Os próprios cotistas da empresa MCE estão processando os sócios administradores, deflagrando denúncias e apontando improbidades no contrato com a Loterj
Sociedades empresariais costumam confeccionar contratos sociais, estatutos, modelos operacionais com organogramas, fluxogramas e processos ao encontro das melhores práticas jurídicas e de governança com o intuito de organizar e proteger a corporação e seus acionistas. Quando os gestores ignoram tais condutas, leis e contratos, resta à justiça corrigir ou substituir a gestão, punir os infratores e proteger o bem comum, que nesse caso é um contrato público de 5 anos e mais de R$ 120 milhões assinado em Janeiro de 2020 entre a Loteria do Estado do Rio de Janeiro e a empresa MCE Intermediações e Negócios Ltda.
Pouco mais de um ano depois do início do contrato, a MCE já foi alvo de várias denúncias acerca das suas atividades, com notificações formais enviadas a Loterj que foram abafadas e não resultaram em providência alguma.
Coincidentemente, poucos meses depois do contrato assinado entre a Loterj e a MCE, alguns personagens conhecidos pelo Ministério Público em investigações sobre esquemas de corrupção no Estado, apareceram também como protagonistas nesta ação.
O ex Secretário de Desenvolvimento Econômico do Governo Wilson Witzel, Lucas Tristão, e seu advogado e amigo, Antônio Vanderler de Lima, todos três investigados pelo Ministério Público, são suspeitos de tráfico de influência, e outros favorecimentos e obstrucões, em favor dos sócios administradores da MCE, Marcelo Ferreira Resende e Cristiano Lorenci Junqueira.
Em troca de apoio e proteção, a MCE formalizou contrato de sociedade em conta de participação (SCP), em nome de Vanderler Júnior, filho de Antônio Vanderler de Lima, destinando 10% para a Vanderler Participações Eireli.
Vale ressaltar que, além de encontros entre os personagens citados, alguns gravados por câmeras de segurança, quando da assinatura desse contrato, Lucas Tristão era o Secretário de Desenvolvimento Econômico, autarquia a qual a Loteria do Estado é diretamente subordinada.
Os cotistas da MCE protocolaram pedido de Liminar na segunda Vara Empresarial de Belo Horizonte no dia 20 desse mês para afastar os sócios Marcelo e Cristiano da administração temerária da empresa, que além da operação do produto Loterj de Prêmios, atual Rio de Prêmios junto a Loterj, também atua com o produto de capitalização na modalidade filantropia premiada no Distrito Federal, batizado como Capital de Prêmios.
Outro dado curioso contido na ação cautelar é o fato da MCE ter utilizado a mesma conta bancária que já possuía no Banco Bradesco em Brasília para gerir o produto Capital de Prêmios, também para operar financeiramente o contrato licitado pela Loterj.
Como se não bastasse ferir as melhores práticas da administração que sugerem uma conta isolada e específica para o gerenciamento de dividendos de ordem pública, evitando misturar recursos privados com capital estatal, essa mesma conta também foi utilizada para um terceiro negócio durante a pandemia, chamado de Live Cap, que mais uma vez não diz respeito a prestação de contas obrigatória para a Loterj, mas se utilizou inapropriadamente de recursos misturados com a verba da Loteria do RJ.
Para o bem da autarquia, dos apostadores e dos projetos sociais que a Loterj há 70 anos ampara, os problemas internos entre os administradores e os cotistas da MCE deflagraram inúmeras improbidades, suspeitas de fraude, superfaturamento nos serviços prestados e nos produtos auditados, utilização indevida e criminosa do caixa da Loterj para cobrir prêmios cuja obrigação de pagamento seria da MCE, crimes de gestão pública, de ordem tributária e de responsabilidade diretamente ligada aos cofres públicos que, nesse caso, pertencem e deveriam retornar em forma de programas sociais e benefícios diretos ao cidadão carioca, e não ser utilizado para encobrir falcatruas financeiras e ajudar uma empresa com capital integralizado de R$ 5 milhões, mesmo que às vésperas da licitação.
Internamente os problemas são ainda maiores para a MCE. Os cotistas alegam, com provas documentais, que os administradores e sócios majoritários, Marcelo Resende e Cristiano Junqueira, criaram uma segunda empresa, MC Participações Societárias Ltda (iniciais dos respectivos), para a qual estariam repassando todos os ativos da MCE, sem ciência e anuência dos sócios minoritários, bem como outros impropérios pesados acerca dos produtos Capital de Prêmios e Rio de Prêmios.
Os autores da ação acreditam que o primeiro intuito da dupla gestora era separar e herdar os ativos lucrativos e deixar os passivos para os demais sócios, incluindo nisso o objetivo final de tira-los da participação dos produtos operados no Distrito Federal e no Rio de Janeiro, ou diluí-los percentualmente. Prova disso é o requerimento de um aporte de R$ 25 milhões a título de ressarcimento de despesas e investimentos já realizados pela MCE, sem convocação de assembleia, sem aprovação prévia, sem prestação de contas e mais uma vez sem o conhecimento e a assinatura dos demais sócios.
Durante a investigação e o desenvolvimento da ação, os advogados descobriram que a possível motivação dos administradores citados pode ser uma proposta sigilosa de venda de 50% das cotas da MCE, em estágio avançado, ofertada para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa por mais de R$ 120 milhões. A Santa Casa de Portugal, entidade gestora e reguladora com mais de cinco séculos de existência e comprovada atuação no setor de jogos e apostas, é uma instituição de direito privado e de utilidade pública administrativa.
Nessa negociata, para a qual a Santa Casa já abriu CNPJ no Brasil, ela assumiria a gestão do produto Rio de Prêmios da Loterj, ao mesmo tempo que se qualificaria como provedora de produtos lotéricos no Brasil para participar de outras licitações que estão por vir e já foram divulgadas pela própria Loterj, sempre em conluio com a sócia MCE.
Sem a presença do Ministério Público carioca e do Tribunal de Contas do Estado, resta saber se os Portugueses da Santa Casa estão dispostos a não fazer Due Diligence, a desrespeitar suas próprias normas de Compliance, e ainda a negociar com os contraventores do Jogo do Bicho no Rio, cujo o filho de um dos mais famosos foi visto inúmeras vezes com os administradores processados, inclusive na sede da própria Loterj, corroborando com a denúncia da reportagem publicada no portal G1 no dia 26/10/2020, apenas 6 meses atrás, sobre a venda de cartelas da Loterj de Prêmios nas bancas do Bicho na baixada fluminense.