Apenas com uma pequena amostra de tecido, cientistas conseguiram construir um dagrama funcional completo de uma parte do órgão de um roedor. A representação do circuito neuronal tem 1,6 petabytes de tamanho e oferece um quadro nunca visto da função cerebral
A partir de uma pequena amostra de tecido, do tamanho de um grão de areia, cientistas chegaram perto de um objetivo antes considerado inatingível: construir um diagrama funcional completo de uma parte do cérebro de um roedor. O resultado, publicado na revista Nature, é fruto de um trabalho de sete anos de equipe global de mais de 150 neurocientistas e pesquisadores.
O Projeto Machine Intelligence from Cortical Networks (MICrONS) construiu o diagrama de fiação mais detalhado do cérebro de um mamífero até o momento. A representação do circuito neuronal tem 1,6 petabytes de tamanho (equivalente a 22 anos de vídeo HD ininterrupto) e oferece um quadro nunca visto da função cerebral e da organização do sistema visual. “Os avanços do MICrONS publicados nesta edição especial da Nature são um momento decisivo para a neurociência, comparáveis ao Projeto Genoma Humano em seu potencial transformador”, disse David A. Markowitz, ex-gerente de programa da Iarpa que coordenou o trabalho.
O investimento inovador da Iarpa no programa MICrONS superou as limitações tecnológicas anteriores, criando a primeira plataforma para estudar a relação entre estrutura e função neural nas escalas necessárias para compreender a inteligência. Essa conquista valida nossa abordagem de pesquisa focada e prepara o terreno para o futuro escalonamento para todo o cérebro.
Youtube
Cientistas do Baylor College of Medicine e do Allen Institute, nos Estados Unidos, registraram a atividade cerebral de uma porção de um milímetro cúbico do córtex visual de um camundongo enquanto o animal assistia a vários filmes e clipes do YouTube. Depois, o tecido foi fatiado em mais de 25 mil camadas, cada uma com 1/400 da largura de um fio de cabelo humano, e usaram uma série de microscópios eletrônicos para tirar fotos de alta resolução de cada fatia.
Finalmente, outra equipe da Princeton University usou inteligência artificial e aprendizado de máquina para reconstruir as células e conexões em um volume 3D. Combinado com as gravações da atividade cerebral, o resultado é o maior diagrama de fiação e mapa funcional do cérebro até hoje, contendo mais de 200 mil células, quatro quilômetros de axônios (os ramos que se estendem a outras células) e 523 milhões de sinapses (os pontos de conexão entre as células).
“Dentro daquele pequeno ponto, há uma arquitetura completa, como uma floresta requintada”, disse Clay Reid, pesquisador sênior do Instituto Allen. “Ela contém todos os tipos de regras de conexão que conhecíamos de várias áreas da neurociência e, dentro da reconstrução em si, podemos testar as teorias antigas e esperar encontrar coisas novas que ninguém jamais viu antes.”
Futuro
“Esse é o futuro em muitos aspectos”, ressaltou Andreas Tolias, um dos principais cientistas que trabalharam neste projeto no Baylor College of Medicine e na Universidade Stanford. “O MICrONS será um marco no qual construiremos modelos de base cerebral que abrangem diversos níveis de análise, desde o nível comportamental até o representacional da atividade neural e até mesmo o nível molecular.”
Compreender a forma e a função do cérebro e a capacidade de analisar as conexões detalhadas entre os neurônios em uma escala sem precedentes abre novas possibilidades para o estudo do cérebro e da inteligência. Também tem implicações para transtornos como Alzheimer, Parkinson, autismo e esquizofrenia, que envolvem interrupções na comunicação neural, afirmaram os pesquisadores.