Toboáguas gigantescos seguem abandonados na margem de rodovia, após morte de dono, embargos, atritos, brigas e milhares no prejuízo
Goiânia – Quem passa pela BR-153 próximo ao trevo para Goianápolis, em Goiás, e ao lado de onde hoje fica um posto de pedágio, dificilmente não consegue notar, bem ao lado da rodovia, a estrutura de toboáguas que sobem por vários metros de altura em direção ao céu. Mesmo que durante poucos segundos de atenção, a pessoa consegue notar que aquilo ali é algum tipo de construção abandonada.
Os toboáguas gigantes, é claro, não deixam dúvidas de que trata-se de um parque aquático. Ou, pelo menos, deveria ser. Até é possível ver um letreiro: Acquamania. Se a pessoa tiver mais tempo e parar para observar, verá ainda piscinas vazias, quiosques semiacabados, estruturas metálicas enferrujadas e várias construções meio judiadas pela ação do tempo.
Independentemente se tem pouco ou mais tempo, a pessoa que por ali passa se vê diante de um questionamento básico: o que teria acontecido para que o lugar ficasse naquelas condições dignas de um filme pós-apocaliptico? Afinal, qual mistério existe por trás desse parque aquático “fantasma”?
Milhares de pessoas pagaram parcelas para frequentar parque aquático que faliuVinícius Schmidt/Metrópoles
Parque aquático começou a ser construído em 1993 e nunca foi inauguradoVinícius Schmidt

Ruínas de parque abandonado chamam atenção de quem passa na rodoviaVinícius Schmidt

Mistérios
Meio ambiente, uma morte trágica, briga entre sócios e milhares de pessoas no prejuízo. Essas são algumas das questões que se escondem por trás das ruínas deste parque aquático na região metropolitana de Goiânia. O Acquamania começou a ser construído em 1993, mas nunca foi inaugurado.
O local é cercado de mistérios e nem os vizinhos sabem ao certo todos os detalhes de sua história. Tem quem chegue a dizer, à boca miúda, que a obra era da ex-dupla sertaneja Leandro e Leonardo. Os irmãos nasceram em Goianápolis, capital do tomate. Mas não, eles não eram donos do parque.
A história do Acquamania está registrada em centenas de páginas de processos judiciais e nas memórias de advogados, empresários e de cerca de 11 mil sócios que pagaram parcelas para ter direito ao parque, em vão.
Diversão sadia
O lançamento das obras do Acquamania veio acompanhado de propagandas na televisão. O lema era “diversão sadia para a sua família” e a promessa era um “complexo recreativo de última geração, inspirada nos mais modernos parques mundiais.”
Além de uma grande piscina de ondas, o destaque do parque aquático seria o Polivalente Tower, um super tobogã dividido em quatro partes: o Tube, com duas pistas juntas em forma de trança; o Kamikaze, em queda livre; o Free Wave; e o Hidro-Mania.

Ruínas de toboáguas do “Acquamania”, parque “fantasma” em GoiásVinícius Schmidt/Metrópoles

Situação de parque abandonado parece um cenário de filme de terror

Principal sócio de parque aquático morreu em 1998, após acidenteVinícius Schmidt/Metrópoles

Também haveria o tobogã chamado Triângulo das Bermudas e um terceiro para boias individuais. Um shopping aéreo e um hotel estavam nos planos, segundo um ex-dono do empreendimento. O objetivo, a longo prazo, era fazer uma rede de parques no Brasil.
Sonho em ruínas
Quase 30 anos depois, as estruturas dos atrativos ainda seguem chamando a atenção na beira da rodovia, mas lembram mais um filme de terror, com algumas partes destruídas, cercadas de vegetação alta e animais.
O empreendimento era liderado pelo empresário João Augusto Naves e co-liderado pelo seu cunhado, José Ricardo Mendes. A venda de títulos para associados começou em maio de 1993 e logo nas primeiras semanas foram vendidas 11.887 cotas. A moeda na época era o cruzeiro real.
Escritórios que vendiam ações do parque estavam espalhados em Goiânia, Anápolis e Brasília. Os pagamentos mensais dos sócios dariam direito não só ao uso do parque de Goianápolis, mas também ao Acquamania de Itumbiara, no sul de Goiás, que chegou a ser inaugurado em 1995, mas posteriormente foi desativado.
Risco ambiental
A expectativa com o novo grande parque aquático foi abalada logo de início. As obras de Goianápolis ficaram paralisadas durante doze meses, até julho de 1994, por causa de embargos. O motivo? O parque começou a ser construído sem ter a documentação ambiental necessária.
Havia uma preocupação com uma possível poluição do córrego Souzinha, responsável pelo abastecimento de água de Goianápolis, segundo jornais da época. O então promotor do Ministério Público de Goiás (MPGO), Sulivan Silvestre, morto em um acidente aéreo em 1999, chegou a abrir um inquérito contra o Acquamania.

