Faixa preta de taekwondo vira líder do PCC após ver pai ser assassinado

Preso há mais de duas décadas, Paulinho Neblina está detido em penitenciária federal e enfrenta complicações de doença crônica

 

De promessa do esporte a um dos líderes da maior facção criminosa do país. O Paulo Cezar, do taekwondo, virou Paulinho Neblina, do PCC (Primeiro Comando da Capital), após o assassinato do pai e uma vida no crime. O garoto que iniciou a arte marcial coreana aos 4 anos, no bairro do Ipiranga, na zona sul de São Paulo, se transformou e hoje vive em uma penitenciária federal, condenado a quase 100 anos de prisão.

A história de Paulo Cezar Souza Nascimento Júnior começa ainda na década de 1970, quando o esporte engatinhava no Brasil. Ainda antes de se tornar adulto, o jovem chegou à faixa preta, a mais alta graduação na luta. Não por menos, passou a ser considerado uma grande aposta para se tornar uma atleta de referência na modalidade que ainda viria a integrar o programa olímpico em Sidney 2000.

Em 21 de outubro de 1991, aos 18 anos, foi aprovado no exame de graduação para subir ainda mais de nível e chegar ao 2º dan da faixa preta — que vai do 1º ao 10º, com especificações de “professor”, “mestre” e “grão mestre”.

Mas foi nesse intervalo entre 1º e 2º dan que a vida dele teve uma reviravolta. Com 14 anos, aquele que era uma das promessas do esporte viu o pai ser assassinado em um parque na região onde viviam. A história desse crime não é muito conhecida, mas testemunhas afirmam que foi resultado de um conflito pessoal.

Paulinho teria praticado crimes antes e durante o tempo na prisão

DIVULGAÇÃO

O assassinato do pai então, segundo relatos de pessoas próximas, passou a ser motivo de revolta e violência para o então adolescente. A partir daí, vieram os roubos, furtos, problemas e mais problemas com a polícia. As detenções começaram a ser cada vez mais frequentes e, pouco antes de completar 23 anos, em 1996, foi preso pela última vez.

Mas, depois de tanto tempo, o que amigos não entendem ao certo é “por que Paulo Cezar ainda está preso?” As investigações ao longo dos anos apontam que ele praticou os crimes pelos quais paga antes e durante o período em que está na cadeia. Acusações de roubos, homicídios, tráfico de drogas, entre outros delitos resultaram em condenações que somam quase 100 anos prisão.

“Todo mundo via como ele era diferenciado no esporte. Um lutador excepcional, que se destacava contra qualquer um que enfrentasse. Depois que ele viu a morte do pai, acabou se abalando muito e as coisas começaram a mudar. Mas ele nunca foi esse monstro que dizem que ele é”, afirmou um amigo de infância que preferiu não se identificar, tampouco quis indicar um advogado que defenda Paulo Cezar.

Sai o esporte, entra o crime

Hoje, já com 48 anos, o Paulo Cezar virou Paulinho Neblina, e é apontado pelas investigações da Polícia Civil paulista, Ministério Público do Estado de São Paulo e até pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública como um dos líderes da facção criminosa PCC (Primeiro Comando Capital).

Inimigo do Estado, o prodígio do esporte no país precisou ser transferido para presídios federais por supostamente representar uma ameaça no sistema carcerário paulista, onde ficou por mais de duas décadas.

“De acordo com a Secretaria de Administração Penitenciária, foi possível identificar quem são os líderes da organização criminosa que gerenciavam de dentro do estabelecimento prisional células da organização, com decisões para levantamento de endereços de agentes públicos para ordens de assassinatos, lavagem de capitais e tráfico de drogas. Segundo a secretaria, as investigações apontaram Paulo Cezar como um dos líderes”, diz um documento do Ministério da Justiça e Segurança Pública para justificar a manutenção de Paulinho em penitenciária federal, em abril de 2020.

Depois que ele viu a morte do pai, acabou se abalando muito e tudo começou a mudar. Mas ele nunca foi esse monstro que dizem que ele é

AMIGO DE INFÂNCIA DE PAULINHO

Mas antes de chegar a um presídio federal, o ex-atleta contava com um extenso histórico de lutas e derrotas. Nenhuma delas no esporte.

Ao longo dos últimos 25 anos ininterruptos atrás das grades, as principais batalhas de Paulinho são pela liberdade e pela vida, sendo que essa segunda tem um grande adversário chamado síndrome de Crohn. Trata-se de uma doença inflamatória crônica, que afeta o sistema digestivo e tem como um dos sintomas a perda de peso. Nessa luta, há quem sim torça para a doença, mas a família, claro, busca o tratamento.

Segundo os familiares, Paulinho precisaria de acompanhamento médico, medicamentos adequados e uma alimentação diferenciada. Está muito longe de ser a vida saudável de um atleta, mas nos presídios de São Paulo, a família ainda conseguia pagar por consultas e tinha mais facilidade para levar os alimentos necessários. Dentro do presídio, ele tentava de alguma forma praticar esportes.

Paulinho rodou por vários presídios no Estado de São Paulo, incluindo a W2, como é conhecida a Penitenciária de Presidente Venceslau 2, onde concentrava presos apontados como lideranças do PCC. Até que em setembro de 2018, deixou o presídio administrado pelo governo paulista pesando 85 kg e foi levado para a Penitenciária Federal de Porto Velho, em Rondônia.

