Pesquisa realizada com 128 mil profissionais em mais de 160 países acende alerta para os profissionais brasileiros, com altos índices diários de tristeza, estresse e raiva. Realidade global causa prejuízo anual de US$ 8,9 tri, cerca de 9% do PIB mundial
No atual contexto corporativo, onde a produtividade e a criatividade são recursos extremamente valiosos, garantir a satisfação dos funcionários tem se mostrado um fator competitivo relevante. Para Juliana Rodermel, especialista em felicidade e saúde mental no trabalho, esse sentimento de bem-estar não se trata de um luxo, mas de um elemento essencial para o engajamento e a produtividade.
“O bem-estar emocional dos colaboradores deve ser tratado como uma prioridade estratégica, pois empresas que cuidam de seus times veem resultados em inovação, engajamento e retenção. Quando os trabalhadores estão felizes e mentalmente saudáveis, isso reflete em um desempenho mais sustentável e lucrativo”, afirma Rodermel.
De acordo com Simone Nascimento, médica e consultora de saúde mental, a felicidade corporativa depende tanto das empresas quanto dos colaboradores. Ela afirma que cabe às empresas, além de ofertar condições financeiramente compensadoras, oferecer um clima organizacional que promova a criatividade, que tenha muito claras as expectativas em relação ao trabalho e, sobretudo, que promova segurança psicológica.
Rodermel acrescenta que a criação de espaços no trabalho onde os funcionários se sintam ouvidos e valorizados corrobora na construção de um ambiente mais equilibrado emocionalmente. “É fundamental investir em lideranças empáticas, incentivar a prática de pausas regenerativas e promover a conexão genuína entre as equipes. Outro ponto importante é oferecer suporte à saúde mental, como espaços de escuta e iniciativas que incentivem o equilíbrio entre vida pessoal e profissional”, afirma.
Já no caso dos colaboradores, Nascimento destaca a importância do autoconhecimento. “A inteligência emocional, que é a autogestão e o autoconhecimento, ajuda-nos a entender aonde nos cabe e também a lidar com as situações de reverso, porque a felicidade no trabalho e na vida não é só não é sobre não ter problemas ou sobre não se aborrecer ou se estressar. Isso é inerente à existência humana”, diz.
Cenário nacional
Um estudo conduzido pela consultoria Gallup mostra que o Brasil está na quarta posição entre as nações da América Latina com o maior número de trabalhadores infelizes ou estressados. Conforme os dados, 25% dos profissionais brasileiros se sentem tristes diariamente. O país fica atrás apenas de Bolívia (32%), El Salvador (26%) e Jamaica (26%). Além disso, 18% dos brasileiros relatam vivenciar raiva todos os dias. Ao todo, foram entrevistados 128 mil profissionais em mais de 160 países.
A pesquisa também revela que o Brasil ocupa o sétimo lugar na lista dos países mais estressados da região, com 46% dos trabalhadores enfrentando estresse diariamente. A Bolívia lidera essa estatística com 55%, enquanto Paraguai (34%) e Jamaica (35%) apresentam as menores taxas de estresse entre os profissionais.
Outro aspecto relevante do levantamento é a influência da gestão no bem-estar dos colaboradores — 41% dizem sentir “muito estresse”. Funcionários que operam sob uma liderança deficiente têm 60% mais probabilidade de vivenciar altos níveis de estresse. O relatório da Gallup ressalta que elevados níveis de estresse e sentimentos negativos geram perdas significativas na produtividade. Estimam-se que esses problemas resultem em um prejuízo global de US$ 8,9 trilhões anualmente, o que representa 9% do PIB mundial.
Fim da escala 6×1
A proposta de emenda à Constituição (PEC) que busca abolir a escala 6×1, que envolve seis dias de trabalho seguidos de apenas um dia de descanso, tem gerado um fervoroso debate nas redes sociais e nos âmbitos político e econômico recentemente. A questão da saúde mental, especialmente em relação à ansiedade, ao burnout e à escassez de opções de lazer para os trabalhadores nessa jornada, também ganhou destaque.
Especialistas consultados destacam que a concessão de dias de folga pode trazer vantagens que vão além do mero descanso e da atenção à saúde, influenciando de forma positiva a produtividade e o engajamento dos trabalhadores. Caso o tema seja debatido pelos parlamentares, esses aspectos devem ser considerados na discussão.
Segundo Nascimento, os trabalhadores brasileiros estão sobrecarregados desde a Revolução Industrial e isso está muito ligado ao cenário de estresse e de infelicidade enfrentado pelos trabalhadores. A médica cita que o fim da escala 6×1 traz benefícios tanto para saúde mental quanto física. Entre os benefícios, ela cita o aumento do convívio com os familiares, mais tempo para se dedicar aos estudos e à capacitação, disponibilidade e disposição para fazer atividades físicas, entre outros.
“O redesenho das atividades, a automação de processos repetitivos e a busca por um equilíbrio entre produtividade e qualidade de vida são fatores igualmente importantes”, afirma Rodermel. No entanto, ela frisa que “não basta alterar a jornada sem revisar a carga de trabalho, o suporte emocional oferecido e as condições gerais do ambiente laboral. Uma mudança genuína requer planejamento estratégico, diálogo e, acima de tudo, ações que promovam um bem-estar integrado, tanto físico quanto mental”, pontua.
Felicidade como negócio
Embora tenha construído uma carreira de sucesso, a publicitária Flávia da Veiga, 48 anos, sentia-se infeliz. “Eu era bem-sucedida, tinha uma vida boa, muito confortável, tinha uma família maravilhosa, tinha tudo que manda o figurino, tudo que uma pessoa feliz aparentemente tem, mas eu não era feliz e me sentia muito culpada por ter uma vida muito boa e confortável, mas nada era bom suficiente”, afirma.
Em 2016, depois de um evento traumático, a conjuntura ficou ainda pior. À época, a área de lazer do condomínio em que residia em Vitória (ES) desabou, levando-a a ser diagnosticada com depressão e estresse pós-traumático. “Essa sensação de quase morte que me levou ao estresse pós-trauma e eu acabei entrando em depressão, mas ao mesmo tempo, veio-me uma urgência de ser feliz, de viver bem e eu não sabia ser feliz”, relata Veiga.
Foi nesse contexto que Veiga decidiu investigar a felicidade na intenção de contribuir para seu tratamento, e logo começou a realizar palestras sobre o tema. Em paralelo, Flávia venceu a concorrência na criação de uma campanha publicitária com foco na felicidade nas empresas. Para esse projeto, ela idealizou um aplicativo que ajudasse a organização a cultivar hábitos que promovem a felicidade.
Ela explica que, a princípio, desenvolveu o aplicativo quase como um projeto social, pois ainda era sócia de uma agência. Mais tarde, esse protótipo deu origem à BeHappier, uma consultoria que conta com um aplicativo especializado em incentivar a felicidade no ambiente corporativo. “Nesse processo, fui estudar de uma forma muito intensa, porque não tinha nada a ver com o meu negócio”, afirma a publicitária.
A criação da startup ocorreu em meio a uma nova tragédia pessoal. Em 2019, o filho mais velho de Veiga sofreu um disparo e ficou paraplégico. “Quando isso aconteceu com meu filho, eu entendi que, na realidade, a felicidade era a minha grande missão. E aí, eu decidi sair da sociedade da agência para me dedicar exclusivamente ao BeHappier”, conta a capixaba, que já observa o impacto de seus esforços e pretende expandir, cada vez mais, no próximo ano.