Não é modinha: 30 milhões de brasileiros já são vegetarianos 

Amor pelos animais motiva adoção de dieta sem carne e também é o fundamento que leva ao estilo de vida vegano, que zera consumo de bichos

 

São muitos os que levam o amor aos animais à mesa. Segundo a Sociedade Vegetariana Brasileira, 14% da população se declara vegetariana, estatística que representa um crescimento de 75% em relação a 2012, quando a proporção era de 8%. Significa que quase 30 milhões de brasileiros são adeptos à opção alimentar que, a princípio, bane a carne de qualquer refeição, qualquer tipo de carne. Alguns comem queijos e ovos. Outros nem isso. Não se alimentam de nada que saia andando, como já explicou Rita Lee.

O mercado de alimentação percebeu que se trata de uma tendência que veio para ficar. O cenário aponta que 63% da população gostaria de reduzir o consumo de carne. Segundo a pesquisa Ibope e Kantar Wordpanel, 240 restaurantes brasileiros são veganos ou vegetarianos. Na 25ª SP Restaurant Week, que terminou neste domingo (27),  dos 250 participantes, 115 menus – de restaurantes a hambúrguerias – ofereceram opções vegetarianas. Dez menus traziam opções veganas.

Segundo Fernando Reis, CEO da Restaurant Week, a presença se deve ao público crescente de vegetarianos, o que amplia a demanda. “A curadoria do evento sempre indica aos restaurantes que façam pelo menos um menu vegetariano, que é uma tendência no perfil dos clientes em geral. Hoje, não é mais possível não oferecer um menu com esta especificidade”, comentou o executivo.

Até redes de fast food, quem diria, também estão de olho nesses consumidores. Criador do hambúrguer de picanha (Pic Burger), o restaurante The Fifties acaba de incorporar ao seu cardápio o Futuro Burger, hambúrguer de vegetais produzido pela foodtech Fazenda Futuro. Até então, as lojas do grupo ofereciam só o Veggie Burguer, hambúrguer vegetariano de soja, acompanhado de shitake na manteiga com alho poró, alface americana, cenoura ralada e molho grego à base de iogurte no pão preto. O ‘hambúrguer do futuro’ inclui ervilha, proteína de soja, grão-de-bico, cebola e beterraba, responsável pela suculência e pela cor que imita o sangue da carne.

Parece incoerente que alguém que tenha deixado de comer carne, principalmente pelo rastro de sangue derramado na ‘produção’ de animais para abate, possa se interessar por um hambúrguer de planta. A iniciativa certamente colabora para entraves de socialização que, muitas vezes, acompanham o vegetariano, especialmente no início do processo.

Tulio Meneghini Amato, hoje com 18 anos, se tornou vegetariano aos 4. “Parei de comer carne, que era algo que eu gostava e comia regularmente, quando descobri que presunto era feito de porco. A partir daí  fui deixando de comer diversos tipos de carne e mudando minha dieta”, conta o estudante.

Tulio é o único vegetariano de sua família, algo que sempre chamou a atenção das pessoas. “Meus pais carnívoros, que amavam um churrasco todo fim de semana, estranharam a minha mudança, mas aceitaram. Ser vegetariano parecia algo muito anormal e distante na época, havia muito estranhamento e ouvia muito as famosas frases “ experimenta, você vai gostar”, “você nao sabe o que tá perdendo”, “ vai ficar fraco”, “ isso é só  uma fase”, entre outras. Como sempre fui o único da família toda, acabei me acostumando com a presença de carne à mesa. Mas a dieta começou a se popularizar e hoje em dia todos já sabem sua importância para a saúde e o meio ambiente”.

Tulio relata que as dificuldades no começo esbarraram na falta de entendimento das pessoas, não com relação à alimentação. “Nunca passei por dificuldades, sempre soube me virar. Ser vegetariano para mim é prezar pelos animais e pelo planeta terra, eu diria que é uma dieta consciente, um modo de viver mais consciente. Não é necessario matar e maltratar animais para sobreviver”, ensina.

O jovem acredita que migrar para o veganismo é uma opção daqui uns anos. “Cada vez mais deixaremos de usar produtos derivados de animais.”

