As redes pública e particular se preparam para aplicar o novo modelo da etapa final da educação básica, que precisa urgentemente de mudanças
Ele aprova feiras, eventos e grandes projetos do colégio. “No ensino médio, comecei a ver os conteúdos de forma mais prática. A gente pode ver onde eles conseguem ser aplicados na vida real”, elogia o jovem, que deseja cursar engenharia. O que Gabriel vê de positivo na experiência dele, no entanto, não é realidade para grande parte dos jovens do país, já que eles não costumam se sentir atraídos pelo ensino médio, nem ver sentido no conteúdo das aulas.
Análise do movimento Todos pela Educação comparou 10 anos de resultados do Saeb, entre 2007 e 2017, e apontou urgência de melhorar o ensino básico, em especial o médio no país. Em geral, os resultados das escolas particulares são melhores, mas não basta ter bons índices na rede privada. Afinal, na educação básica, a maior parte dos alunos estuda em instituições públicas. No DF, as conclusões do Saeb de 2017 são problemáticas: os alunos do 3º ano do ensino médio decaíram tanto em português quanto em matemática. Foi a única unidade da Federação a apresentar piora em língua portuguesa nos 10 anos comparados.
Apesar de os resultados do Saeb serem sérios, a última edição não reflete necessariamente a realidade dos estudantes brasilienses. Secretário de Educação entre 2014 e 2018, Júlio Gregório admitiu que faltou estímulo e divulgação para que os estudantes fizessem o exame. Várias grandes e tradicionais escolas públicas não participaram naquele ano. Além disso, poucas tiveram quórum para serem contadas nos resultados finais.
A avaliação considerou apenas 13 colégios públicos de ensino médio do DF ao gerar os resultados, muitos deles rurais e em periferias. Para completar, a participação das escolas particulares é voluntária e, inclusive, paga. Assim, várias dessa rede também não participaram. A amostragem ficou prejudicada, mas acendeu um alerta sobre a necessidade de avançar e melhorar essa etapa no DF.
Saeb: o desafio de engajar
Em 2019, os alunos farão as provas do Saeb entre 4 e 8 de novembro. Mais de 83 mil estudantes da rede pública devem fazer o teste. Este ano, a Secretaria de Estado de Educação (SEE-DF) tem atuado desde o início do ano para engajar diretores, professores e alunos para garantir o sucesso do exame. Só serão computadas as escolas que tiverem no mínimo 10 estudantes fazendo a prova.
O DF tem condições de se sair melhor
Brasília tem muitos professores com alto nível de formação e salários acima da média nacional; escolas com boa estrutura; e, inclusive, população com mais renda e anos de estudo em comparação com a de muitos estados. Todos esses são pontos que deveriam justificar ensino de maior qualidade na região.
“Pernambuco tem um nível socioeconômico muito mais baixo que o do DF, mas deu um salto de qualidade impressionante ao implementar, nas escolas públicas, grades horárias de sete a oito horas de aula por dia”, compara a gestora pública e professora universitária Claudia Costin. “Além de aumentar o tempo na escola, é preciso ter um currículo interessante, ter projetos, ensinar a pensar”, orienta.
“E, para isso, você precisa de tempo para desenvolver o conteúdo em vez de apenas fazer o jovem decorar meia dúzia de coisas”, alerta. Brasília pode olhar para Pernambuco como exemplo, sugere Claudia. “Os professores de lá ganham bem menos que os do DF, são contratados para 40 horas semanais. Então, a questão não é aumentar salário”, ensina. A recomendação dela é aplicar um ensino médio integral sério.
“Não é ter aula de manhã e, de tarde, dar umas oficininhas. É preciso usar o tempo para ensinar o aluno a pensar de fato. E o DF tem dinheiro para isso.” O segredo está em usar com efetividade os recursos e, em Brasília, pondera Claudia, eles são bem mais abundantes em comparação com vários locais que tiveram avanços no ensino médio.
Outras inspirações para Brasília podem vir do Espírito Santo e do Rio de Janeiro, estados onde foram atrás dos jovens que abandonaram a escola para que regressassem. “É inaceitável que um adolescente esteja fora da escola. É preciso fazer busca ativa dos que saíram e prevenir: olhar os dados, predizer os que têm mais risco de largar o colégio e agir”, ensina.
Tem que exigir qualidade na rede pública
Diretora-geral do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (Ceipe/FGV), Claudia Costin cobra excelência também para a rede pública. “As pessoas, às vezes, imaginam que não é uma parcela tão grande da população que está nas escolas públicas: são 87% dos alunos de educação básica”, ressalta. “Se aceitamos que a escola pública tenha formação de segundo nível, estamos aceitando que as novas gerações do Brasil terão educação segundo nível”, declara. “E como desenvolver o país assim?”, questiona.
Sem destaque no Enem
Apesar de um contexto privilegiado em comparação com muitos estados, Brasília não é destaque no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Com uma estrutura de 104 colégios públicos (dos quais três são militares e 10 são câmpus do IFB) e 130 particulares, a melhor colocação de Brasília no ranking das instituições do país é na 40ª posição (Colégio Podion). A melhor escola pública do DF no Enem de 2018, o Colégio Militar Dom Pedro II, ficou na 1.108ª posição, com a 23ª melhor média do DF.
