Vencedor da Palma de Ouro em 2024, Anora é uma obra profunda e provocante que
explora questões de identidade, transformação pessoal e as barreiras invisíveis que a
sociedade impõe. Sob a direção de Sean S. Baker, conhecido por seu olhar sensível em
filmes como Tangerine (2015) e The Florida Project (2017), o filme apresenta uma
protagonista fascinante, cujo desejo de mudança colide com a implacável realidade de um
sistema que nunca permite que ela se liberte totalmente de seu passado. Com uma mescla
hábil de drama e comédia, Anora convida o espectador a refletir sobre o preço da
reinvenção e a rigidez das normas sociais.
Baker, conhecido por seu olhar detalhista e sensível, equilibra de forma notável momentos
de alívio cômico com críticas sociais disfarçadas. Em Anora, ele utiliza o humor exagerado
para expor as tensões entre diferentes camadas da sociedade e as limitações impostas
pelas convenções sociais. A comédia quase absurda que permeia o filme serve para revelar
a resistência das estruturas que buscam limitar a protagonista, enquanto, ao mesmo tempo,
explora as complexidades psicológicas de Anora. A luta entre seu desejo de transformação
e a dificuldade de se desvincular de um passado opressor torna-se o cerne do filme, que
mergulha na incessante busca por identidade e liberdade, ao mesmo tempo em que
questiona até que ponto a reinvenção é realmente possível.
O grande destaque do filme, no entanto, é a performance de Mikey Madison. Sua
interpretação de Anora é rica e multifacetada, capturando a complexidade da personagem
com uma sensibilidade impressionante. Madison equilibra com maestria a vulnerabilidade e
a determinação da protagonista, transmitindo sua luta interna para deixar para trás uma vida
anterior enquanto enfrenta as pressões externas e as limitações impostas por seu passado.
Sua atuação é o alicerce emocional do filme, conferindo intensidade e profundidade à
jornada de Anora. Embora os coadjuvantes também tragam performances notáveis, é na
interação entre eles e a protagonista que o filme atinge seu verdadeiro impacto, com cada
personagem contribuindo para a construção das tensões que Anora vivencia e ampliando o
retrato da sua busca por aceitação e mudança.
A fotografia de Anora é igualmente essencial para a construção de sua atmosfera. Com
cores saturadas e vibrantes, que evocam a intensidade da vida noturna, as cenas em que
Anora trabalha em ambientes de prazer e consumo são imersivas, contrastando com os
momentos mais sombrios e introspectivos, em que ela reflete sobre as escolhas que fez.
Essa transição visual — entre o brilho efêmero da busca por liberdade e a realidade das
limitações pessoais — ilustra o dilema central da protagonista: por mais que tente se
reinventar, sua ascensão nunca parece completa. A fotografia, portanto, não é apenas um
reflexo das escolhas da personagem, mas também uma manifestação das contradições que
a sustentam.
A trilha sonora complementa com precisão a narrativa, alternando entre faixas energéticas e
introspectivas. Cada escolha musical é cuidadosamente posicionada para reforçar as
emoções da personagem, seja nas noites de escapismo e prazer ou nos momentos de
introspecção, quando as consequências de suas escolhas começam a se revelar. A música,
assim como a fotografia, é uma extensão emocional do filme, ampliando a experiência
sensorial e criando uma atmosfera que capta a luta interna de Anora.
Em resumo, Anora é uma experiência cinematográfica sofisticada e multifacetada, que vai
além de uma simples história de ascensão pessoal. Ao entrelaçar drama psicológico com
momentos de crítica social, Baker entrega um retrato sensível e provocador de uma mulher
que busca sua identidade em um mundo que constantemente tenta definir quem ela é. A
performance magistral de Mikey Madison, acompanhada pela fotografia envolvente e pela
trilha sonora impactante, fazem deste filme uma obra indispensável para quem busca refletir
sobre os limites da reinvenção e a luta constante por aceitação.
Anora estreia nos cinemas brasileiros em 23 de janeiro de 2025.
Anora: Uma montanha-russa de sensações
CRÍTICA POR: Fernán Barreto