Economia propõe acabar com todas as meias-entradas

A participação do ingresso na categoria inteira nas receitas das redes cai há três anos, segundo a Agência Nacional do Cinema (Ancine)

 

 

O tema já foi alvo do grupo de humor Porta dos Fundos, para quem “a meia é a nova inteira, e a inteira é o novo dobro”. A piada, no entanto, não é mera impressão. Quase 80% de todos os ingressos de cinema vendidos no Brasil no ano passado tiveram preço de meia-entrada. A participação do ingresso na categoria inteira nas receitas das redes cai há três anos, segundo a Agência Nacional do Cinema (Ancine).

Os dados levaram o órgão regulador a abrir uma consulta pública sobre a obrigatoriedade legal da meia-entrada e seus impactos no mercado exibidor. A discussão está aberta para contribuições até 13 de agosto, mas o Ministério da Economia já se manifestou e defendeu a extinção de todas as regras que garantem o benefício.

Toda a análise tem como base as informações do Sistema de Controle de Bilheteria (SBC), por meio do qual a Ancine tem acesso às informações de mais de 3 mil salas em todo o País desde 2017. Os dados são fornecidos praticamente em tempo real e mostram os números de vendas de ingressos por categoria, dia, horário e filme. As meias são divididas em legais (permitidas por lei), promocionais – por meio de parcerias comerciais com operadoras de telecomunicações ou bancos, por exemplo – e cortesias, ou seja, bilhetes gratuitos.

Com base nas informações fornecidas pelas redes de cinema no Brasil, a Ancine descobriu que venda de ingressos na categoria inteira, que era cerca de 30% em 2017, caiu para 21,6% no ano passado. Quase 60% das meias-entradas concedidas no ano passado estavam ligadas às diversas leis que existem no País sobre o tema.

Há três leis federais sobre o assunto, que garantem o benefício a estudantes, jovens de baixa renda, pessoas com deficiência e adultos com mais de 60 anos. A estimativa da Ancine é que 96,6 milhões de brasileiros se enquadrem nos termos da legislação federal – quase metade da população medida pelo IBGE, de 211 milhões de habitantes.

Existem também leis editadas por Estados e municípios, que ampliam o alcance da meia-entrada. Na cidade do Rio de Janeiro e no Estado de São Paulo, professores da rede estadual e municipal pagam menos. Dependendo do Estado e do município, há ainda benefícios para servidores públicos, doadores de sangue, portadores de câncer, doadores de medula, além de sindicatos de categorias profissionais.

Para o ex-secretário de Política Econômica e presidente do Insper, Marcos Lisboa, a meia-entrada nos cinemas é uma distorção que se repete em diversos setores, como no crédito, que é subsidiado para alguns setores, e no transporte público, que é gratuito para alguns grupos. Na avaliação dele, em todos os casos, se o Estado quer beneficiar algum grupo, deve pagar pelo subsídio com recursos do orçamento.

Segundo Lisboa, porém, há outras formas melhores de utilizar os recursos públicos do que custear entradas de cinema.

“O Brasil tem há muitos anos essa prática de criar distorções, em que se oferece um preço diferente para um certo grupo, e o que acontece é que o custo tem que ser coberto e preço cheio acaba ficando muito maior. Se todo mundo paga meia, a meia vira a entrada cheia”, diz Lisboa. “Isso expulsa quem paga o preço cheio do mercado, e aí o preço tem que subir mais ainda. É um ciclo vicioso.”

A meia-entrada é garantida por um subsídio cruzado – ou seja, quem compra a inteira paga a mais para permitir o desconto daqueles com direito a meia. Nenhuma das leis da meia-entrada estabelece repasse de recursos do orçamento da União, Estados ou municípios.

Classes C e D ficam de fora do benefício e à margem da cultura

Com tantas possibilidades de enquadramento na meia-entrada, quem fica de fora de qualquer benefício são justamente os mais pobres. De acordo com a Ancine, as classes C e D representam 28,5% da população, mas apenas 17,3% dessas pessoas foram ao cinema pelo menos uma vez em 2017.

A análise por escolaridade expõe cenário semelhante. Segundo a Ancine, pessoas com maior escolaridade, mesmo com menor renda, frequentam o cinema com mais assiduidade. “Nesse aspecto, a política de meia-entrada, se focalizada em baixa renda, teria o potencial de estimular a ampliação do consumo de cinema para parcela da população que enfrenta maiores barreiras.”

O Ministério da Economia corroborou a análise da Ancine e defendeu o fim da meia-entrada. Conforme análise da pasta, a meia-entrada acaba sendo uma ilusão, já que os preços são elevados para compensar a queda das receitas dos exibidores, enquanto aqueles que pagam a inteira são lesados.

Equilíbrio

O temor de aumento de preços caso não haja lei ou benefício não se justifica para a Ancine. Isso por que os preços de ingressos nos cinemas brasileiros não são fixos. Dados da análise da agência reguladora mostram que as redes praticam valores mais baixos em sessões às segundas, terças e quartas, enquanto os mais altos são reservados para o sábado à noite.

Nesse sentido, as salas de cinema atuam de forma semelhante às empresas aéreas, que elevam preços conforme a demanda, com promoções em dias menos disputados. Nos dois casos, o custo não muda, mas a lucratividade é maior quando a sala ou o avião estão cheios.

Na consulta pública, a Ancine não se posiciona em relação a uma solução para corrigir as distorções, mas apresenta três cenários que poderiam subsidiar uma decisão do Executivo ou do Legislativo: manter a política atual, restringir o alcance da meia-entrada ou extingui-la.

Liminar a meia-entrada a jovens atendidos por programas sociais do governo, segundo a Ancine, atingiria 16,8 milhões de pessoas entre 15 e 29 anos, ou 7,9% da população.

Para o órgão regulador, beneficiar pessoas por critérios como deficiência, idade ou ainda pela situação de estudante é mais eficiente. Em relação aos estudantes, a Ancine estima que se trata de um universo de quase 60 milhões de pessoas, ou 31,2% da população, abrindo espaço para distorções.

“Uma pessoa que tenha completado o ensino superior esteve, pelo menos, 16 anos na condição de estudante. Já aquele que encerrou os estudos após a conclusão do ensino fundamental esteve 9 anos nessa condição”, diz a Ancine.

“Pessoas que integram famílias com menor renda, em média, estudam por menos do que pessoas de famílias com maior renda. O que significa que jovens de famílias de menor renda ficam menos anos na condição de estudante, tendo assim acesso a ‘meia-entrada’ por menos tempo que jovens de famílias com maior renda.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

 

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