Estudo mostra que suspensão da linha de telefone roubado ou furtado não impede o funcionamento do aparelho. Além de acessá-lo por rede de wi-fi, os criminosos conseguem mudar o código de identificação para revenda irregular
A ineficiência do bloqueio de celulares após furto ou roubo permite que os aparelhos continuem em circulação no mercado ilegal e em atividades criminosas. Pesquisa do Sindicato Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal (Sinditelebrasil) aponta que, apesar de o usuário solicitar o serviço nas operadoras ou na Polícia Civil, o telefone ainda pode ser usado. Na semana passada, mostramos que 60% dos latrocínios ocorridos em 2018 tiveram o smartphone como motivo do roubo e que o comércio desses produtos sem procedência ocorre a qualquer hora em grandes pontos de movimentação de pessoas, como a Rodoviária do Plano Piloto e o centro de Taguatinga.
O estudo do Sinditelebrasil detalha que celulares bloqueados servem apenas para proteger os dados do dono do aparelho. Mas os telefones continuam em funcionamento e têm apenas a linha suspensa. Dessa forma, o aparelho ainda pode ser usado para acessar a internet e aplicativos, bastando estar conectado a uma rede wi-fi. Entretanto, há criminosos que conseguem burlar esse sistema, mudando o código de identificação. “Tratamos desse assunto junto à Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) e com os fabricantes. Se tivéssemos um bloqueio eficiente dos telefones, teríamos uma redução de roubos, porque restringiria a venda irregular”, afirma Sérgio Kern, diretor da Sinditelebrasil.
Todo smartphone tem uma identificação, chamada de International Mobile Equipment Identity (Imei). Ele tem 15 algarismos e permite que uma pessoa possa usar chips das operadoras nacionais. Após um furto ou roubo, esse código é bloqueado, deixando a linha inoperante, apesar das outras funções se manterem ativas. “O nosso posicionamento sempre foi pela necessidade de reforço da segurança do aparelho na própria fabricação. Hoje, a clonagem e a adulteração do Imei é feita de forma fácil, permitindo que o celular continue no mercado”, ressalta Sérgio.
O diretor do Sinditelebrasil orienta que usuários de smartphones devem deixar o Imei anotado para conseguir, se for o caso, fazer a interdição da linha posteriormente e registrar ocorrência na Polícia Civil. Geralmente, o código fica exposto na caixa do produto ou pode ser consultado pelo próprio celular: basta telefonar para *#06# que o número aparece na tela.
O advogado e músico Altair Henrique Balbino de Siqueira, 32 anos, teve o telefone roubado em julho do ano passado, mas não conseguiu fazer o bloqueio, porque se desfez da caixa e não anotou o Imei. “Estava em Samambaia para buscar um bolo de aniversário. Estacionei o meu carro e desci para pegar a encomenda. Nesse momento, chegou um assaltante armado e pediu o meu celular, a chave do carro e a minha carteira”, conta. Em seguida, a vítima foi à delegacia mais próxima, porém, com a ausência do Imei, não conseguiu fazer uma notificação eficaz. “Dias depois, encontraram o meu carro, mas o smartphone nunca mais foi visto. Consegui passar só o número e o modelo, o que não garante a restituição”, lamenta.
Descuido
Nos primeiros seis meses de 2019, 63.095 celulares foram bloqueados no DF, segundo dados da Anatel. O número é quase o triplo ao ser comparado a igual período do ano passado, quando 20.547 pessoas solicitaram a suspensão da linha. A agência não detalha quantos casos são motivados por crime, no entanto, informa que quase 20% das notificações deste ano — 12.419 — foram feitas por meio da Secretaria de Segurança Pública. De janeiro a junho de 2018, a pasta contabilizou 4.560 casos, aumento de mais de 170%.
De acordo com a pesquisa, quatro pontos para amenizar a situação poderiam ser implementados. Uma delas é maior fiscalização na comercialização de celulares, que ocorre praticamente de forma livre, principalmente na internet. Outras soluções abordadas pelo estudo são a melhoria no processo de fabricação para evitar adulteração do Imei, mais rigidez no processo de importação — celulares estrangeiros não têm registro na Anatel — e, principalmente, conscientizar a população sobre a compra de aparelhos de segunda mão, sem garantias de procedência.
Os dados do Sinditelebrasil ainda mostram que 48% das pessoas que tiveram o telefone roubado ou furtado registraram ocorrência; 55% pediram o bloqueio do chip e do aparelho; 21%, só do chip; e 6%, do celular. A pesquisa também lista ineficiências no processo.
Ao ter o smartphone furtado, a advogada Verônica Aragão Sanches, 39, seguiu o procedimento padrão e espera recuperar o aparelho. Ela estava em um festival de música no Parque da Cidade quando sofreu o crime. “O celular estava na minha bolsa, e eu estava de olho o tempo todo. Porém, durante um show, me descuidei por um segundo e o levaram”, reclama. Verônica estava com um grupo de amigos, mas nenhum percebeu a ação do criminoso. “Fiquei muito chateada. Assim que cheguei em casa, fui à delegacia, registrei ocorrência e fiz o bloqueio do Imei. Apesar disso, até hoje, nunca o encontraram”, diz.
Procedência
Agentes da Polícia Civil solicitam o bloqueio do Imei no momento em que a vítima registra ocorrência — em caso de furto, a denúncia pode ser feita pelo site da Polícia Civil, mas a suspensão da linha só ocorrerá se a vítima informar o Imei. “A corporação faz uma interface com a Anatel e encaminha esse pedido via ofício, que é atendido rapidamente”, revela o delegado André Luis Leite, titular da Coordenação de Repressão aos Crimes Patrimoniais (Corpatri).
De acordo com o investigador, ter a identificação do celular anotada é essencial para agilizar o trabalho dos policiais e facilitar a restituição da vítima, em casos de apreensão. “Muitos pensam que não vão ser restituídos e deixam de ir à delegacia. Porém, a partir dessa notificação, a gente consegue ter conhecimento do aumento de roubos. A partir disso, pode ocorrer o direcionamento de policiamento ostensivo da PM e de ações investigativas da Polícia Civil”, detalha.
Segundo André Luis, o celular tornou-se um objeto muito cobiçado por ter rápida venda no mercado irregular e pelo valor elevado, mesmo na revenda. “É importante ressaltar que as pessoas que comercializam smartphones sem procedência fomentam o crime. Podemos observar que os criminosos se especializam nessa prática cada vez mais”, alerta.
Crime frequente
Celulares bloqueados no Distrito Federal*
Ano – 2018 – 2019
Total – 20.547 – 63.095
Variação – 207%
*Os dados são referentes ao primeiro semestre de cada ano
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