1,34 bilhão de pessoas entre 15 e 39 anos ingerem quantidade nociva de álcool

A ingestão excessiva aumenta a vulnerabilidade a cânceres e outras doenças. Estudo mostra ainda que 76% dos excessos são cometidos por homens

Homens de 15 a 39 anos estão abusando de álcool em todo o mundo, sob o risco de desenvolverem doenças graves, como cânceres, alerta um estudo global publicado na revista The Lancet. Baseado nas estimativas do consumo da substância em 204 países, os pesquisadores concluíram que 1,34 bilhão de jovens e adultos ingeriram quantidades nocivas de bebidas alcoólicas em 2020, sendo que 59,1% deles estão nessa faixa etária. Os autores também constataram que, dos 15 aos 39, não há qualquer benefício à saúde em decorrência do consumo de álcool, enquanto que, para pessoas acima de 40 anos, a ingestão moderada pode trazer algumas vantagens. Essa última afirmação, porém, é controversa.

Os dados indicam que 60% das lesões registradas no mundo, incluindo acidentes de carro, suicídios e homicídios, entre adolescentes e jovens adultos estão associadas às bebidas alcoólicas. Por isso, os pesquisadores pedem políticas públicas voltadas especialmente a homens com menos de 40 anos — 76,7% dos que ingerem quantidades nocivas são do sexo masculino — e sugerem que as diretrizes de consumo do álcool sejam revistas e adaptadas por faixa etária.

“Embora os riscos associados ao consumo de álcool sejam semelhantes para homens e mulheres, os jovens do sexo masculino se destacaram como o grupo com maior nível de consumo nocivo”, observou, em comunicado, Emmanuela Gakidou, professora do Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde da Escola de Medicina da Universidade de Washington, autora sênior do artigo. “Isso ocorre porque uma proporção maior de homens em comparação com mulheres consome álcool, e seu nível médio de consumo também é significativamente maior”, acrescentou.

No estudo, os pesquisadores avaliaram o risco associado à ingestão de álcool para homens e mulheres a partir dos 15 anos, entre 1990 e 2020. As partes do globo com maior abuso da substância são Australásia, Europa oriental e central e Cone Sul (Argentina, Chile e Uruguai — embora estados brasileiros eventualmente façam parte dessa região, eles ficaram de fora na publicação da The Lancet). A distribuição da carga de doenças relacionadas à bebida, como câncer, males cardiovasculares e tuberculose, variou entre as regiões, especialmente para maiores de 40.

Mas, de forma geral, os principais danos causados globalmente pela substância foram acidentes, homicídios e suicídios, especialmente entre os mais jovens. “Nossa mensagem é simples: os jovens não devem beber. Embora possa não ser realista pensar que os jovens adultos vão se abster de beber, achamos importante comunicar as evidências mais recentes para que todos possam tomar decisões informadas sobre sua saúde”, disse Emmanuela Gakidou.

Dose segura?

A pesquisa também indica que adultos saudáveis com 40 anos ou mais podem obter alguns benefícios do pequeno consumo de álcool — entre uma e duas doses padrão, sendo essa medida definida como 10 gramas da substância pura. É o equivalente a 100ml de vinho ou uma lata de cerveja, por exemplo. Entre as vantagens encontradas na análise estatística está a redução do risco de doenças cardiovasculares, derrame e diabetes.

No geral, para pessoas entre 40 e 64 anos, os níveis de consumo seguro de álcool variaram de cerca de meio drinque padrão por dia (0,527 para homens e 0,562 para mulheres) a quase dois drinques padrão (1,69 para homens e 1,82 para mulheres). Naquelas com mais de 65 anos, houve aumento do risco de doenças e lesões após a ingestão de mais de três doses diárias, em ambos os sexos.

A afirmação de que um consumo baixo de álcool pode beneficiar pessoas acima de 40 anos é controversa, pois outros estudos, inclusive um de 2018 publicado na mesma revista científica, apontam que a bebida é prejudicial em qualquer faixa etária. A Federação Norte-Americana do Coração, por exemplo, destaca, em suas diretrizes, que, quanto à saúde cardiovascular, não há níveis seguros da substância.

Quanto ao câncer, Raul Pharoah, professor de epidemiologia oncológica da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, diz que há associações causais entre bebidas alcoólicas e tumores do esôfago e de cabeça/pescoço. “Outras evidências sugerem que o consumo de álcool causa um risco aumentado de câncer de mama feminino, tumores de fígado e de intestino. Limitar o consumo é uma das muitas formas de viver um estilo de vida mais saudável e de reduzir o risco de câncer”, afirma.

Os autores do estudo publicado ontem na The Lancet insistem na necessidade de políticas públicas que considerem as diferenças de malefícios à saúde por faixa etária. “O nível recomendado de consumo de álcool ainda é muito alto para populações mais jovens. Nossas estimativas apoiam diretrizes que diferem por idade e região. Compreender a variação no nível de consumo de álcool que minimiza o risco de perda de saúde pode ajudar a estabelecer diretrizes de consumo eficazes, apoiar políticas de controle de álcool, monitorar o progresso na redução do uso nocivo da substância e projetar mensagens de risco à saúde pública “, destacou a autora principal, Dana Bryazka, pesquisadora do Instituto de Métricas e Avaliação de Saúde da Escola de Medicina da Universidade de Washington.

Complicações diversas

“Apesar de ainda existir alguma controvérsia na literatura científica sobre a relação entre o uso moderado de álcool e danos à saúde, não temos dúvidas quanto aos malefícios do uso crônico e abusivo ao nosso organismo. Esse hábito pode levar à pancreatite crônica e à cirrose hepática, além de distúrbios neurológicos, como depressão e quadros demenciais, e favorecer o aparecimento de doenças cardiovasculares, como infarto e derrame. O consumo excessivo de álcool também favorece o desenvolvimento de diversos tipos de cânceres, como de boca, faringe, laringe, esôfago, estômago, fígado, intestino e mama. Os mecanismos envolvidos estão relacionados à lesão celular e à maior penetração de agentes carcinogênicos ambientais nas células. Para a prevenção de câncer, não há níveis seguros de ingestão de álcool. Além disso, é importante destacar que há uma evidente relação entre a quantidade de bebidas alcoólicas consumidas e o risco de câncer. Ou seja, quanto maior a dose ingerida e o tempo de exposição, maior será o risco.”

Daniela Carvalho, médica gastrohepatologista da clinica Gastrocentro e do Hospital de Base de Brasília

País em alerta

O artigo da The Lancet foi publicado na mesma semana em que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou um grave dado sobre jovens e álcool. Segundo a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE), aumentou o percentual de adolescentes de 13 a 17 anos, no país, que já consumiram álcool, passando de 61,4% em 2015 para 63,3% em 2019.

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