Governo pede e comissão barra acesso a 4.000 páginas de monitoramento de redes sociais

O Planalto alegou ainda que ‘não se vislumbra interesse público’ na divulgação dos relatórios, que acompanham o ‘humor’ de usuários de quatro redes sociais em relação a ações do governo

 

O governo Jair Bolsonaro pediu e a Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI) barrou acesso a quatro mil páginas de relatórios de monitoramento de redes sociais produzidos pela Secretaria de Comunicação Social (Secom) durante o ano de 2019. A CMRI é a última instância da Lei de Acesso à Informação e sua decisão mantém longe do público documentos que a União tenta impôr sigilo desde o ano passado.

Reportagem do Estadão mostrou em dezembro de 2019 que inicialmente a Secom alegou que a divulgação dos relatórios violaria a Lei de Direitos Autorais – entendimento rechaçado por especialistas em transparência pública. Em março, o governo mudou a argumentação, afirmando que se tratam de documentos preparatórios – ou seja, usados para tomada de decisão.

O Planalto alegou ainda que ‘não se vislumbra interesse público’ na divulgação dos relatórios, que acompanham o ‘humor’ de usuários de quatro redes sociais em relação a ações do governo.

Apesar de parecer técnico determinar a liberação dos documentos, a CGU atendeu a Secom no início do ano, e o processo subiu para análise da CMRI. Perante à comissão, o governo afirmou pela primeira vez a quantidade de documentos produzidos e a presença de informações pessoais de terceiros e dados que estariam protegidos por ‘sigilo empresarial’.

Os relatórios de monitoramento foram produzidos pela Isobar em diversos contextos para o Planalto, incluindo durante a tramitação da reforma da Previdência, em abril do ano passado. Segundo a própria Secom, somente entre janeiro a novembro do ano passado foram elaborados 540 documentos, com 4 mil páginas ao todo, sobre interações de usuários no Twitter, Facebook, Instagram e Youtube. O serviço custou R$ 2,7 milhões aos cofres públicos em 2019.

Ordens de serviço obtidas pela reportagem do Estadão apontam que o objetivo do governo é identificar a ‘repercussão, reputação, evolução do sentimento, principais influenciadores e demais informações estratégicas para tomada de decisões’ do Planalto.

“Situações que indiquem possíveis repercussões com alto volume de menções devem ser alertadas, especialmente aquelas que possam gerar crise”, exigiu a Secom.

A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das ‘fake news’ já elaborou requerimento para ouvir quatro servidores responsáveis por coordenar o trabalho. A Secom já informou que os documentos elaborados a partir do monitoramento são compartilhados com outros órgãos do governo.

A pasta nega que o monitoramento mire contas e usuários específicos, afirmando que acompanha somente ‘debates e conversas relacionados a órgãos públicos e autoridades públicas federais’, citando como exemplo o presidente Jair Bolsonaro, o vice-presidente Hamilton Mourão e as contas de ministros, ministérios, secretarias e autarquias.

Ao ser cobrada pela CMRI que explicasse o motivo para segurar os documentos, o governo Bolsonaro alegou que a divulgação dos relatórios poderia ferir o sigilo empresarial. Segundo o Planalto, constam nos documentos detalhes sobre a metodologia de trabalho da agência contratada, o que poderia ferir sua competitividade no mercado.

Além disso, a União afirmou que há informações de usuários nos documentos que precisariam ser tarjadas antes de serem divulgadas ao público – e, em razão do ‘trabalho adicional’, pediu que fosse indeferido o pedido de liberação dos relatórios.

“Para identificar em quais das 4.000 páginas poderiam constar informações sensíveis (metodologia de trabalho e dados pessoais), a Secom teria que realizar análise integral de cada uma delas, bem como o tarjamento dos trechos restritos, para uma possível concessão de acesso”, argumentou a CMRI, em decisão. “Para tanto, seria necessário o deslocamento de servidores especificamente para a tarefa, por período considerável, o que justificaria a negativa de acesso por configurar trabalhos adicionais”.

A CMRI é formada por integrantes do primeiro escalão do governo Bolsonaro, e liderada pelo ministro-chefe da Casa Civil, general Braga Netto. As decisões foram assinadas por suplentes, indicados para atuar perante à comissão enquanto os titulares estão ausentes.

Especialistas em transparência criticam decisão:

A decisão da CMRI foi criticada por especialistas ouvidos pelo Estadão. Segundo o diretor-geral da Transparência Brasil, Manoel Galdino, as sucessivas mudanças de posição da Secom sobre os motivos para barrar a divulgação dos relatórios é ‘grave’ e já foi detectada pela organização.

Inicialmente, a Secom alegou que dar acesso aos relatórios iria ferir a Lei de Direitos Autorais. Ao responder um recurso do Estadão, a pasta mudou a argumentação e disse que, na verdade, os documentos eram preparatórios e seriam usados para uma decisão futura – sem dizer qual. Perante à CMRI, a Secom trocou a justificativa e usou a prerrogativa de sigilo empresarial e presença de informações pessoais para barrar o acesso, afirmando que daria ‘trabalho adicional’ revisar as páginas para tarjar os dados considerados sensíveis.

“Quando o governo começa a mudar de argumento, percebe-se que o que ele quer é procurar alguma justificativa legal que o autorize a não conceder uma informação. Ou seja, ao invés de tratar a publicidade como regra e o sigilo como exceção, ele quer colocar o sigilo como regra e a publicidade como exceção”, afirmou Galdino. “É muito grave que o governo esteja fazendo isso – mais grave ainda numa situação que a própria CGU contraria seus próprios pareceres técnicos e politicamente decide defender o governo”.

Para Joara Marchezine, especialista em transparência pública e acesso à informação, a CMRI ignorou o debate sobre a necessidade de fiscalização dos gastos públicos, focando exclusivamente nos argumentos apresentados pela Secom para negar o acesso. “Em nenhum momento se fala ou se dá ênfase nos benefícios da divulgação desses relatórios e da necessidade de se saber como está sendo investido o dinheiro público”, afirmou.

“É lamentável que o Executivo Federal, que vinha tendo muito bom desempenho em termos de implementação da LAI em comparação com os poderes Legislativo e Judiciário, esteja desacreditando o processo de revisão de decisões a respeito da transparência e do acesso a informação pública”, afirmou Fabiano Angélico, mestre em administração pública pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em transparência.

A reportagem entrou em contato com a Secom, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.

COM A PALAVRA, A SECOM

A reportagem entrou em contato, por e-mail, com a Secretaria de Comunicação (Secom) na quinta-feira, 23, e não obteve resposta até a publicação deste texto. O espaço está aberto a manifestações (paulo.netto@estadao.com)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo

 

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