Alunas da UnB desenvolvem estudos sobre questão racial no país

As pesquisas têm foco na produção de conhecimento e reparação de lacunas históricas

 

Ser uma mulher negra na sociedade contemporânea é um desafio enorme. Enfrentar a academia pode ser mais difícil. Nas universidades brasilienses, estudantes negras de diversas áreas produzem conhecimento de alto nível, sem deixar de lado as origens, a identidade e o engajamento. Ciência com consciência é o que quatro jovens negras, entrevistadas produzem.
A estudante de mestrado Ísis Higino, de 26 anos, começou a se interessar por pesquisa logo no começo da graduação em relações internacionais, na Universidade de Brasília (UnB). A militância no Centro Acadêmico a levou à busca científica por entender seu lugar no mundo. Ainda na graduação, tratou sobre temas como violência de gênero em situações de conflito e desastre, a situação das trabalhadoras domésticas no contexto internacional, e os conflitos de raça e gênero na região da Nigéria, onde 100 meninas foram sequestradas pela organização fundamentalista Boko Haram, além de fundar, com colegas, o grupo de estudos independente Lacri (Laboratório de Estudos Afrocentrados em Relações Internacionais).
“Não havia referência de autores negros sobre o tema. A gente fazia essa curadoria de textos e de autores”, conta a estudante, cujo trabalho de conclusão de curso foi sobre refúgio e direitos humanos para pessoas negras, e chegou a uma triste conclusão: “Não existem espaços seguros para os negros. A ‘branquitude’ é um problema mundial”. Atualmente, no mestrado, pesquisa sobre políticas públicas de gênero, raça e sexualidade.
Panafricanista, Ísis considera o discurso da neutralidade um reflexo da hegemonia branca. “Apesar de falarem de forma jocosa que pesquisadores negros fazem militância, e não pesquisa, eu parto desse lugar de não me entender neutra em um processo e falar em primeira pessoa. Não se trata de fazer um trabalho com um viés negro. O meu trabalho já é negro”, explica.

Suprindo ausências

Nailah Neves Veleci, 27 anos, tem bastante conhecimento de causa. Cientista política e mestra em direitos humanos, democracia, construção de identidades e movimentos sociais pela UnB, especialista em gestão pública pela Universidade Estadual de Goiás, tem especializações qualificadas e pontuais para tratar acerca do tema do negro na sociedade.
Nailah ressalta, ainda, a importância da mulher negra fazendo ciência dentro das universidades. Mesmo com a dificuldade existente para ocupar esse espaço, a luta surge com um olhar futuro, de manutenção da produção sobre a cultura negra e periférica no ambiente acadêmico. “A produção de mulheres negras não se limita a gênero. Produzimos pelos nossos direitos e por aqueles que não conseguem chegar à academia. Nós, mulheres negras da academia, aprendemos e voltamos para as nossas comunidades. Nossas produções são avanços científicos para as universidades, porque essa universidade ignorou por séculos o conhecimento vindo das matrizes africanas, dos povos originários e tradicionais.”

Atingindo a massa

Roberta Borges Silva (27) é um dos exemplos de sucesso feminino dentro do ambiente acadêmico e público. Mestra em nutrição humana, ela é atuante em pesquisas sobre saúde populacional, por meio de avaliações e revisões sistemáticas da literatura da área. O trabalho de Roberta impacta diretamente na profissão de um gestor de saúde, responsável pela administração e garantia da qualidade dos serviços prestados por um hospital — seja ele público ou privado.
A pesquisadora ressalta a importância de quebrar paradigmas acerca dos trabalhos realizados por mulheres, principalmente negras, e levanta a bandeira por uma melhor divulgação do que é produzido em ambiente acadêmico.
“A produção intelectual feminina é muito importante para desmistificar e mudar a cultura masculina relacionada à ciência. Mulheres negras estão pesquisando e co ntribuindo com a sociedade, inspirando e motivando umas às outras. Os trabalhos universitários precisam ser divulgados amplamente nas mídias sociais, fora do ambiente universitário e político. Tem que sair das faculdades e atingir a grande massa”, pontua.

Não só em novembro

Mara Karina Silva está se especializando em jornalismo político. Ela estuda a cobertura jornalística da agência Deutsche Welle Brasil durante o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff. Mara percebe que a mídia brasileira, ao representar o negro, parte sempre de um lugar de estereótipo. Em parte, afirma, isso acontece pela pequena quantidade de negros nas redações. “Existem muitas jornalista negras, não existe só uma Glória Maria e uma Maju”, diz.
Ela própria acabou desistindo de ser repórter de televisão por falta de oportunidade. Migrou para a área de assessoria de imprensa, onde se descobriu. “Para todo e qualquer assunto, existe uma pessoa negra capacitada. Eu não falo só de raça. Não quero ser lembrada só em novembro, porque tenho condições de fazer uma análise de conjuntura como qualquer jornalista. O estereótipo retira nosso espaço de fala”, lamenta.
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