A escassez de planos de saúde individuais e familiares no mercado tem pressionado o orçamento da classe média brasileira que enfrenta dificuldades crescentes para se manter vinculada a um mesmo contrato no longo prazo.
A alta nos preços de itens essenciais, como a alimentação, tem feito com que famílias da classe média enxuguem despesas, como o plano de saúde, para manter o mínimo de conforto, conforme explicou André Braz, coordenador dos índices de preços da Fundação Getúlio Vargas (FGV), à Veja.
Atualmente, a maioria dos contratos comercializados é de natureza coletiva, o que implica que seus reajustes não seguem automaticamente o índice definido pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), que em 2025 ficou em 6,06%.
Nos últimos anos, planos coletivos registraram aumentos de preços significativamente superiores ao índice estipulado pela agência reguladora, impactando diretamente as finanças das famílias que dependem desses contratos para ter acesso à saúde privada no país.
Entre 2015 e 2025, os reajustes acumulados dos planos de saúde coletivos, que abrangem 43,6 milhões de beneficiários, atingiram 383,5%, enquanto os planos individuais acumularam variação de 146,48%. No mesmo período, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação geral, subiu 84%, com projeção de 5,2% para 2025.
Para o advogado especialista em ação contra planos de saúde, Elton Fernandes, esse cenário resulta em uma alta rotatividade dos consumidores nos contratos atuais. “É comum ver idosos vinculados a um mesmo plano de saúde há 20 ou 30 anos. Mas, nos contratos atuais, o reajuste aplicado aos planos coletivos é justamente o fator que dificulta essa permanência no longo prazo”, explica o profissional.
Segundo a consultoria Mercer Marsh, que administra uma carteira de 5 milhões de usuários, o gasto com planos de saúde representava 11,5% da folha de pagamento das empresas em 2015, mas deve alcançar 15,8% em 2025. Esse incremento reflete o peso crescente dos convênios médicos no orçamento, tanto para empresas quanto para os trabalhadores que arcam com parte dos custos.
Planos falso coletivos têm reajustes superiores ao índice da ANS
A falta de planos individuais e familiares no mercado, que atualmente representam apenas 16,4% (8.627.508) dos 52,3 milhões de beneficiários de planos de saúde no Brasil, tem levado muitas famílias a recorrerem aos planos coletivos.
Esses contratos, firmados por meio de microempreendedores individuais (MEIs) ou pequenas empresas com até cinco usuários, totalizam 5,4 milhões de beneficiários, quase o mesmo volume dos planos por adesão. Além disso, estão sujeitos a reajustes muito superiores ao teto de 6,06% definido pela ANS para os planos individuais e familiares, válido de maio de 2025 a abril de 2026.
Um estudo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), publicado em agosto de 2023, mostrou que os reajustes dos planos de saúde coletivos foram até duas vezes maiores que os dos individuais entre 2017 e 2022. Enquanto os planos individuais registraram aumento de 35,41%, os coletivos empresariais com até 29 vidas subiram 82,36%, os coletivos por adesão com até 29 vidas, 74,33%, os coletivos por adesão com 30 vidas ou mais, 67,68%, e os coletivos empresariais com 30 vidas ou mais, 58,94%.
Falta de regulação da ANS compromete planos coletivos
Carla Soares, diretora-presidente interina e responsável pelas Normas e Habilitação dos Produtos da ANS, explicou em nota que o reajuste dos planos individuais considera o aumento das despesas assistenciais das operadoras em 2024, incluindo o custo dos procedimentos e a frequência de uso dos serviços. “Nosso objetivo é garantir equilíbrio ao sistema: proteger o consumidor de aumentos abusivos e, ao mesmo tempo, assegurar a sustentabilidade do setor”, afirma.
No entanto, a ausência de um teto regulatório para os planos coletivos, que abrangem 83,5% dos usuários de planos de saúde, segundo dados da ANS de maio de 2025, é apontada como uma falha por especialistas. Marina Paullelli, coordenadora do Programa de Saúde do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), destacou que “o teto anunciado deixa de fora parcela considerável dos contratos do setor, reajustada em patamares histórica e significativamente superiores”.
“O tema está em discussão no Judiciário, e decisões reiteradas têm afastado os reajustes aplicados a contratos coletivos quando constam apenas integrantes de uma mesma família. Nesses casos, o critério adotado costuma ser a finalidade do contrato, e não apenas sua classificação formal”, explica o advogado Elton Fernandes.
Desempenho financeiro das operadoras
Apesar dos desafios enfrentados pelos consumidores, as operadoras de saúde registraram recuperação financeira. No primeiro trimestre de 2025, o lucro líquido do setor atingiu R$ 6,9 bilhões, mais que o dobro dos R$ 3,1 bilhões do mesmo período em 2024. Esse desempenho reflete a recomposição de margens após anos de prejuízos, como o de R$ 10 bilhões em 2022, quando as operadoras elevaram as mensalidades para compensar perdas operacionais.
Segundo analistas do Goldman Sachs, o reajuste de 6,06% para os planos individuais está dentro da faixa esperada (6% a 7%) e é inferior aos 6,91% de 2024 e 9,63% de 2023, indicando uma desaceleração dos custos médicos após os impactos da pandemia.
No entanto, os planos coletivos, especialmente os corporativos e para PMEs, continuam registrando reajustes superiores, frequentemente acima de 20%, mesmo com a recuperação financeira do setor. Segundo o advogado Elton Fernandes, a falta de regulação específica sobre os reajustes dos planos coletivos contribui para a aplicação de aumentos mais elevados nesses contratos, o que pode impactar o orçamento das famílias que dependem da saúde suplementar.