Inclassificáveis

Para alguns adeptos de uma dieta livre de carnes, o rótulo é o que menos importa.  Há dois anos e sete meses, a professora do Instituto de História da Universidade Federal de Uberlândia, Carla Miucci, parou de comer carne, mas prefere não se enquadrar em nenhum grupo.

“Não gosto de rótulos. Simplesmente mantenho minha ética de considerar outra vida (seja ela animal ou não) como importante, como algo a ser preservado da tortura, do sofrimento e da morte. Por exemplo, eu consumo ovos, porém só aqueles que minhas galinhas botam. Eu crio galinhas em casa. Elas têm nome, passam o dia soltas num grande jardim, têm um lindo galinheiro para abrigá-las e botam seus ovos sem nenhum sofrimento e quando querem. Ou seja, do ponto de vista do rótulo, talvez eu não fosse considerada uma vegetariana ou vegana devido ao consumo de ovos, porém, pra mim, pouco importa o rótulo e sim minha ética”, esclarece.

Para Carla, a ideia de que o homem estaria no topo da cadeia alimentar e que assim seria ético caçar, matar e comer outros animais para sobreviver fazia sentido quando o homem ainda não havia desenvolvido a tecnologia para se suprir com outros alimentos. “Por esse ponto de vista, comer bicho morto é, no mínimo, anacrônico. Nosso consumo de bicho morto é, hoje, uma questão econômica e cultural. Atualmente, não é mais preciso matar animais para nos suprirmos. Mas nossa sociedade continua matando. Mata para sustentar indústrias que lucram com a morte e com o sofrimento animal, mata para sustentar a destruição de nossas florestas e áreas de preservação com a abertura de pastos e monoculturas que alimentam os animais que irão para o abate, mata para sustentar o insustentável”, explica.

Deixar de consumir animais mortos e qualquer tipo de alimento e/ou produto que envolva o sofrimento e/ou a morte dos bichos não é uma decisão fácil, segundo a professora. “A maioria da indústria alimentícia, farmacêutica, de produtos de higiene, cosmético, calçado e vestuário oferece mercadorias cuja produção é, em sua grande maioria, calcada em práticas que envolvem tortura, sofrimento e morte de animais. Por outro lado, não é difícil entender a opção de quem não quer mais fazer parte dessa cadeia de matança e horror, apostando num consumo atento e ético. Para mim, qualquer vida deve ser defendida.”

Denys segue o que chama de alimentação intuitiva

Denys segue o que chama de alimentação intuitiva

Reprodução

O professor de yoga Denys Vieira, há 4 de seus 31 anos sem ingerir carne, também foge dos carimbos sociais.

“Não gosto de me definir, não levanto bandeira nenhuma. Eu não como carne, gosto de queijo, de ovo e tem semana que estou crudívero. Sigo o que meu corpo me pede, é alimentação intuitiva.  Acho que é o modo mais cru do ser, come o que você sente. Às vezes, sinto vontade de fazer 3 dias de jejum e não vou comer nada. Em outros momentos, quero estar mais leve, e só como folhas”, pondera. “Meu olhar pra vida mudou muito.”

Viera deixou de comer carne no dia 21 de outubro de 2015, motivado por um curso do Arte de Viver no qual teria de ficar 4 dias sem comer carne. “Eu era da pegada da academia, comia carne pra caramba, frango desfiado. O professor da academia disse que eu iria emagrecer nesses quatro dias! O curso foi um divisor de águas na minha vida. Ao sair, eles dão o desafio de ficar 45 dias sem comer carne, o tempo que dizem que algo precisa para virar um hábito. Eu adoro desafio, ainda mais quando está ligado à disciplina. Me senti super leve e resolvi que, enquanto eu estiver me sentindo bem, vou levar isso pra frente. Estou até hoje.”

