O boato tem efeito dominó perigoso. Quantos famosos já não ressuscitaram depois de mortos pela mídia?
Notícias falsas sempre existiram. Quando um rumor é publicado como verdade nasce o boato. No passado, na pressa para dar um furo antes dos colegas, se um jornalista passasse uma informação errada, estava cometendo uma “barriga”. Sinônimo de vergonha e retratação. Entre os colegas responsáveis por realizar a cobertura de eventos e temas diversos, era difícil encontrar alguém que nunca tivesse sido vítima de uma “barrigada”: bastava um zero a mais ou a menos e o valor publicado estaria muito acima ou abaixo da realidade. É verdade que há alguns anos atrás a checagem não contava com a rapidez da internet, mas nada atenua o fato de o repórter não ter checado suficientemente sua matéria e ter cometido um erro por desatenção, que ficaria para sempre em seu currículo.
O pior é quando representantes do povo, eleitos para a defesa de interesses públicos, como o acesso à informação, são acusados por suposto esquema de criação de perfis falsos e produção de notícias inverídicas, e ainda com dinheiro do contribuinte. Esse tipo de indústria de fake news cria desconfiança e consequente perda de credibilidade jornalística, em especial para a grande imprensa. Constitui uma prática antidemocrática e que fere os princípios do bom jornalismo: o de informar, confundido com o de emitir uma opinião; o de apurar, não o de reproduzir o que outros meios estão espalhando; e o de ouvir todos os envolvidos; no lugar de priorizar um determinado lado.
Mais grave ainda é quando um político com formação em jornalismo resolve usar sua equipe de gabinete para criar e disseminar ataques contra adversários políticos, segundo denúncias em apuração. Em época de fake news, os jornalistas têm o dever de redobrar os cuidados, de primar pela precisão, de se conscientizarem da importância de checar várias vezes a informação, tarefa basilar no cenário atual. É esse esforço que contribui para desmascarar práticas de desinformação que já não estão apenas limitadas ao campo da política. Documentos deliberadamente falsos são publicados online com o objetivo de manipular os consumidores. Não se trata de notícia falsa e sim de notícia falsificada. Toda vez que uma notícia sem exatidão atinge os leitores, a obrigação dos jornalistas é de corrigi-la da forma mais clara e efetiva possível. Corrigir é obrigatório, um ato de justiça e as erratas devem ser feitas com presteza.
Hoje, há mais pessoas na redação sentadas à frente de um computador apurando fatos do que nas ruas. Com o computador, é possível escrever um texto, editar um vídeo, gravar o aúdio para uma reportagem e disponibilizar o conteúdo na rede. A Internet coloca nas mãos dos jornalistas a possibilidade de obter rapidamente a informação necessária para complementar suas matérias. A praticidade tem seu preço, uma vez que padroniza o conteúdo por meio do uso das mesmas fontes. A convergência das mídias nem sempre significa maior qualidade do produto informativo. Os ciberjornalistas do século XXI logo compreenderam que filtrar a informação na rede seria uma das suas funções mais relevantes.
Para aqueles que apontam rumo a um possível enfraquecimento do papel do jornalista, a onda de fake news aumentou a demanda pelo bom profissional: além de criador de conteúdo, o jornalista passa a ser também gestor da superabundância virtual, capaz de analisar e hierarquizar a informação significativa para um público cada vez mais exigente e vigilante. A vacina mais eficaz contra a desinformação fruto de fake news é a prática jornalística sustentada pela ética profissional e pelo respeito ao interesse público. Como afirma o professor e doutor em Comunicação Manuel Pinto, “É com profissionais criteriosos, exigentes na investigação e sensíveis ao bem comum que o jornalismo pode sair dos impasses em que se encontra”.
*Jornalista, Mestre em Comunicação Pública e Política.