Quando a justiça erra, não é só uma pessoa que sofre. É uma família inteira que desaba, uma comunidade que se entristece, um país que revela, mais uma vez, as falhas de um sistema que deveria proteger, e, não destruir. O caso de Thiago Feijão escancara essa ferida, homem negro, pai, filho, íntegro, trabalhador, profissional competente, gestor de uma família e acima de tudo, um ser humano.
Thiago foi condenado com base apenas no reconhecimento fotográfico de uma testemunha. Nenhuma prova técnica, nenhum vestígio, nenhum elemento adicional que sustentasse com firmeza a acusação. Mesmo assim, a sentença foi decretada. E com ela, veio a ruptura de uma vida, de uma família, filhos menores, projetos de vidas.
A mãe de Thiago mal consegue falar do assunto sem chorar. O irmão tenta manter a força, mas seus olhos estão sempre cansados. Amigos, filhos, companheira — todos convivem com a ausência de Thiago e com a sensação amarga de que não houve justiça, mas sim um atropelo processual. Eles vivem, todos os dias, o desespero de quem sabe que um inocente foi condenado. Não é só sobre falta de provas. É sobre a ausência de interesse em apurar melhor os fatos, sobre a pressa em culpar alguém. É sobre o racismo estrutural, que se infiltra nas decisões institucionais, normaliza a seletividade penal e insiste em fazer dos corpos negros os primeiros a ocupar o banco dos réus — ainda que faltem provas, ainda que sobrem dúvidas.
Como bem pontua Ivanir, há anos trazendo para o debate essa temática. “O racismo estrutural está enraizado nas relações sociais cotidianas e passou a dar credibilidade para atos de violência e exclusão.”, afirma o Pós – Doutor Babalawô Ivanir dos Santos – Professor e orientador no Programa de Pós-graduação em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC/UFRJ).
- Na revisão criminal em curso, novos depoimentos lançam luz sobre erros cometidos. Há evidências de que Thiago não estava sequer próximo da cena do crime. Mas o processo segue lento, como se a liberdade de um homem inocente não fosse urgente. Como se o sofrimento de uma família não bastasse. O caso de Thiago Feijão é um grito por revisão, mas também por reflexão. Até quando o sistema judiciário seguirá tratando vidas negras como descartáveis? Até quando as famílias terão que clamar por atenção onde deveria haver sensibilidade? O erro não é apenas judicial — é social, histórico, estrutural. Cada erro judicial mina a confiança da população nas instituições. Cria uma cultura do medo, especialmente para grupos historicamente marginalizados. O racismo estrutural que permeia a justiça brasileira torna esses erros ainda mais previsíveis — e, por isso mesmo, mais cruéis. Quando a justiça falha com um, ela adoece todos nós.
Erros judiciais não são apenas questões jurídicas. São questões de saúde mental, de memória e de humanidade. Cada caso como o de Thiago Feijão exige não apenas revisão técnica, mas um olhar cuidadoso sobre as marcas invisíveis que a injustiça deixa no corpo, na mente e no coração. Mais que reverter uma condenação injusta, é preciso reparar uma ferida que nunca deveria ter sido aberta. A liberdade de Thiago é a mínima reparação possível. Mas o que devolverá o tempo perdido? O que apagará as lágrimas, os traumas, o medo, a indignação?
- Nota dos advogados: A Segunda Seção do Segundo Grupo de Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça, por unanimidade, negou a Ação Revisional Criminal proposta. Entenderam que as provas novas apresentadas não foram suficientes para revisar e rescindir a sentença condenatória. Neste momento os advogados analisam os recursos para levar o Caso do Thiago Feijão para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), além do Sistema Interamericano de Direitos Humanos da OEA-Organização dos Estados Americanos. O caso não está encerrado e os Tribunais em Brasília, Superior Tribunal de Justiça e STF-Supremo Tribunal Federal ainda podem analisar recursos judiciais, na forma da lei.
Para o advogado de defesa, Carlos Nicodemos – “O Caso Thiago Feijão constitui um triste capítulo das injustiças no contexto do racismo estrutural no Brasil. Tivemos uma oportunidade singular de reverter este quadro no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, mas a ausência de consideração da Resolução 484 do CNJ que aponta a necessidade de aplicação no julgamento na perspectiva racial, aprofundou a violação. Seguiremos nas demais instâncias buscando Justiça.”
Se a justiça tarda, ela falha. E, neste caso, ela já falhou demais.