O Dólar disparou e fechou no segundo maior patamar desde a pandemia

Em meio ao aumento de incertezas no quadro fiscal, moeda norte-americana sobe 1,53%, para R$ 5,87, a maior cotação desde maio de 2020, de R$ 5,90

No primeiro dia do mês de novembro, o dólar manteve o ritmo de alta de outubro e registrou a maior valorização diária ante o real no ano desde 20 de setembro, em meio ao aumento da desconfiança do mercado em relação à capacidade do governo conseguir equilibrar as contas públicas e o avanço do republicano Donald Trump nas pesquisas eleitorais na disputa presidencial dos Estados Unidos.

A moeda norte-americana fechou o pregão de ontem com alta de 1,53%, cotada a R$ 5,87 — segundo maior patamar desde maio de 2020, no auge da pandemia da covid-19, de R$ 5,90. Frente à divisa norte-americana, o real registrou a pior queda entre 22 das principais moedas do mundo inteiro, seguido pelo peso mexicano e o rublo russo. Além disso, o dólar emplacou a quinta semana consecutiva de valorização ante o real. Durante esse período, o câmbio acumulou um avanço de mais de 8%. No ano, a valorização supera 20%.

Ao longo do dia, os investidores reagiram aos dados sobre o mercado de trabalho nos Estados Unidos, divulgados pela manhã no payroll de outubro. De acordo com a publicação, a taxa de desemprego permaneceu estável, em 4,1%, em linha com as expectativas do mercado. Apesar disso, os investidores ainda avaliam que há um movimento de desaceleração do emprego no país.

Na avaliação a analista e gerente de Research da Nomad, Paula Zogbi, o mercado mantém a narrativa de uma atividade econômica robusta para os EUA. “É importante lembrar que o payroll foi influenciado por greves e eventos climáticos, ainda que não seja possível quantificar o impacto formalmente. A proximidade da eleição norte-americana na terça-feira (5) também pesa, pela volatilidade que esse momento adiciona ao mercado e as perspectivas para potenciais políticas que poderiam fortalecer a moeda”, disse.

Fatores de risco

Apesar do movimento global de alta do dólar, a analista ressaltou que isso não justifica o resultado da taxa de câmbio brasileira, que registrou um dos piores desempenhos no dia. “Por aqui, o mercado digere notícias de que medidas de contenção de gastos não devem ser anunciadas na próxima semana, e rumores de que as propostas não deverão trazer mudanças estruturais. A saúde fiscal é o principal fator de risco para o câmbio e os ativos brasileiros”, completou Zogbi.

Enquanto o dólar manteve a trajetória de alta, o Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (B3) encerrou o dia em queda de 1,23%, aos 128.120 pontos. Ao longo da semana, o Índice Bovespa, principal indicador da B3, acumulou baixa de 1,36%, com as principais ações listadas registrando performances abaixo da média.

Na avaliação de Luciano Nakabashi, professor de Economia da Universidade de São Paulo (USP), em Ribeirão Preto, o principal motivo da depreciação cambial é a incerteza fiscal. Nesta semana, o mercado reagiu mal diante das falas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que disse que não havia data para o anúncio de novas medidas de corte de gastos. No dia seguinte, o chefe da pasta adiantou que isso deve ser feito em novembro. “Existe mais incerteza e isso afeta a expectativa de depreciação futura, você acaba reduzindo também o investimento do pessoal que faz investimento em carteira, investimento financeiro”, pontuou o especialista. Vale destacar que o valor atual do dólar também é o maior desde o início do governo Lula, que lida com pressões do mercado em relação à gestão fiscal.

Impactos para o cidadão

O resultado negativo da Bolsa brasileira foi resultado da desvalorização de ações de grandes varejistas e bancos nacionais. Após o dólar atingir o maior valor desde maio de 2020, surgem especulações sobre qual vai ser o comportamento da moeda a partir de agora, como, por exemplo, se vai ultrapassar os R$ 6, ou se deve voltar a um patamar próximo a R$ 5,40, como em meados de setembro.

Nesse contexto, especialistas avaliam que é importante ficar atento e evitar gastos desnecessários, principalmente se envolverem diretamente produtos e serviços importados ou lastreados na divisa norte-americana. Na avaliação do doutor em Economia pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU), Benito Salomão, também é bom observar se o movimento de alta é algo mais pontual ou que deve se refletir a médio e longo prazos.

“Se for um movimento causado pontualmente, nós não temos maiores preocupações a respeito disso. Porque o câmbio vai voltar e isso não vai ter maiores implicações”, explicou Salomão. “Agora, se não for um movimento pontual, se for um movimento persistente, há muitos problemas que isso pode trazer. O primeiro é o repasse disso para preços domésticos, por meio das importações mais caras”, acrescentou o professor.

Ao considerar um cenário de alta duradoura, o aumento do dólar deve causar um efeito cascata sobre a economia brasileira, com impacto direto ou indireto sobre diversos setores, alertou o economista Samuel Dourado, especialista em macroeconomia. “Sob a perspectiva do consumidor final, o aumento do dólar tem aspecto inflacionário pois encarece itens básicos como alimentação, transporte, vestuário, itens de tecnologia”, afirmou.

Em um contexto de alta instabilidade e com poucas certezas, o mercado financeiro tem reagido de maneira mais rápida e contundente diante de movimentos pontuais da economia, tanto no exterior quanto no Brasil. Com essa percepção, o professor de Economia do Ibmec-DF William Baghdassarian lembrou que o mercado age de maneira “menos racional” do que em outros momentos. “Ele se comporta de acordo com os incentivos que a gente espera. A gente tem incentivos que deveriam trazer o câmbio para baixo, mas outros incentivos que são, às vezes, muito mais frágeis e acabam fazendo com que o câmbio vá na outra direção”, destacou.

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