Inteligência emocional em sala de aula

A dois meses da aplicação do exame, é hora de conter a ansiedade e não perder a cabeça com pensamentos negativos. Mas como? Psicólogos e estudantes ressaltam a importância do cronograma correto e de uma rotina que inclua hobbies e exercícios

 

Faltam pouco mais de dois meses para a aplicação da primeira prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2019. Para ser mais preciso, apenas 62 dias.  Quem vai enfrentar a maratona de questões, estes são dias nos quais o relógio corre mais rápido e a ansiedade cresce na velocidade dos primeiros desafios da vida adulta. O relatório mais recente do Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (Pisa) demonstra que 81% dos jovens no Brasil se declaram ansiosos antes de uma grande prova, deixando o país no segundo lugar do ranking mundial. No quadro geral, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), já somos o país mais ansioso do mundo (9,3% da população sofrendo com o problema).
Candidatos ao Enem: dias de planejamento para não perder a cabeça no momento decisivo(foto: Clara Lobo/Esp. CB/D.A Press )
Candidatos ao Enem: dias de planejamento para não perder a cabeça no momento decisivo(foto: Clara Lobo/Esp. CB/D.A Press )
Mas calma lá. Inteligência emocional também se aprende e, debaixo de toda emoção negativa, há um pensamento a ser retrabalhado. Com os estudos em dia, cronogramas de planejamento e a devida atenção aos aspectos socioemocionais, especialistas garantem que é possível alcançar  bom resultado sem se desfazer em agitação, insegurança e medo daquele “branco” na hora mais importante. Os alunos hesitam em demonstrar a mesma garantia, mas vão montando as estratégias para não perder a cabeça no desafio mais importante do ensino médio.

Apreensão aumenta

O imaginário em torno do exame continua crescendo, acredita Fernando Elias José. Psicólogo especialista em psicologia cognitivo-comportamental, ele nota que nunca foi tão grande a apreensão dos candidatos. “O Enem, hoje em dia, está com um grau de cobrança muito maior, o que se reflete na insegurança dos candidatos. Quando comecei a trabalhar na área, não era tão forte o impacto. O aluno está mais ansioso do que há 10 anos”, diz.
Luana Delgado:
Luana Delgado: “Ritmo diferente no cursinho”

“Cada jovem tem uma ansiedade particular”, observa Camila Cury, psicóloga e presidente da Escola da Inteligência. “Mas é muito comum, entre os alunos do ensino médio, a pressão e o receio do fracasso. Toda vez que nós temos medo e fracasso, nossa inteligência é comprometida. O gatilho vem do medo de errar, da reprovação social e da família.”

A trajetória de Luana Delgado, 19 anos, aluna do curso Exatas, é prova disso. Ela vem fazendo o exame desde 2017, quando ainda estava no ensino médio, mas a sensação de “agora é para valer” cresceu muito em 2018. “Isso aconteceu porque saí da escola e foquei só no cursinho. Foi uma situação que me assustou muito no começo, porque o ritmo era diferente, tinha conteúdo que os professores assumiram que a gente já sabia e ia ter revisão”, lembra. “Algumas vezes, eu não sabia e tinha vergonha de perguntar.”
Ueslli Dias se organiza diariamente:
Ueslli Dias se organiza diariamente: “Revisão e exercícios à tarde”

Ueslli Dias, 19, acrescenta como agravantes as inseguranças quanto a mudanças no conteúdo. As trocas de comando do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), órgão responsável pelo exame, geram apreensão no estudante. “Este ano, eu tenho uma grande expectativa de que a prova possa vir um pouco mais difícil e diferente da metodologia de antes por causa do governo. Eles podem criar uma prova mais conteudista e nos surpreender”, analisa ele, que faz cursinho em busca de vaga em medicina. A princípio, não há motivos para alarde, visto que as questões vêm de um banco de dados criado e testado com antecedência, mas o volume de informações desencontradas fala mais alto. “Com falta de segurança de como será o exame este ano, vêm a ansiedade e a reocupação”, diz Fernando Elias José.

Oportunidades em jogo

Maria Theresa de Assis, 20, faz o Enem desde 2016. De lá para cá, a experiência a ensinou a dar a proporção correta aos problemas. “A ansiedade está grande, mas a confiança também está elevada. Neste ano, penso que estou mais calma. A experiência mostrou que a pressão que colocamos em nós mesmos não leva a nada”, diz. “As amizades que criei no cursinho também me ajudam muito”, completa.
“É muito comum, entre os alunos que estão passando por essa fase pré-Enem, a apresentação de sintomas como perda do sono, inquietação e dificuldade de concentração. O aluno começa a estudar, mas a atenção vai embora. Lê uma página e começa a não entender nada em função do pensamento hiperacelerado, o que leva à necessidade de novas leituras”, explica Camila Cury.
A pressão traz, explica ela, grandes descargas de cortisol, o hormônio do estresse. “O excesso de cortisol aumenta no adolescente a agressividade, o tom de voz, a impaciência. Há também aqueles que se isolam. É fundamental pais e professores os ajudem a entender por que eles estão assim e como podem desenvolver ferramentas de gestão da emoção para melhor rendimento”, diz Cury.
“Neste momento, há muitas oportunidades em jogo. O estudante terá que administrar a emoção para não ceder às pressões”, diz Aline Rodrigues, psicóloga educacional do grupo Bernoulli. São anos de estudos concentrados em poucas horas. “A partir do momento que o candidato entende que essa prova não o define, ele começa a desenvolver um resultado positivo.”
“A percepção sobre o Enem mudou, assim como o mercado de trabalho. As pessoas são formadas em uma área e acabam diversificando, indo para outras profissões. Então, a visão de que a escolha do curso será o decreto final da minha trajetória pessoal tem mudado bastante”, acrescenta Cury.
Fernando Elias José parte do princípio de que toda emoção tem um pensamento por trás. “A gente pensa e gera emoções o tempo todo. Não é possível modificar uma emoção puramente, mas pode-se mudar o pensamento. Se você está ansioso, está ansioso por quê? Há algo na mente que está te levando a isso.”


