Descoberta de frases deixadas por operários responsáveis pela construção do Congresso Nacional, inspirou o grupo a criar metáforas narrativas que versam sobre desmontes de políticas públicas, silenciamento de grupos minoritários, revisionismos históricos e reflexão sobre a história da arte
Após bem-sucedida temporada no Sesc Pompéia, em São Paulo, o Teatro do Concreto, reconhecido por suas interações com o espaço urbano e intervenções públicas, volta para casa onde apresenta sua nona montagem que celebra os 16 anos de trajetória do grupo.
Inédito para o público brasiliense, Festa de Inauguração, dirigido por Francis Wilker e com dramaturgia de João Turchi, será apresentada no Festival Internacional Cena Contemporânea, de 27 a 30 de agosto no Espaço Cultural Renato Russo, e depois segue para o Sesc Garagem, de 19 a 22 de setembro, e de 26 a 29, do mesmo mês, no CEM 01 – Centrão, escola pública de São Sebastião.
Mensagens deixadas por trabalhadores, que construíram o Congresso Nacional nos anos de 1950, e encontradas em 2011 durante reforma no Salão Verde, foram o ponto de partida [para a criação do espetáculo] e endossado por seminários que reuniram sociólogos, arquitetos, artistas visuais, rappers e dramaturgos. “As frases são de autoria de quem quase nunca está à luz da história oficial e revelam, em si, desejos de um futuro melhor para o país e a crença nas instituições democráticas”, descreve Francis. Frases completas ou trechos delas são lidas durantes o espetáculo e uma delas entra em cena escrita em uma faixa.
A obra, que investiga o tema da destruição como metáfora ao atual momento do país, explora a presença de um ciclo fragmentado onde o fim nada mais é do que a continuidade e a ruína é a afirmação do que existiu e do vir a ser. Desde a Grécia antiga à própria produção contemporânea do grupo, a montagem discorre sobre constâncias da humanidade, “notamos que no percurso da humanidade, nas artes e nas trajetórias pessoais, existem narrativas soterradas que precisam vir à tona e, normalmente, esse processo acontece por meio da destruição”, sugere o diretor da montagem.
A cidade como algo repleto de textos que precisam ser lidos e de discursos que precisam vir à tona, a pesquisa fez com que Festa de Inauguração não fosse uma peça que falasse pelos operários ou sobre o processo de construção de Brasília, mas sim que esses fossem os elementos disparadores de uma série de reflexões sobre o ato de destruir e reconstruir.
Goiano que reside em São Paulo, o artista João Turchi, apesar de já ter trabalhado com Francis Wilker, escreve pela primeira para o Teatro de Concreto. Na construção dramatúrgica, Turchi decidiu dar luz à questão da história como algo que sempre foi manipulado pelo homem. “Esses textos encontrados em Brasília apontavam uma possibilidade de futuro pensada por esses trabalhadores – podemos associar essas imagens às inscrições rupestres de uma caverna, por exemplo. O que esses registros têm a nos dizer nos dias de hoje? Como contar isso a outro? Quais são as possíveis narrativas que existem aí?”, questiona.
A partir dessa provocação e das características que já são comuns ao grupo, como uma relação direta com a plateia e criação de peças que não se resumem a um só espaço cênico, Festa de Inauguração começa nas imediações do teatro. Dessa forma, a peça cria as metáforas a partir de um olhar arqueológico, onde o fim representa a continuidade de um ciclo que irá gerar novas leituras sobre o que foi destruído.
Sem tomar como base a noção de personagens ou de começo-meio-fim, Festa de Inauguração é um caleidoscópio. Em cena, os atores encenadores Gleide Firmino, Micheli Santini, Adilson Diaz e Diego Borges tecem a trama a partir de falas e narrativas em um jogo cênico que apresenta o próprio eu a partir do teatro, músicas e coreografias, próprias do teatro performático. O espetáculo tem ainda cenário e figurino assinados por André Cortez e luz de Guilherme Bonfanti, do Teatro da Vertigem.
Teatro do Concreto
Fundado em 2003, o Teatro do Concreto é um grupo de Brasília que reúne artistas interessados em dialogar com a cidade e seus significados simbólico e real por meio da criação cênica. Assume, desde sua origem, a diversidade e a pesquisa como princípios de gestão e composição artística, mobilizando criadores de diversas regiões do Distrito Federal e aprofundando a interação com diferentes artistas e áreas do conhecimento. Suas criações se orientam pela perspectiva do processo colaborativo e se caracterizam, principalmente, pela elaboração de uma dramaturgia própria, pela radicalização no uso de depoimentos pessoais, pela investigação da cena no espaço urbano, pela relação com as práticas da performance e pela busca por diferentes modos de engajar o espectador. Ao longo de sua trajetória, o grupo estreou nove espetáculos e intervenções cênicas, publicou três obras de referência para o campo da pesquisa teatral e realizou diversos projetos de interação com a comunidade os quais extrapolam a dimensão dos palcos, consolidando-se como referência para o teatro de grupo na região Centro-Oeste. Ganhou projeção nacional com a circulação dos espetáculos Diário do Maldito (2006) – que recebeu o Prêmio SESC do Teatro Candango nas categorias de Melhor Atriz e Melhor Cenografia – e Entrepartidas (2010) – que recebeu o Prêmio SESC do Teatro Candango nas categorias de Melhor Espetáculo, Melhor Direção, Melhor Ator e Melhor Dramaturgia. As principais criações do grupo são Sala de Espera (2003); Borboletas têm vida curta (2006); Diário do Maldito (2006); Inútil Canto E Inútil Pranto Pelos Anjos Caídos (2007); Ruas Abertas (2008); Entrepartidas (2010); Mirante (2010); Extraordinário (2014); e Festa de Inauguração (2019).
