“Quando uma agência como a Advocacia-Geral da União notifica uma plataforma digital sobre a presença de conteúdo que facilita atividades ilícitas – como a falsificação de produtos, por exemplo – estamos vendo a interação do Estado com o ambiente online para proteger o interesse público”
O recente caso de remoção de conteúdo ilícito das plataformas Instagram e Facebook envolvendo a comercialização de bebidas alcoólicas, rótulos e demais produtos clandestinos despertou atenção para questões voltadas à segurança no ambiente digital.
De acordo com o advogado paulista Raphael Felype, analista jurídico do escritório Marques & Oliveira Advogados, especialista em Direito Digital: “É uma situação que ilustra muito bem os desafios contemporâneos do direito digital. Quando uma agência como a Advocacia-Geral da União notifica uma plataforma digital sobre a presença de conteúdo que facilita atividades ilícitas – como a falsificação de produtos, por exemplo – estamos vendo a interação do Estado com o ambiente online para proteger o interesse público”.
Manuela Oliveira, advogada especialista em Direito Digital, sócia – fundadora do escritório Marques e Oliveira Advogados, destaca que: “Do ponto de vista jurídico, esse tipo de notificação oficial reforça a responsabilidade das plataformas. Elas não são meras “paredes” onde o conteúdo é postado sem controle. Elas têm um papel ativo, e a lei brasileira estabelece que, em certos contextos, elas devem agir quando há comunicação formal sobre a ilegalidade de um conteúdo. A exigência de remoção e a preservação de dados associados a esses conteúdos são medidas essenciais para a investigação e para garantir que os responsáveis pelos atos ilícitos possam ser identificados e processados. A forma como a plataforma reage a essa notificação é determinante para sua posição jurídica”.
A Meta recebeu o prazo de 48 horas para realizar a remoção do conteúdo. Em casos semelhantes, o não cumprimento da ordem judicial pode resultar em ações civis e criminais. “As consequências criminais para uma empresa que ignora uma notificação oficial para remover conteúdo ilícito podem ser bastante sérias. Embora a responsabilidade criminal de pessoas jurídicas seja um tema específico no Brasil, há caminhos para que isso ocorra. Primeiramente, a própria desobediência a uma ordem legal de uma autoridade competente pode, em si, configurar um delito. Além disso, se a plataforma, ao se omitir, permitir que crimes como a falsificação ou a fraude continuem a ser facilitados em seu ambiente, ela pode ser investigada por participação ou concorrência nesses ilícitos, ainda que por omissão. A discussão séria sobre até que ponto a inação da plataforma contribuiu para a continuidade da atividade criminosa”.
Raphael, reforça sobre a importância da preservação da prova material. “Se a notificação inclui a exigência de guardar registros e a empresa falha nisso, pode haver implicações por atrapalhar a investigação. Em casos extremos, e dependendo da gravidade dos ilícitos facilitados e da omissão da empresa, pode-se discutir a responsabilidade por crimes contra a saúde pública ou as relações de consumo, que afetam diretamente a sociedade. Isso pode resultar em multas pesadas e, em alguns casos, até mesmo na responsabilização dos dirigentes da empresa”.
Marco Civil da Internet
Informações publicadas pela Advocacia Geral da União comprovam que tais ações geram riscos à saúde do consumidor, além: “A legislação brasileira, notadamente o Marco Civil da Internet, busca um equilíbrio entre a liberdade de expressão e a necessidade de proteger os direitos individuais e coletivos no ambiente online. De forma geral, a lei estabelece que as plataformas só são responsabilizadas civilmente por conteúdo gerado por terceiros após uma ordem judicial específica para remover tal conteúdo. No entanto, existem nuances importantes: Para conteúdos de gravidade extrema, como casos de terrorismo ou exploração sexual infantil, a legislação prevê que a remoção pode e deve ser feita imediatamente pelas plataformas, mesmo sem uma ordem judicial prévia, dada a natureza danosa e irreversível desses atos. Para outros tipos de ilícitos, incluindo aqueles que ferem a honra de alguém ou que, como no nosso exemplo, facilitam crimes contra a saúde pública ou o consumidor, o padrão é a necessidade de uma notificação ou ordem. Uma notificação formal de uma autoridade, como a AGU, serve como um alerta robusto e coloca a plataforma em uma situação em que sua inação pode gerar responsabilidades futuras, mesmo que a ordem de um juiz no sentido mais estrito ainda não tenha sido emitida para aquele conteúdo específico. Portanto, a legislação define deveres claros para as plataformas, que devem agir de forma diligente e responsável, especialmente quando alertadas sobre a presença de conteúdos que violam a lei”.