“Quando ele estava em Presidente Venceslau lhe foi concedido o direito a realizar exames a cada três meses fora da unidade prisional e a receber uma dieta específica. Após a sua transferência, esse direito foi suprimido e não faz sentido ele receber tratamento adverso ao adequado, sendo ignorado o fato de a doença estar se agravando a cada dia, pois a sua magreza exacerbada é um dos principais alertas”, afirma Eunice Ferreira, de 72 anos, mãe do Paulinho.

Não tenho nem força mais para poder me exercitar. Minha pressão vive baixa, pois não tenho ânimo nem para sair da cama

PAULINHO NEBLINA, FAIXA PRETA DE TAEKWONDO E SUPOSTO LÍDER DO PCC

A essa altura da vida, quase não há mais indícios do Paulinho atleta de três décadas atrás. Quatro meses após ser transferido para o presídio federal, ele escreveu uma carta que tenta evidenciar o quanto está em desvantagem na batalha pela sobrevivência. O manuscrito foi encaminhado para Corregedoria-Geral da Justiça Federal teve acesso.

“Não tenho nem força mais para poder me exercitar. Minha pressão vive baixa, pois não tenho ânimo nem para sair da cama. Isso tudo está me abalando fisicamente, pois já tenho 45 anos de idade e não poderia estar perdendo peso como estou, e psicologicamente também, porque estou vivendo dessa forma, jogado sem assistência nenhuma”, escreveu. A carta é datada em 28 de janeiro de 2019.

A luta agora é outra

Penitenciária de Brasília, onde Paulinho está detido

Penitenciária de Brasília, onde Paulinho está detido

MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL GERAL

Paulinho ficou no presídio da região Norte do país por pouco mais de um ano e perdeu 22 kg, de acordo com a família. Em dezembro do ano passado, foi transferido para a Penitenciária Federal de Brasília, onde permanece até os dias atuais.

Pouco depois de chegar na penitenciária da capital federal, Paulinho foi um dos presos que esteve na linha de frente em uma luta por melhor alimentação, atendimento médico e contra possíveis maus-tratos que acontecem na unidade administrada pelo Governo Federal. O movimento iniciou pouco antes da pandemia do coronavírus no Brasil.

Além do ex-atleta, há informações de que Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, considerado o número um do PCC, e seu irmão Alejandro Juvenal Herbas Camacho Júnior, e outros presos iniciaram uma greve de fome para exigir mudanças no tratamento nos presídios federais. Uma das principais reivindicações era uma tentativa para que a dieta necessária de Paulinho fosse respeitada.

A luta foi enfraquecida pela chegada da pandemia, principalmente com a suspensão das visistas. Se antes Paulinho conseguia conversar com a mãe sob total monitoramento do Sistema Penitenciário Federal, agora nem isso pode mais.

A vida do ex-atleta se resume aos dias em uma cela de aproximadamente sete metros quadrados, com uma cama, uma banco, uma escrivaninha, prateleiras, vaso, pia e chuveiro, e direito a duas horas de banho de sol por dia, enquanto pensa em uma que não poderá pagar.

Medo de notícia

Certificado de graduação no taekwondo

Certificado de graduação no taekwondo

REPRODUÇÃO

Daqui a seis meses completa exatamente 30 anos da conquista do 2º dan da faixa preta por Paulinho Neblina. Foi o último nível que ele atingiu no esporte. Naquela época, a família imaginava o nome dele com grandes reconhecimentos como um atleta vencedor. De fato, Paulinho Neblina se tornou uma figura conhecida, mas sua fama provoca sustos na família.

“Há 28 anos venho acordando assustada no meio da noite, acompanhando noticiários policiais esperando pelo pior, passando por constrangimentos e todo tipo de abusos, dormindo em porta de prisões, viajando quilômetros e quilômetros, implorando por notícias a cada transferência, sofrendo de ansiedade, tendo problemas cardíacos e neurológicos, sendo obrigada a assistir e a ouvir a todo tipo de sofrimento, sendo enganada por advogados, aflita com o telefone que toca, tendo que ser forte mesmo quando tudo está ruim”, disse a mãe.

Dona Eunice tem cada vez mais medo de ver os noticiários. O temor parece justo, já que nenhuma informação do filho é divulgada de forma oficial e uma quebra nesse sigilo pode representar que o pior aconteceu com ele. E ela não espera parada.

“Sou uma senhora idosa e com a saúde já debilitada, porém, determinada e disposta a perder a vida pelo meu filho e pelas milhares de famílias que passam pela mesma situação”, disse.

Para o R7, o Departamento Penitenciário Nacional negou dar qualquer informação sobre Paulinho. Não respondeu sobre possíveis práticas de esporte, nem as condições de saúde dele.

O órgão, que é ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública e administra os presídios federais, disse apenas de forma geral que “fornece toda a assistência material e saúde básica com direito a consultas presenciais e por telemedicina”, e afirmou que “há uma equipe biopsicossocial com clínicos médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, psicólogos, terapeutas ocupacionais, dentistas, farmacêuticos, assistentes sociais e pedagogos” nas penitenciárias.

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