Sinopse
Festa de Inauguração é uma obra sobre a destruição. Quatro atores recolhem os cacos que sobraram do choque entre placas tectônicas, das inundações, das bibliotecas em chamas, das estátuas que perderam a cabeça e dos nossos próprios corpos, palavras e desejos. Ao vasculhar ruínas, descobrem discursos que nunca foram inaugurados, fósseis sem palavras. O difícil é escolher entre aquilo que sobrou o que tem relevância para a linha do tempo que fica.
Ficha técnica
Elenco: Gleide Firmino, Micheli Santini, Adilson Diaz, Diego Borges
Direção: Francis Wilker
Dramaturgia e codireção: João Turchi
Assistente de direção: Diego Borges
Light design: Guilherme Bonfanti
Assistente de iluminação: Higor Filipe
Estagiários de iluminação: Diogo Sikins e Manu Maia
Cenografia e figurinos: André Cortez
Assistente de cenografia e figurinos: Marina Fontes
Direção musical: Diogo Vanelli
Projeções e registro audiovisual: Thiago Sabino e Fábio Rosemberg
Colaborações artísticas: Nei Cirqueira, Kenia Dias, Edson Beserra, José Regino e Giselle Rodrigues
Produção executiva: Tatiana Carvalhedo (Carvalhedo Produções)
Produção nacional: Júnior Cecon
Coordenação administrativa Teatro do Concreto: Ivone Oliveira
Assessoria de imprensa: Território Assessoria de Comunicação
Debates temáticos que alimentaram o processo criativo: Edson Farias (sociólogo), George Alex da Guia (arquiteto e urbanista), Íris Helena (artista visual), João Estevam de Argos (arqueólogo) e Thabata Lorena (cantora, compositora e MC).
Agradecimentos: Daniele Sampaio, Cynthia Margareth, Felipe Sabatini, Glauber Coradesqui, Gustavo Colombini, Guilherme Giufrida, João Gabriel Dantas, Laysa Elias, Jéssica Varrichio, Carol Bianchi, Viviane Garbelini, Cristina Carvalhedo, UNIPAZ, Samuel Araújo, Cristina Nogueira, Elenice Barbosa, João Generoso, SESC Estação 504 Sul (DF); Rodrigo Quintiliano (Restaurante C’est La Vie, DF); Casa dos Quatro; IESB; Vania Praia (Praia Salão de Boniteza, DF); Teatro da Vertigem.
Dia 24 de agosto, a partir das 17h, o Teatro do Concreto ministra oficina gratuita – Pequenos Textos em Guardanapos – no BEM-TE-VI – Restaurante, café e algo mais.
Tudo o que se tem escrito nos últimos anos está preso em uma nuvem eletrônica, um HD externo, uma cápsula de armazenamento situada em alguma cidade dos Estados Unidos e que provavelmente jamais será acessada. Arriscam-se dizer que se produzam mais textos que lixo. E se esse espaço de armazenamento um dia se esgotasse? O consolo é que a palavra é inteiramente descartada. Na oficina, a última narrativa que interessa será escrita em guardanapos de um restaurante.
Temporada Plano Piloto
Dias: 27, 28, 29 e 30/08*
Local: Espaço Cultural Renato Russo
Horário: às 20h
Ingressos: R$ 20 (inteira)
Debate dia 29* na Faculdade Dulcina a partir das 10h30, com as presenças de Francis Wilker, João Turchi e Guilherme Bonfanti. Mediação de Sérgio Maggio e Carlos Gil.
*Na programação do Festival Internacional Cena Contemporânea
Dias: 19, 20, 21 e 22/09
Local: Sesc Garagem
Horário: quinta a sábado as 20 horas e domingo as 19h
Ingressos: R$ 20 (inteira)
Dia 18, às 16 horas: Sessão gratuita para alunos do ensino médio e com tradução para Libras.
Temporada São Sebastião
Dias: 26, 27 e 29/09
Local: CEM 01 – Centrão
Horários: Quinta e sexta, às 20h, e domingo, às 19h
Entrada franca
Dias 26 e 27, sessões gratuitas para o estabelecimento de ensino
Dia 27, sessão com tradução para Libras
Classificação indicativa: Não recomendado para menores de 18 anos
Duração: 80 minutos
Informações: www.teatrodoconcreto.com.br e @TeatroDoConcreto, no Facebook.