Em 2019, casos de feminicídio crescem 10% em relação ao ano passado

Dois casos aumentam as estatísticas de mulheres assassinadas no DF por questão de gênero, reforçando 2019 como o ano com mais mortes desde que a tipificação começou a ser monitorada. Crimes ocorreram em Vicente Pires e no Sol Nascente

 

 

Os números de feminicídios continuam a subir no Distrito Federal. Em 2019, são 32 casos confirmados, superando, em 10,3%, o ano passado, que terminou com 29 ocorrências. Nas últimas 24 horas, a Polícia Civil confirmou a tipificação em dois casos em apuração: de Sandra Moraes, 39 anos, morta pelo irmão; e Gláucia Sotero, 45, assassinada pelo ex-companheiro. Ambas foram enforcadas.
Segundo investigação da 38ª Delegacia de Polícia (Vicente Pires), a cabeleireira Sandra Moraes foi estrangulada pelo irmão Danilo Moraes com um fio de conexão de internet, na noite do último sábado, e enterrada em um terreno baldio, no Assentamento 26 de Setembro. Até o fechamento desta edição, Danilo seguia foragido. O corpo foi encontrado na tarde de segunda-feira, depois que o filho da vítima, Brendo Sousa Moraes, 21, mostrou o local aos investigadores. Ele ajudou o tio a esconder os restos mortais da mãe e está preso preventivamente por ocultação de cadáver.
A polícia soube do caso quando a filha de Sandra foi até a delegacia na manhã de segunda-feira. Ela contou que o tio mandou uma mensagem, sábado, dizendo que as visitaria. Chegando lá, por volta das 20h30, chamou a irmã para sair. Cerca de 45 minutos depois, eles deixarem a residência, Danilo voltou mais tarde e contou à sobrinha que a mãe dela havia morrido ao cair em um buraco. “Ele disse que buscariam dinheiro em uma mala escondida em um buraco. Ao tentar pegar a bolsa, ela teria caído, batendo a cabeça”, contou o delegado Yuri Fernandes, chefe da 38ª DP.
Para evitar que a jovem dissesse algo, Danilo ameaçou matá-la. Em seguida, ele teria molestado a moça e a mantido em cárcere privado na casa onde o acusado mora com a mulher, grávida de 8 meses, e os filhos, no Assentamento 26 de Setembro. Dois dias após o crime, a filha da vítima conseguiu fugir e fazer a denúncia. Os policiais, então, seguiram para a casa de Danilo, que, ao ver a aproximação dos agentes, correu para uma área de mata. Brendo mostrou o local onde o corpo estava enterrado.
Danilo é procurado pela Justiça do Maranhão. Ele cumpria pena no presídio de Pedrinhas pelo estupro e assassinato de uma mulher, mas escapou da cadeia. A família dele veio ao DF a convite de Sandra. O motivo do crime ainda é investigado. Entre as hipóteses está a venda e compra de lotes no assentamento em um esquema de grilagem feito por Danilo. A polícia apura se Sandra estava envolvida. “Sandra pode ter tentado interferir de alguma forma nessa atividade, mas a motivação pode ter sido outra também”, disse Yuri.

Vingança

O delegado Maurício Iacozzilli, chefe da 23ª Delegacia de Polícia (P Sul), confirmou que o inquérito sobre a morte de Gláucia Sotero da Silva, 45, também será concluído como feminicídio. Bruno Rodrigues Vidal, 30, ex-companheiro da vítima, é acusado de matá-la ao não aceitar o fim do relacionamento. O crime ocorreu na casa dela, no Sol Nascente, em 15 de novembro. “O filho dela, de 9 anos, viu tudo e confirmou o enforcamento. Além disso, havia a suspeita da vingança”, explicou o delegado.
Gláucia e Bruno estavam separados desde 2017, quando ele foi preso por tentativa de homicídio contra outra pessoa. À época do assassinato de Gláucia, a vítima namorava. Para se vingar, o então companheiro dela, até o momento identificado apenas como Edilson Hugo “Pezão”; o filho dela, Marcelo Sotero Rocha Cardoso, 20 anos, e um sobrinho, Lauro Vítor Sotero, 19 anos, executaram Bruno, que estava em liberdade.
No dia seguinte à morte da mãe, Marcelo atirou contra Bruno, segundo a investigação. Desde então, ele e Edilson não foram mais encontrados. A Polícia Militar localizou Lauro com um revólver calibre 38. Ele passou por audiência de custódia e está detido preventivamente.
Após ouvir o secretário de Segurança Pública, Anderson Torres, a Câmara Legislativa segue com a agenda da CPI do Feminicídio. As próximas sessões estão marcadas para 2 e 9 de dezembro. Ainda serão ouvidos a secretária da Mulher, Ericka Filippelli, e o diretor-geral da Polícia Civil, Robson Cândido da Silva. Após os depoimentos, será feita uma audiência pública com especialistas na temática.

