Sua atuação frente ao Sars-CoV-2, porém, ainda segue com algumas perguntas sem respostas.

Essa ação imunológica parece funcionar bem na vasta maioria dos acometidos pelo coronavírus. Se considerarmos que mais 63 milhões de pessoas já tiveram covid-19 e apenas 26 foram confirmadas e documentadas como tendo tido doença duas vezes (de acordo com os números mais atualizados), não é exagero, pelo menos por enquanto, afirmar que o risco de um segundo episódio é raríssimo.

Ilustração de um coronavírus ao centro cercado de estruturas em formato de Y que representam os anticorpos

Getty Images
A produção de anticorpos (representados na imagem nessas estruturas em formato de Y) é algo observado na vasta maioria dos casos de infecção pelo Sars-CoV-2

Em termos estatísticos, com base nos dados disponíveis até o momento, a taxa de reinfectados é de 0,000041%. “Definitivamente esse não é um evento frequente pelo que estamos observando até agora”, avalia o infectologista Julio Croda, da Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz).

Em relação à segunda onda da pandemia que assola Europa, Estados Unidos e Brasil, a reinfecção, portanto, não é um fenômeno relevante. Pelas informações disponíveis até o momento, a vasta maioria dos afetados das últimas semanas estava vulnerável e contraiu o vírus pela primeira vez.

Mas como explicar esses casos confirmados (ou os relatos) de reinfecção?

Resposta inadequada

“Aparentemente, a reinfecção é mais provável naquelas situações em que o primeiro episódio de covid-19 foi brando”, contextualiza o infectologista Fernando Bellissimo Rodrigues, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.

Tudo leva a crer que uma doença leve e com poucos sintomas gera uma resposta imunológica mais fraquinha. “Parece que a produção de anticorpos é menor, e isso deixaria a pessoa predisposta a uma nova enfermidade após algum tempo”, completa Rodrigues.

Há outra possibilidade que precisa ser analisada por aqui: em vez de uma reinfecção, será que não se trata apenas de uma continuação do primeiro quadro, que melhorou por algum tempo e depois teve uma recaída?

Para descartar essa hipótese, os especialistas recorrem ao sequenciamento genético do Sars-CoV-2. O ideal seria ter uma amostra do primeiro e do segundo diagnóstico para comparar as letrinhas do RNA viral.

Se elas forem absolutamente idênticas, é grande a chance de que seja realmente uma recaída. Agora, caso o genoma seja diferente, aí fica mais fácil apostar na reinfecção mesmo.

“Esse estudo é como se estivéssemos reconstituindo um crime sem testemunhas. Nós coletamos provas que podem favorecer uma linha de investigação ou outra”, compara Rodrigues, que foi responsável por detectar o primeiro caso de reinfecção no Brasil e analisa outros 15 pacientes suspeitos.

Data de validade

Eis uma questão-chave que ainda precisa ser melhor compreendida para completar esse quebra-cabeças: quanto tempo dura a imunidade contra a covid-19?

Em primeiro lugar, é preciso ter em mente que o Sars-CoV-2 é um fenômeno absolutamente novo numa perspectiva histórica. Os primeiros casos foram notados nas últimas semanas de dezembro de 2019. Portanto, a ciência tem pouco mais de 11 meses de experiência com esse vírus e suas consequências.

“Podemos afirmar que a imunidade dura seis meses ou pouco mais, pois foi isso que acompanhamos até o presente”, afirma Viola. Não sabemos, porém, se essa proteção é para a vida inteira (como acontece com outros vírus, como o sarampo) ou se ela não persiste no longo prazo (num cenário parecido ao do influenza, o causador da gripe).

Esse tempo de validade tem implicações diretas sobre as vacinas. “Será que o imunizante vai induzir uma imunidade duradoura? Ou ele precisará ser reaplicado após um certo período?”, questiona Rodrigues.

Fotografia de uma ampola com um rótulo escrito

Getty Images
Não se sabe até o momento quanto tempo durará a proteção das vacinas contra a covid-19. Pode ser que as doses garantam imunidade pelo resto da vida ou apenas por alguns meses ou anos

Pode reparar: há vacinas que são tomadas uma ou poucas vezes durante a vida. Outras, na contramão, têm uma eficácia que dura um ano ou um pouco mais e exigem doses de reforço para atualizar a proteção contra determinado vírus ou bactéria.

Será preciso aguardar mais um tempo antes de termos todas essas respostas.

Aprendizados

Apesar de pouco frequentes, os casos de reinfecção já nos deixam algumas lições. A mais importante delas é que nem todo mundo que já teve contato com o coronavírus está livre de um segundo episódio. Portanto, não dá pra relaxar nas medidas preconizadas, como o distanciamento físico, a lavagem de mãos e o uso de máscaras.

Afinal, mesmo sendo um fenômeno raro, falamos de uma doença potencialmente letal. “É crucial manter toda a proteção possível. Do ponto de vista comunitário, precisamos dar o exemplo e continuar com o uso de máscaras e as outras atitudes. Isso demonstra como nos preocupados com todos ao redor”, destaca Croda, que também é professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul.

Num cenário de tantos mistérios, uma coisa é certa: a covid-19 atinge cada indivíduo de uma maneira, mas superar a pandemia depende do esforço conjunto de toda a sociedade.

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