Preconceito contra pobres tem viés anticapitalista

Clivagem é entranhada na sociedade Integração social favorece crescimento

 

 

A frase em que o ministro Paulo Guedes lamenta a possibilidade que houve no passado do dólar barato de tantas pessoas, incluindo até empregadas domésticas, viajarem para a Disneylândia, traz alguns significados sobre a sociedade brasileira.

Em 1º lugar, porém, é necessário destacar o que a declaração não significa, em contraponto ao que tanto se comentou depois das palavras do ministro. É razoável a hipótese de que isso não prejudicará as negociações das propostas que ele apresentou ao Congresso Nacional, como a PEC da emergência fiscal.

Deputados e senadores tomam decisões de acordo com a avaliação que terão seus eleitores. Incentivos e resistências para apoiar as propostas do governo não mudam com a frase do governo sobre o dólar e as domésticas.

Uma ressalva necessária: outra declaração de Guedes, em que usou o termo “parasitas” para se referir a parte dos funcionários públicos, tem efeito diverso. Repercutiu entre as corporações de servidores, que são fortes e conseguiram com isso arregimentar maior resistência à ideia de uma reforma administrativa. Isso ajudou pouco a empacar a finalização da proposta pelo Executivo.

Outra hipótese razoável é que a frase de Guedes não tenha tido repercussão significativa entre os brasileiros de renda mais baixa. Isso só poderia ser aferido de fato por uma pesquisa de opinião. Mas não há notícias de que as pessoas tenham comentado a frase de Guedes nas ruas, no transporte público, nos estádios de futebol.

Aqui cabe também uma ressalva: o fato de não ter repercutido de forma mais ampla na sociedade não significa que não possa a vir a ser usada, por exemplo, na campanha das eleições de 2022. Daí a preocupação de várias pessoas do governo com a frase.

O maior impacto da frase de Guedes foi entre pessoas dos estratos de renda mais alta, especialmente entre a classe média urbana. E não adianta o ministro negar: a frase denota, sim, desdém aos mais pobres. O preconceito social grassa no país. Inclusive entre algumas das pessoas que criticaram Guedes. É frequente acharmos uma Geni no meio político para expiar as nossas mazelas.

O Brasil foi o país que recebeu o maior fluxo de escravos africanos do século 16 ao 19. Foi o último das Américas a colocá-los em liberdade, em 1888. Tem, até hoje, as marcas disso. A disparidade de renda está entre as piores do planeta. Tudo isso segue entranhado na sociedade brasileira. Quantas pessoas falam reservadamente, ou no mínimo pensam, o que Guedes disse em público.

Pode-se olhar para o preconceito em relação aos pobres sob muitos aspectos, como o da injustiça. O fato é que é também 1 problema econômico. Trata-se de algo essencialmente anticapitalista. Henry Ford decidiu, no começo do século passado, fazer carros para serem vendidos aos próprios operários e a seus familiares. Isso fez as vendas crescerem de forma exponencial. O foco do consumo universal ajudou a fazer dos EUA a maior potência econômica global.

Há muito o que melhorar para que o Brasil consiga alcançar altas taxas de crescimento econômico por longo período, incluindo a melhora da educação e da produtividade. Acabar com a clivagem social não é algo que se deva esperar somente para o dia em que o país alcançar alto nível de desenvolvimento. É uma etapa para chegar lá.

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