Onde procurar ajuda

Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência 
Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República. Telefone: 180 (Disque-denúncia)
Centro de Atendimento à Mulher (Ceam)
Atendimento de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h 102 Sul (Estação do Metrô), Ceilândia e Planaltina
Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam)
Entrequadra 204/205 Sul Telefone: 3207-6172
 
Ministério dos Direitos Humanos
Disque 100
Programa de Prevenção à Violência Doméstica (Provid) da Polícia Militar
Telefones: 3910-1349 e 3910-1350

Três perguntas para 

Rejane Jungbluth Suxberger, juíza de violência doméstica de São Sebastião:
Sobe cada vez mais o número de feminicídios no DF. O que é possível fazer para mudar essa realidade?
O primeiro ponto que deve ser trabalhado são as políticas públicas. Existe uma dificuldade muito grande de inserir as mulheres no sistema de proteção. A gente não tem uma política pública eficaz de atendimento e, muitas vezes, elas acabam dentro do círculo da violência exatamente porque não têm mecanismos para sair. A outra questão são os atendimentos no sistema de saúde. Hoje, o encaminhamento de uma mulher para psicólogos da rede é difícil. Em São Sebastião, não há um núcleo de atendimento do poder Executivo que possa receber essas mulheres e acompanhá-las.
 
Ainda há medo da denúncia por parte da vítima?
Sim, porque a violência doméstica, muitas vezes, é um grande segredo. E, quando se revela, ainda existe muito a cultura de não se intrometer, porque todo casal briga. Essa questão estereotipada das relações reforça a violência. Se a gente tivesse uma política pública eficaz, na qual a gente pudesse dar suporte e acolhimento, seria mais fácil a denúncia. A gente não pode só pedir que ela denuncie. O Estado precisa estar aparelhado para receber essa denúncia e encaminhar essa mulher para o atendimento.
Ao identificar os primeiros sinais de violência, como a vítima deve proceder?
A violência doméstica começa sorrateira e, muitas vezes, é confundida com amor. Existe um vínculo muito forte entre o casal e, na maioria das vezes, ela tenta achar uma justificativa para aquilo, porque a gente vive situações estereotipadas do papel do homem e da mulher. O amor acaba sendo usado como desculpa para que a violência aconteça. Aos primeiros sinais, a mulher tem de procurar ajuda para sair desse relacionamento abusivo. Não só do sistema de Justiça, mas da própria rede de proteção, isto é, amigos e família.

A importância da mídia contra o ódio

É preciso mudar. Especialistas que estudam as mais diversas formas de violência contra as mulheres, além das vítimas desses crimes, concordam que a sociedade não pode continuar com o mesmo comportamento. Somente neste ano, 30 mulheres morreram assassinadas no Distrito Federal por causa do gênero. Além disso, entre janeiro e outubro, a capital registrou 13 mil agressões contra elas e 524 estupros, segundo a Secretaria de Segurança Pública. Para discutir como o DF pode transformar esse cenário, o Correio, em parceria com Comitê Permanente de Promoção da Equidade de Gênero e Raça do Senado Federal, promove o 1º Colóquio de Violência de Gênero e Mídia.
O evento será realizado nesta quinta-feira (28/11), durante a semana do Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra as Mulheres — a data instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU), ocorrido no último em 25. Após a mesa de abertura, dois painéis discutem questões de gênero na comunicação. Às 10h, tem início o debate “Mídia e a reprodução dos estereótipos de gênero”. E, às 11h30, a discussão “Feminicídio e a culpabilização da vítima: problema da mídia?”. Jornalistas, acadêmicos, membros do Senado e formadores de opinião participarão do encontro. O colóquio é aberto ao público.
Doutora em comunicação, Isabel Clavelin acredita que é necessário dar luz ao tema de forma responsável. “A visibilidade é crucial para que os crimes possam ser conhecidos pela sociedade e pelas autoridades para que a gente não tenha um sentimento de impunidade. Nos últimos anos, a mídia tem tido um papel muito importante, se qualificando e abordando o tema de forma mais realista, saindo do lugar comum de culpar as mulheres”, explica a pesquisadora e professora.
Uma das representantes do Correio presente no colóquio será a editora de Opinião, Dad Squarisi. “Os jornalistas divulgam as situações de violência e mostram os caminhos a seguir. Muitas mulheres que são vítimas acabam sendo pessoas simples, que desconhecem os recursos que podem apelar. Pela mídia, elas sabem de proteções, como as delegacias especializadas, as casas de abrigo, o disque-denúncia e mais”, conta.

Programe-se

1º Colóquio de Violência de Gênero e Mídia 
Em 28 de novembro, das 9h às 13h, no auditório do Correio Braziliense (SIG Quadra 2, nº 340). Entrada gratuita. Inscrições pelo site www.correiobraziliense.com.br/eventoscb. Vagas limitadas.
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