Planejar e não pirar

Aline Rodrigues ressalta que a autogestão do tempo e da rotina é ferramenta fundamental no trabalho emocional. “O aluno está se preparando para essa prova há muito tempo. Então, mostramos a ele que, a partir do momento que essa competência de gestão está bem-feita, ele tem autoconfiança para seguir”, diz. “Ter boa base, rotina e gerenciamento do tempo é fundamental”, concorda Camila Cury.
Professor de química e coach do curso Aprovação 360º, Gilberto Augusto junta a isso o controle do desempenho, outro fator de diminuição da ansiedade. Para tanto, ele trabalha com seis indicadores-chave de desempenho: o quanto, quando, onde, por onde, o que e como se estuda. “O primeiro diz respeito à meta diária de estudos que você vai seguir, que não deve ser pequena nem excessiva. Tem gente que estuda além da conta, o que termina abalando a pessoa e fazendo o rendimento cair. O candidato chega doente e desestruturado.”
O indicador “quando” diz respeito ao cronograma. “Tem que estudar todo dia, levando à consistência. Aos sábados, faça simulados ou resolva questões de anos anteriores. Aos domingos, volte a elas para correção. É hora de estudar mais o que você não sabe.”
João Marcos Rodrigues, 21, estuda de segunda a sábado e, para não se perder, defende o princípio de que “matéria dada é matéria estudada”. “Foco o que foi passado no dia e nas matérias a serem revisadas.”
“Também me organizo a partir do que foi dado no dia. Se vejo matemática e física pela manhã, à tarde reviso o conteúdo e faço exercícios a respeito”, exemplifica Ueslli Dias.
Para controle de desempenho, ciclos contínuos de revisão e simulados também são um grande aliado. “Simulado é o momento em que o aluno vai lidar diretamente com o que está em jogo. Fazê-los aumenta a autoconfiança”, diz Aline Rodrigues. Se o aluno não tem simulado em sua escola ou estuda por conta própria, a dica da psicóloga é pegar prova dos anos anteriores e cronometrar em casa o tempo gasto. “Isso funciona muito bem. À essa altura, bate um cansaço, mas assim os alunos têm uma leitura boa do que é o Enem, o que traz mais serenidade.”


Um espaço de paz e uma mente tranquila

Nem só de estudos vive a preparação ideal para o exame. Nesta reta final, vale também guardar um tempinho para a saúde e a convivência com família e amigos. “É fundamental que os alunos tenham uma rotina de gestão da emoção quanto aos relacionamentos, de sono e da alimentação”, afirma Camila Cury.
É hora de botar a cara ao sol, respirar um pouco e fazer algum exercício ao menos duas vezes por semana. “O exercício libera dopamina e serotonina,  hormônios do prazer e do relaxamento, que geram maior produtividade na hora do estudo. O cérebro fica mais preparado para a assimilação”, explica. “Respire fundo e segure o ar quando estiver ansioso. Isto oxigena o cérebro, e diminui o nível de cortisol. Gerencie a ansiedade e pense: por que estou assim? Como posso criar um ambiente favorável para que isso não aconteça?”
Sem válvulas de escape, jovens desta geração passam pela síndrome do pensamento acelerado, segundo Camila Cury. “Um aluno tem que se preocupar tanto com a qualidade quanto com a velocidade de seu raciocínio”, diz. Vale também buscar amparo na família e em narrativas de superação. “Procure histórias de pessoas que fracassaram no primeiro momento, mas conseguiram depois.”
Maria Theresa de Assis conseguiu vaga em enfermagem, mas o que queria mesmo era medicina. A decisão de largar o curso e voltar aos vestibulares provocou apreensão em casa e a jovem buscou especialistas. “Fiquei nervosa e procurei terapia”, diz. “A família é essencial neste momento. O candidato deve entender que fez o seu melhor e só deve satisfação a si mesmo. É hora de fechar o ciclo e notar o seu crescimento”, diz Aline Rodrigues.
Gilberto Augusto aponta ainda a importância de um ambiente saudável de estudos. “O candidato precisa encontrar um espaço que não tenha elementos distrativos.” Um bom ciclo de amigos fora e dentro de sala de aula também são aliados. “Aproveito o convívio com os colegas, não os enxergando como adversários”, diz o estudante João Marcos.
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