Veganismo não é sobre comer; é sobre viver

O veganismo, diferentemente do vegetarianismo, não é um movimento alimentar. “Veganismo não é apenas um estilo de vida, é um movimento, um posicionamento ético/politico que tem como objetivo a abolição, a libertação animal. Por esse motivo, não consumimos ou usamos quaisquer produtos (sejam roupas, alimentos, itens de higiene e beleza, etc.) com insumos de origem animal ou fabricados por empresas que fazem testes em animais ou patrocinam eventos que exploram animais”, explicam os administradores do VegAjuda, grupo no Facebook gerador de informações sobre o assunto, formado por Aline Barbosa, Anelucy Andrade, Camila M.Kila, Jhênnifer Custódio, Juliana Carvalho, Lú Lara, Maira Lewtchuk, Michele Brum Lopes, Michelle Duarte, Rodrigo Guglieri e Val Camis.

A turma esclarece que o vegetarianismo diz respeito apenas à alimentação e a não consumir produtos de origem animal. Existem vários tipos de vegetarianos, como ovolacto-vegetarianos (consomem leite e ovos), lacto-vegetarianos (consomem leite), ovo-vegetarianos (consomem ovo).

“De acordo com a The Vegan Society, o veganismo é uma forma de viver que busca excluir, na medida do possível e do praticável, todas as formas de exploração e de crueldade contra animais, seja para a alimentação, para o vestuário ou para qualquer outra finalidade. Não existe uma dieta vegana, pois veganismo não é referente apenas à alimentação; o tipo de dieta que os veganos adotam é a vegetariana estrita (sem ingredientes de origem animal). Há pessoas que primeiro se tornam vegetarianas e, depois de um tempo, ao se informarem melhor sobre a exploração que ocorre para produção do leite e ovos, viram veganas. É uma transição natural para quem está inserido neste contexto. Mas outras pessoas partem direto para o veganismo, muitas vezes ao assistir documentários ou outros materiais que os fazem perceber o quanto é errado causar sofrimento e morte aos seres sencientes.”

Emiliano virou empreendedor vegano

Emiliano virou empreendedor vegano

Reprodução

Foi o que aconteceu com ator Emiliano d’Avila, que virou vegano há 3 anos, e sua irmã, Joana d’Avila. Eles foram direto para o veganismo e acabam de transformar sua opção de vida em negócio.

Inauguraram, no início de setembro, em São Paulo, o restaurante e empório Vegamo. “O público vai encontrar alimentos tanto pra quem é light, como para quem é junkie. E no nosso empório há desde alimentos até produtos de higiene pessoal e beleza”, diz o ator.

Emiliano conta que sempre teve uma relação afetiva muito forte com os animais, mas achava que explorá-los e comê-los era inevitável, fazia parte da cadeia alimentar e evolutiva do ser humano, que era preciso fazer isso.

“Mas há aproximadamente 3 anos, Natália, minha namorada, assistiu a alguns documentários sobre o veganismo e começou a me falar sobre o assunto. Quando eu fui pesquisar mais a fundo, percebi que eu era um grande alienado, fruto de uma sociedade que não foi educada na ética animal, nem ambiental. Eu me dei conta de que eu não apenas não precisava consumir produtos de origem animal, como não deveria, pois isso só prejudica a vida dos animais, o meio ambiente e a minha saúde”, revela.

Para o ator, a mudança de um hábito pode ser mais difícil do que a mudança de consciência. “Conquistar as pessoas pelo paladar é tão importante quanto conquistar pela informação. Muitas pessoas precisam sentir de fato que é possível e pode ser muito prazeroso ser vegano. E essa é uma das nossas missões.”

Vegamo tem empório com produtos veganos

Vegamo tem empório com produtos veganos

Reprodução

Não há limitações de idade para quem deseja se tornar vegano. O recomendado é buscar orientação de nutricionista especialista nesse público, que irá montar um cardápio ideal para a pessoa. “Tendo uma alimentação balanceada, incluindo cereais, leguminosas, verduras, legumes e frutas, é possível viver com saúde sem explorar animais, a partir de qualquer idade”, garante o pessoal do VegAjuda.

