DF: servidores brigam com unhas, dentes e números contra privatizações

Sindicatos questionam dados de endividamento ou déficit das empresas públicas na fila para serem entregues à iniciativa privada

 

Uma das apostas do Governo do Distrito Federal (GDF), a ideia de privatizar ou conceder as estatais não agrada os sindicatos. Representantes dos servidores públicos contestam os argumentos utilizados pela atual gestão para abrir mão das empresas, como a existência de grandes dívidas e os déficits gerados pela CEB Distribuição – subsidiária da Companhia Energética de Brasília (CEB) –, a Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb) e a Companhia do Metropolitano do DF (Metrô-DF). A fim de dificultarem ao máximo as medidas, as entidades sinalizam que vão brigar, com unhas, dentes e números.

A CEB Distribuição é a prioridade da vez. O secretário de Desenvolvimento Econômico, Ruy Coutinho, disse que a empresa está “em situação sensível” e pontou o que é reafirmado pelo governador Ibaneis Rocha (MDB): a estatal corre o risco de perder a concessão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). “Temos absoluta convicção de que não tem outra saída. É um buraco de R$ 1 bilhão”, afirmou o secretário.

De acordo com a empresa, o endividamento até março de 2019, quando houve a última divulgação dos dados financeiros, é de R$ 1,1 bilhão. Do total, R$ 240,5 milhões referem-se a empréstimos e financiamentos e R$ 246,8 milhões a debêntures, títulos de dívida emitidos para captação de recursos.

Coutinho afirmou que o GDF elegeu as três empresas passíveis de privatização para “destravar a economia e colocar o DF em linha com a modernidade”. Agora, o GDF negocia com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) um acordo de cooperação técnica para o planejamento inicial de desestatização, além de um contrato de prestação de serviço a fim de delinear a modelagem de venda e apontar o preço das estatais. “É momento de fazer isso, mas com tranquilidade. As vendas apressadas, apenas para combater o déficit, pode virar até mesmo um desperdício”, ponderou.

Contestação

Diretor do Sindicato dos Urbanitários (STIU-DF), João Carlos Dias questiona os dados apresentados pela atual gestão. “A empresa faz uma soma, coloca tudo isso e apresenta para a sociedade como se fosse dívida de curtíssimo prazo, mas nada é de curto prazo. Algumas coisas já foram resolvidas neste exercício”, ressaltou, referindo-se a débitos com fornecedores de energias, calculado oficialmente em R$ 240,7 milhões.

Na avaliação do dirigente sindical, seria possível resolver o endividamento com a cobrança do que a empresa tem a receber de clientes, cerca de R$ 650 milhões, e a venda de imóveis, no valor de R$ 400 milhões. Outra solução apontada por ele seria a alienação das ações da CEB Holding em geradoras de energia.

A companhia disse, em nota, que as estratégias mencionadas não teriam a liquidez necessária para equilibrar o caixa. A empresa sustenta que as contas em atraso de consumidores são de difícil recebimento. “Alguns desses grandes devedores entraram na Justiça para questionar as dívidas e outros faliram. A CEB tem um programa permanente de cobrança, mas não pode considerar nas suas contas esses recebíveis como líquidos e certos”, acrescentou. Sobre os imóveis, afirmou que não há garantia de venda em curto prazo pois depende das condições do mercado.

MICHAEL MELO/METRÓPOLESMichael Melo/Metrópoles
GDF prioriza venda da CEB Distribuição. A subsidiária da Companhia Energética de Brasília (CEB) tem dívida de R$ 1,1 bilhão

A Aneel frisou, em nota, que acompanha a situação financeira da CEB. “Existe cláusula no contrato de concessão renovado em 2015 a qual prevê, no caso da distribuidora não cumprir metas de qualidade ou financeiras por dois anos consecutivos, suspensão da concessão, respeitando-se o amplo direito de defesa.”

Caesb

A diretoria da Caesb recebeu a determinação para elaborar estudos visando terceirização, abertura de capital e eventual transferência de controle acionário. O endividamento reconhecido é de R$ 1,3 bilhão, dos quais R$ 818,4 milhões são de capital de giro e empréstimos para investimento com pagamento a longo prazo. Há, ainda, R$ 372,1 milhões oriundos do Plano de Demissão Voluntária (PDV).

Para o diretor do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria da Purificação e Distribuição de Água e em Serviços de Esgotos do Distrito Federal (Sindágua-DF) Igor Pontes, contudo, tais informações não são repassadas de forma correta à sociedade. “Essa questão de rombo, contabilmente falando, do jeito que está colocada, não é honesta. A maior parte dos recursos é de PDV, para reduzir custos, ou é investimento para melhoria da empresa e obras“, assinalou.

A Caesb também pontua que quase toda a arrecadação está comprometida com despesas correntes, como folha de pagamento, energia elétrica e produtos químicos usados para tratamento da água. “Não deixa margem para ampliar seus investimentos”, ressaltou a estatal.

Michael Melo/Metrópoles
Endividamento da Caesb é de R$ 1,3 bilhão, segundo a companhia

Assim como a CEB, a Companhia de Saneamento Ambiental tem dinheiro a receber de clientes. Segundo o balanço de 2018, o valor é de R$ 550,2 milhões, ou quase R$ 2 bilhões se “devidamente corrigidos”. “A Caesb toma uma série de medidas para cobrar: ações judiciais, cortes, mutirões de cortes e protesto de títulos. Só com essa última modalidade, por exemplo, recuperou R$ 42 milhões de agosto do ano passado até agora”, disse. O sindicato, porém, afirma que o saldo é de R$ 782,1 milhões, desconsiderando perdas.

Metrô

O Diário Oficial do Distrito Federal (DODF), em 22 de julho, trouxe a autorização formal para que se iniciem estudos de viabilidade para concessão de gestão, operação e manutenção do Metrô-DF. Embora não tenha dívidas, de acordo com a assessoria de imprensa, a empresa pública é dependente do tesouro da capital da República. No ano passado, 58% das despesas correntes precisaram de aportes do Executivo local.

Uma eventual expansão do transporte para a Asa Norte custaria R$ 1,9 bilhão, em valores de 2015. Novos trens sairiam por mais R$ 311 milhões. Não haveria como fazer tais investimentos, e o governador Ibaneis tem alegado dificuldades de operação.

No entanto, segunda a diretora de comunicação do Sindicato dos Metroviários do DF (Sindmetrô-DF), Renata Campos, a conta não bate. “Após privatização, a empresa vai assumir esse prejuízo? A justificativa não faz sentido”, frisou.

DANIEL FERREIRADaniel Ferreira/Metrópoles
Para o Metrô-DF, estuda-se concessão à iniciativa privada
Avaliação

Professor do Departamento de Ciências Contábeis da UnB, Roberto Bocaccio Piscitelli avalia que os déficits não podem ser, por si só, pontos negativos que inviabilizem a atuação de uma empresa. “Não há como dizer, a priori, que é preciso vender porque tem dívida de tanto. Não sei quais são os investimentos e quais são os retornos que podem ser mais do que suficientes para pagar”, assinalou.

Para o cientista político e docente de direito administrativo do Centro Universitário de Brasília (UniCEUB) Edvaldo Fernandes, é preciso debater o assunto com a sociedade de forma ampla. “O governo cometeu um erro grave ao propor mudança no Passe Livre antes de discutir a questão com a sociedade. Depois, foi obrigado a voltar atrás”, lembrou.

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