Cavalo pasta em meio ao parque “fantasma” de GoiásVinícius Schmidt/Metrópoles

Comissão de defesa do consumidor questionou obra de parque

Briga entre sócios marcou fim do empreendimento “Acquamania”Vinícius Schmidt/Metrópoles

Junto a isso, em setembro de 1994, a Comissão de Defesa do Consumidor começou a questionar informações sobre o prazo de conclusão da obra, conforme informações da imprensa à época. Sócios do parque já demonstravam insatisfação. Dos quase 12 mil que assinaram contrato no começo do empreendimento, apenas 3,2 mil estavam com todas as parcelas quitadas, segundo relato de Augusto Naves, no final de 1994.
Controvérsias ambientais continuaram a acompanhar a obra do Acquamania durante o resto da década. A autorização para a retomada da construção em 1994 era válida apenas para a primeira etapa da obra do parque, que teria um total de quatro.
Tragédia no caminho
A inauguração do Acquamania representava uma possibilidade inédita de crescimento econômico da pequena Goianápolis, com seus cerca de 10 mil habitantes.
“Viria um progresso extraordinário para Goianápolis, mas eu não vejo que seria só o alvará a causa maior do fim do Acquamania”, avalia o ex-secretário de meio ambiente da cidade, Waldson Machado.
Essa possível causa maior para o fim do Acquamania ocorreu em fevereiro de 1998, em uma rodovia entre Minas Gerais e Goiás. O principal sócio do parque, João Augusto Naves, sofreu um grave acidente. Ele passou dias hospitalizado, mas acabou morrendo.

Parque era promessa para pequeno município da região metropolitana de Goiânia Vinícius Schmidt/Metrópoles

“Acquamania: Lazer sadio para a sua família”, diz panfleto do parque Vinícius Schmidt/Metrópoles

Fórum de Goianápolis tem pelo menos 57 processos arquivados sobre parque abandonado

Briga entre sócios
A viúva de Augusto Naves, Luciana do Carmo, acabou se tornando administradora das obras, já que os três filhos do casal eram crianças à época. Ela e o vice-presidente do Acquamania, Ricardo Mendes, tiveram desentendimentos e ele deixou a sociedade, após uma briga judicial.
Em uma decisão do Judiciário de abril de 1999, é narrado que Luciana não concordava com o que seriam “negócios duvidosos e inusitadas gratificações e aumentos salariais” concedidos por Ricardo. Augusto era dono de 80% dos títulos do Acquamania.
Além disso, ela estaria sendo impedida de ter acesso aos negócios. A viúva não tinha o casamento formalizado com Augusto e, após sua morte, teve a união estável reconhecida. Ricardo Mendes nega as acusações e diz que os salários dos funcionários estavam defasados na época.
Mais de 20 anos depois, Ricardo defende que teria conseguido concluir o parque, caso tivesse continuado a tocar a obra. Ele explica que depois das paralisações, a construção estava sendo feita com recursos próprios. Ricardo ficou com o parque de Itumbiara, que acabou sendo fechado.
Tragédia em família
O fim da sociedade representou também um racha na família, já que Ricardo se casou com uma irmã de Augusto. Luciana ainda vive nos fundos da mesma casa que começou a construir com o companheiro e que nunca foi concluída. A grade da entrada e a cobertura externa de pedra são do mesmo material usado nas obras do Acquamania.
“Tentei várias pessoas para entrar em sociedade, fui atrás de sócios e investidores para dar continuidade, mas tinham medo dos meninos crescerem e quererem reivindicar alguma coisa. Não tive capacidade de continuar. Infelizmente, não foi por má-fé”, contou Luciana ao Metrópoles.
Sem condições de conclusão, a área do Acquamania com a sua estrutura incompleta foi leiloada em 2007 por R$ 350 mil, valor considerado bem abaixo do mercado. A vencedora do leilão, Ivana Alves de Oliveira, não quis dar declarações para a reportagem. Ela ainda é responsável pelo local onde seria o parque, que é vigiado por caseiros e cercado com arame farpado.
Milhares no prejuízo
O valor arrecadado com o leilão foi usado para pagar as dívidas do parque com os sócios. No Fórum de Goianápolis há pelo menos 57 processos de pessoas que entraram contra o Acquamania para receber o dinheiro que investiram.
Judite Teixeira Camargo, de Goianira, por exemplo, ficou 17 anos na justiça esperando pelo reembolso, sendo que dez anos desse tempo foi só de espera para que fosse realizado o cálculo de Cruzeiro para Real. Ela recebeu R$ 8,4 mil em 2014.
O pedagogo Dionísio Sfredo, de Goiânia, ficou tão revoltado com a demora, que nem quis assinar uma intimação que recebeu e o caso acabou arquivado. Em um e-mail ao tribunal em 2016, quando tinha 84 anos, ele desabafou:
“Está no imaginário popular que a Justiça é cega, e eu acrescento, desprovida de sentimentos!”, disse na época.
Negligência e exploração?
Em decisões favoráveis ao leilão e ao reembolso, juízes falaram de falhas da empresa ao construir o parque. O juiz Orlando Lino de Morais falou de “negligência” em fevereiro de 2002. O juiz Marcus da Costa falou de “exploração da deficiência dos consumidores” em decisão de agosto de 2007
O Acquamania representa para Luciana do Carmo, viúva de um dos antigos donos do parque, uma história muito difícil, com lembranças terríveis, mas ela reitera que não houve má-fé e que reconhece o sofrimento dos associados. “Eu tenho muito respeito pelos associados. Um turbilhão de gente que sofreu também.”