Perifa vegana

Há, entretanto, algumas limitações sociais para quem deseja adotar esse estilo de vida. Nascidos em Campinas e residentes na região de Campo Grande, os irmãos Eduardo e Leonardo dos Santos, gêmeos de 23 anos, são prova disso. Juntos criaram o perfil ‘Vegano Periférico’, que surgiu em outubro de 2017 no Instagram devido a uma necessidade por representatividade.

“Sentíamos que o movimento só falava pra classe média e pra elite, muitas, mas muitas vezes, com palavras em inglês, restaurantes caros, eventos caros, tudo dificultando o acesso da base. Em 2017, eu e o Leo éramos veganos já, aí foi muito espontâneo como surgiu a ideia do perfil: ele estava lendo um livro de sociologia e tinha uma escrita no livro ‘punk periférico’ aí eu olhei pra ele e falei ‘vegano periférico’, na hora ele concordou em fazer uma rede social, sem pretensão de ser uma grande página ou algo do tipo, queríamos apenas mostrar que é possível ser pobre, periférico e vegano”, revela Eduardo.

Por representatividade, os irmãos Eduardo e Leonardo criaram o perfil Vegano Periférico

Por representatividade, os irmãos Eduardo e Leonardo criaram o perfil Vegano Periférico

Reprodução

“Eu me tornei vegano primeiro que o Leo”, conta Edu. “A primeira vez que tive contato com a palavra veganismo foi em grafites nas paredes aqui na região. Mas a primeira vez que cogitei a possibilidade de tirar carnes da minha alimentação foi quando tombou um caminhão com porcos no Rodoanel, aí repercutiu na internet e quando tive contato com vídeos, fotos e ativista falando, eu comecei a me questionar. Se eu amo tanto meu cachorro, nunca faria mal pra ele e não gosto nem de pensar nele sofrendo, porque eu aceito que façam isso com porcos? Aí pronto, comecei a retirar carnes da alimentação”.

As pesquisas dos veganos periféricos continuaram. “Descobrimos que a indústria do leite é mais cruel do que a indústria da carne. Descobrimos que a vaca além de ser inseminada artificialmente pra estar sempre grávida, retiram o bezerro dela logo nos primeiros dias, uma dor terrível pros dois, depois ela é colocada em uma baia e fica por 5 anos sendo explorada para tomarmos leite ou comermos queijo. Não fazia muito sentido isso… aí decidimos parar de vez com leites e derivados.”

Eles garantem que adotar esse estilo de vida para além da alimentação é a parte mais fácil. “Aqui na região é muito fácil encontrar produtos não testados em animais. Nosso sabonete, xampu, desodorante, tudo é sem testes em animais. Alguns produtos é preciso dar uma pesquisada no centro, mas nada de desesperador”, garante Eduardo. Em compensação, na região não existe restaurante vegano.

“Veganismo não é dieta. Existem muitos veganos junk, que se alimentam super mal, mas não consomem nada de origem animal. Porque o veganismo é um ato político que visa o fim da exploração animal.” Eduardo conta que, no começo, quase desisitiu. “Quase deixei de ser vegano por me sentir excluído em um restaurante vegano. O preço era muito alto, os nomes eram estranhos e as pessoas de classe média propagando a causa com camisetas em inglês e isso me deixou muito desconfortável, muito. Foi quando escrevi meu primeiro texto sobre veganismo elitizado dentro do ônibus voltando pra casa.”

Os gêmeos não consomem industrializados, embutidos ou enlatados por escolha pessoal. Quando vêem grandes empresas produzindo hambúrgueres veganos, para eles, não faz sentido. “Somos contra a exploração de animais para gerar lucro, então, quando uma empresa que explora animais produz hambúrguer vegano ela está visando um nicho de mercado e não a libertação animal.”

Para quem tiver interesse em saber mais sobre os impactos da criação animal e consumo de carne, o grupo VegAjuda indica alguns documentários: Dominion (mostra as diversas formas de exploração), Cowspiracy (foca mais na parte ambiental) e What the health (fala sobre os problemas de consumir produtos animais para a saúde). Quem decidir se tornar vegano e quiser ajuda na transição pode se cadastrar no site Desafio 21 dias Sem Carne, onde receberá várias dicas importantes para conseguir entrar de cabeça no veganismo.

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