16 bons exemplos na rede pública
A equipe de reportagem do Correio nas Escolas conheceu a fundo a realidade de 16 escolas públicas do DF. A SEE-DF divide as escolas em 14 Coordenações Regionais de Ensino, que agrupam unidades das 31 regiões administrativas da localidade. O especial esteve em um colégio de ensino médio de cada regional e visitou ainda outros dois colégios: um militar e um câmpus do Instituto Federal de Brasília (IFB).
Muitas das escolas visitadas, mesmo sendo exemplo positivo em suas regiões, apresentam dilemas parecidos: turmas cheias, falta de professores, pouca presença dos pais e alunos com defasagem educacional. Para solucionar a questão, muitas buscam se tornar mais atrativas por meio de projetos, de música, dança e teatro, por exemplo; e aulões.
Diretores e professores percebem que o sistema do ensino médio precisa mudar. Nem por isso deixam de ter que a reforma do ensino médio acabe gerando problemas. As mudanças propostas são vistas com receio por boa parte da equipe das escolas visitadas. Dúvidas sobre como o novo modelo funcionará e preocupação com falta de infraestrutura para aplicar as novidades estão entre as principais queixas.
No DF, desde 2018, as escolas adotam a semestralidade. Funciona como uma reorganização das séries anuais. Dessa forma, os alunos passam a cursar metade dos componentes curriculares em um semestre e outra metade no outro (com exceção de componentes fixos, presentes ao longo de todo ano: educação física, português e matemática).
É preciso ser mais atrativo
O subsecretário de Educação Básica do DF, Helber Vieira, reconhece que é necessário um trabalho para tornar as escolas mais atrativas para os estudantes. “Os problemas do ensino médio são uma culminância de algo que começa a se complicar nos anos finais do ensino fundamental, especialmente para essa nova geração muito conectada, com muita informação na palma da mão”, comenta.
“O que os alunos querem é mais protagonismo e uma escola que converse com as demandas deles. Tornar a escola mais interessante significa dar protagonismo, dar alternativas de aprendizados que não sejam um único caminho”, aponta. Uma ideia que dialoga com a reforma do ensino médio, que propõe que, além das matérias obrigatórias, os alunos possam escolher um itinerário formativo (que pode ser de formação técnica ou não) para se aprofundar.
De acordo com o subsecretário de educação, as mudanças previstas na reforma do ensino médio podem solucionar o grande problema da falta de atratividade das escolas. A fim de se preparar, a SEE-DF terá cinco escolas pilotos funcionando com o modelo da reforma em 2020, entre as quais duas visitadas pelo Correio nas Escolas: o Cemi Gama e o CED 3 do Guará.
Apesar da existência de problemas estruturais em muitos colégios públicos, Helber acredita na capacidade deles de atender os requisitos da reforma. Incluindo a oferta de opções de itinerários formativos. “A rede pública será pioneira. Queremos oferecer 40 possibilidades para que a escola escolha 20. Nós só temos que fazer uma reorganização da rede. E somos privilegiados, temos ótimas escolas técnicas que podemos fazer parcerias”, explica.
A aplicação do novo ensino médio em Brasília
A rede pública de ensino brasiliense terá cinco escolas-piloto para aplicar a reforma do ensino médio já em 2020 A previsão é de que, em 2021, o projeto seja expandido para todas as regionais de ensino e, em 2022, as 91 escolas da rede pública devem adotar o currículo
Confira as escolas-piloto:
- CED 3 do Guará;
- CEM 804 do Recanto das Emas;
- CEM 3 de Taguatinga;
- CED 4 de Sobradinho e
- Cemi Gama
Consulta aberta
A SEEDF abriu uma consulta pública on-line para descobrir a opinião da população sobre o novo currículo de ensino médio a ser aplicado nas escolas-piloto. É possível dar sugestões pelo site até 4 de dezembro.
Ele acredita que tudo o que for ser aplicado para o período precisa levar em conta também a faixa etária dos alunos. “É um conjunto de fatores. Todas as dificuldades e deficiências acabam emergindo no ensino médio. Soma-se a isso, a própria fase da vida dessas pessoas. A adolescência é altamente modificadora. Por fim, há, em muitos casos, a necessidade da própria família de que o jovem trabalhe”, explica.
Ricardo Henriques, superintendente executivo do Instituto Unibanco, chama a atenção para o valor da administração escolar tanto para garantir a qualidade do ensino, quanto para aplicar mudanças. “É preciso gestão para fazer diagnósticos sobre as turmas, para engajar os professores, para saber o que precisa melhorar. E, em vez de ficar na utopia de uma escola ideal, ver o que pode ser feito na prática e ir melhorando passo a passo”, observa ele, que representa fundação que executa projetos voltados ao ensino médio em parcerias com secretarias de educação estaduais.