Com efeito da pandemia, PIB do 1º trimestre recua 1,5%

Fechamento de indústrias e comércio após a adoção de medidas de isolamento social, a partir da segunda metade de março, afetou tanto a produção quanto o consumo das famílias

RIO – A pandemia de covid-19 atingiu em cheio a economia brasileira apenas nos últimos 15 dias do primeiro trimestre, a partir de meados de março, mas foi o suficiente para o Produto Interno Bruto (PIB) encolher 1,5% na comparação com o quarto trimestre de 2019, informou o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nesta sexta-feira, 29. Foi a primeira retração desde que a economia brasileira saiu da recessão, no início de 2017.

Já esperada por analistas – que também projetavam um recuo de 1,5%, conforme pesquisa do Projeções Broadcast -, a queda deve ter sido apenas o primeiro passo do novo ciclo recessivo, já que o levantamento apontava, antes de o dado do primeiro trimestre ser conhecido, para um tombo de 11% neste segundo trimestre, levando o PIB de 2020 encerrar 6,05% abaixo do de 2019, na maior queda anual da história.

Com a adoção das primeiras medidas de isolamento social a partir da segunda-feira, 16 de março, um cenário de shopping centers e restaurantes fechados, aeroportos vazios, grandes cidades sem engarrafamentos e cinemas às moscas apontava para uma economia parada, numa crise sem precedentes. Desde então, economistas vêm explicando que a crise é inédita porque derruba, em todo o mundo ao mesmo tempo, e com efeitos em cadeia, tanto a oferta de trabalho, afetando a produção, quanto a demanda, ou seja, a capacidade das famílias para consumir.

Essa derrubada simultânea da oferta e da demanda foi vista nos dados do PIB do primeiro trimestre. Pela ótica da oferta, a indústria caiu 1,4% em relação ao quarto trimestre, enquanto o setor de serviços, que responde por 74% da economia, encolheu 1,6%. A alta de 0,6% no PIB da agropecuária, que pesa pouco no total, foi insuficiente para fazer a atividade econômica como um todo avançar.

“A agropecuária parece inerte à pandemia até agora, considerando também o segundo trimestre, com demanda forte da China”, afirma o economista Vitor Vidal, da XP Investimentos.

No lado da demanda, o consumo das famílias, componente de maior peso no PIB, encolheu 2% em relação ao quarto trimestre de 2019. De um lado, o isolamento social impediu, imediatamente, as pessoas de saírem para consumir. Por outro lado, o movimento tende a perdurar, à medida que

empresas que viram seu faturamento tombar demitam mais e mais. Apenas no acumulado de março e abril, foram fechadas 1,1 milhão de empregos formais. Quando se considera também o trabalho informal, 5 milhões já perderam o emprego até abril.

“É uma recessão muito forte, com queda de 7% no PIB (do ano) e desemprego de 16% a 18% (no fim do ano). Parou a economia, não tem jeito”, afirmou José Márcio Camargo, economista da Genial Investimentos e professor da PUC-Rio.

Para mitigar os efeitos da recessão, desde o aprofundamento da crise, em março, economistas vêm concordando que o governo federal tem que gastar mais em medidas de apoio à renda das famílias, de ampliação do crédito e de apoio às empresas, pelo menos temporariamente.

As divergências estão em torno da necessidade, ou não, de se ajustar o modelo de política econômica do ministro da Economia, Paulo Guedes. Muitos são contra a ideia, especialmente os economistas que não veem espaço para ampliar os investimentos públicos, posição predominante no mercado financeiro.

Para Camargo, da Genial, a elevação de gastos para enfrentar a covid-19 deve ser temporária, ainda que a recuperação da economia após a retração no primeiro semestre seja lenta. Por causa da burocracia e dos controles do Tribunal de Contas da União (TCU), levaria pelo menos dois anos para investimentos públicos saírem do papel e não há espaço para isso no Orçamento.

Por isso, passado o pior da pandemia, é preciso voltar à agenda de reformas e de corte das despesas públicas, com manutenção do teto. Segundo Camargo, com reformas como a administrativa do Estado e a tributária, além de mudanças regulatórias na infraestrutura, como a aprovação do novo marco do saneamento básico, os investimentos privados virão. “Ainda tem dinheiro sobrando no mundo. Tem mais ainda com a crise. Se tiver oportunidades (no Brasil), vai ter investimento (estrangeiro)”, afirmou Camargo.

O abandono da agenda de reformas e a elevação de gastos, mesmo com investimentos, faria o crescimento do endividamento público seja visto como “insustentável”, o que aumentaria a desconfiança de investidores do mercado, elevando as taxas de juros cobradas nos títulos da dívida, deixando o dólar ainda mais caro e trazendo inflação, o que tenderia a estender a recessão, disse Camargo.

Na mesma linha, Alberto Ramos, diretor de pesquisas para a América Latina do banco Goldman Sachs, vê os temores em relação à dinâmica de gastos públicos e endividamento como um dos motivos para investidores estrangeiros ficarem de fora do País.

“Vemos o País numa situação muito complicada, com uma queda do PIB de 7% a 8% neste ano. E há bastante preocupação com a parte fiscal, que já estava numa situação muito frágil. Foi perdido muito tempo e não foram aprovadas as reformas”, afirmou Ramos, em entrevista ao Estadão/Broadcast.

Por outro lado, há economistas defendendo o aumento dos investimentos públicos. Para Raul Velloso, consultor econômico especializado em finanças públicas, a crise imporá ao governo Jair Bolsonaro uma mudança no modelo de Guedes – “pró-redução” da dívida pública e “anti-investimento público”, baseado na redução do peso do Estado e na atração de capital privado, especialmente o externo, para fazer investimentos. “É hora de mudar o modelo, ponto. Se antes já havia razões para isso, agora tem mais”, diz o consultor.

Professor da Universidade de Brasília (UnB), o economista José Luís Oreiro também não vê saída para enfrentar a recessão fora do aumento dos investimentos públicos. Com comércio internacional em baixa por causa da covid-19 e a imagem do País arranhada por crises políticas e pelo enfrentamento errático da pandemia, não haverá impulso das exportações nem de investimentos estrangeiros. Com falência generalizada de empresas e o endividamento das que sobreviverem, tampouco haverá investimento privado, enquanto o desemprego elevado deverá seguir inibindo o consumo.

“Por exclusão, só nos resta o investimento público. Ou é isso ou nada. Vamos passar uma década estagnados”, afirmou Oreiro. / COLABORARAM RICARDO LEOPOLDO, THAÍS BARCELLOS E CÍCERO COTRIM

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