Pandemia compromete sono dos brasileiros e uso de remédios aumenta 20%

No 1º semestre do ano passado, foram vendidos 20 milhões de doses do principal fármaco para dormir, 64% do volume de todo o ano de 2019

 

A gestora de recursos humanos Amanda Mendes*, de 44 anos, dormia tranquilamente. Cuidava das duas filhas – uma menina de 9 anos e outra de 7 – com tranquilidade, cumpria a escala de trabalho e ainda arrumava tempo para se dedicar aos cuidados do apartamento dela, na Asa Sul.

Porém as preocupações desencadeadas pela pandemia de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus, com a saúde e a situação financeira, tiraram o sono dela. Literalmente.

Assim como ela, um sem número de brasileiros começaram a ter dificuldades para dormir e passaram a se medicar com remédios hipnóticos.

Para o leitor ter dimensão da disparada no consumo desses fármacos, a venda cresceu 20% entre janeiro e dezembro do ano passado, em comparação com o mesmo período de 2019. Os dados inéditos são do Conselho Federal de Farmácia.

O problema chegou a níveis jamais vistos por especialistas, que alertam: o uso contínuo dessas drogas pode trazer prejuízos ao paciente, com sérios efeitos à saúde.

Entre abril e maio do ano passado, quando começavam as medidas mais rígidas de isolamento, a palavra “insônia” foi a mais procurada no Google. A pesquisa por “remédio para insônia” aumentou 130%.

O uso de hipnóticos já vinha em crescimento há três anos, mas a pandemia impulsionou o consumo. Levantamento da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), feito, revela como a Covid-19 impactou nos resultados.

Os dados do ano todo ainda não estão consolidados, mas indicam o panorama apontado pelo Conselho Federal de Farmácia. Somente no primeiro semestre de 2020, a comercialização de clonazepam, conhecido como Rivotril e um dos mais populares remédios para dormir, representou 64% de todo o volume vendido em 2019.

Ao todo, os brasileiros consumiram 20,3 milhões de doses entre janeiro e junho do ano passado. O volume era bem menor há três anos, quando em todo ano de 2017 foram 28 milhões de doses (veja detalhes abaixo).

Veja uso do clonazepam entre 2017 e 2020 (em doses):

  • 2017 – 28.092.436
  • 2018 – 30.427.527
  • 2019 – 31.899.981
  • 2020 – 20.353.605*

*até junho

Identificando o problema

O Rivotril passou a fazer parte da vida de Amanda, a personagem que o leitor conheceu no início da reportagem, há quatro meses. O que parecia uma insônia comum tomou proporções que ela não conseguiu controlar. Procurou ajuda médica.

“No começo, não vi gravidade no que estava acontecendo, mas quando passei mais de 10 dias sem dormir uma noite completa, me assustei. Estava com o meu rendimento comprometido, com alterações de humor e muito cansada”, conta, em entrevista por telefone.

Ela ainda não se sente confortável para falar do assunto. E acredita que logo estará “com o sono equilibrado” novamente, como diz. “O remédio funciona para solucionar o problema. O que estou fazendo é mudar alguns hábitos, como ter uma rotina de sono”, explica.

Mexer no cotidiano tem a ajudado a reencontrar a tranquilidade de uma noite bem dormida. “Estou aprendendo com os médicos que a alimentação, o estilo de vida, o costume ao se deitar e até mesmo a frequência de exercícios físicos interferem no sono”, detalha.

Momento de atenção

O médico do sono e integrante da Associação Brasileira do Sono (ABS) George Pinheiro alerta que o legado da pandemia no uso desses medicamentos ainda não pode ser mensurado, mas é motivo de preocupação.

“O uso desses medicamentos sempre foi um problema no Brasil. As pessoas enxergam no medicamento a solução para todos os problemas. Mas muitos dos problemas podem ser solucionados com mudanças de hábitos. A pandemia agravou isso”, pondera.

O especialista ressalta que a alta no consumo deve continuar até que a imunização das pessoas contra a Covid-19 avance e que os efeitos econômicos sejam atenuados.

“As pessoas estão lidando com um problema novo, que traz angústia e preocupação. A tendência é de que problemas de sono e de ordem mental persistam por alguns meses. O essencial é que as pessoas entendam que é possível dormir melhor sem a necessidade de remédios por longos períodos. Mudar hábitos é importante, assim como controlar os gatilhos para a insônia. Não se pode deixar que a insônia se cronifique”, conclui.

Monitoramento

O Ministério da Saúde está monitorando a evolução do problema. A pasta entrevistou mais de 2 mil pessoas no segundo ciclo da Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico Covid-19 (Vigitel).

“Chamou a atenção o fato de que 41,7% dos entrevistados apontaram distúrbios do sono, como dificuldade para dormir ou dormir mais do que de costume”, informa a pasta, em nota.

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