Gilmar Mendes considerou que as singularidades relacionadas a Lula se encaixam perfeitamente a José Dirceu pelo poder que sempre exerceu nos governos petistas
A decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de anular as condenações do ex-ministro da Casa Civil e ex-deputado José Dirceu na Operação Lava-Jato se baseia em sete fatos que, na visão da Corte, demonstram a parcialidade do juiz Sergio Moro na condução dos processos relacionados à corrupção envolvendo empresas contratadas pela Petrobras, para destruir o grupo político liderado por Luiz Inácio Lula da Silva.
Gilmar Mendes considerou que as singularidades relacionadas a Lula se encaixam perfeitamente a José Dirceu pelo poder que sempre exerceu nos governos petistas. A pedido da defesa de Dirceu, Gilmar Mendes estendeu a ele os efeitos do acórdão proferido no HC 164.493, em que a Segunda Turma do STF reconheceu que Moro, hoje senador pelo União Brasil no Paraná, agiu com parcialidade ao processar e julgar a ação penal relacionada ao caso Triplex do Guarujá.
A defesa alegou que a condenação de Dirceu fez parte da estratégia concebida pelos procuradores da força-tarefa da Operação Lava-Jato, de comum acordo com Sergio Moro, para fragilizar o ex-ministro da Casa Civil e o PT e derrotar, por meio do processo penal, Lula e tirá-lo da disputa eleitoral.
A primeira conduta de Moro apontada para reforçar o argumento de parcialidade refere-se à condução coercitiva de Lula para prestar depoimento, em março de 2016, perante a Polícia Federal. Segundo a decisão do ministro Gilmar Mendes, o procedimento “espetaculoso” foi uma forma de execração pública do petista e afrontou o artigo 260 do Código de Processo Penal, que exige prévia intimação do investigado antes que a justiça determine o depoimento forçado. No caso de Lula, ele foi notificado em casa e levado imediatamente, sob escolta de várias viaturas da Polícia Federal, para prestar depoimento, no aeroporto de Congonhas.
O segundo indício de parcialidade usado para anular os processos é baseado na interceptação telefônica de Lula, de seus familiares e de seus advogados. A avaliação dos ministros foi de que o monitoramento tinha o propósito de antecipar estratégias da defesa. Moro autorizou em fevereiro de 2016 que a Polícia Federal interceptasse ramais telefônicos ligados a Lula, entre os quais o telefone do escritório Teixeira, Martins Advogados, responsável pela defesa do hoje presidente da República. Segundo o entendimento da Segunda Turma, houve uma tentativa de burlar a inviolabilidade do escritório de advocacia e dos instrumentos de trabalho do advogado, especialmente a comunicação telefônica, telemática e eletrônica relacionada à sua atividade como representante da defesa.
O terceiro indício seria o vazamento e a divulgação ilegal de conversas interceptadas de Lula e de seus familiares com terceiros, o que causou grandes constrangimentos. O caso ocorreu justamente quando Lula pretendia assumir o cargo de ministro-chefe da Casa Civil da Presidência da República do governo de Dilma Rousseff. Moro chegou a levantar o sigilo dos autos, segundo a avaliação dos ministros do STF, para expor Lula perante a opinião pública.
Na lista dos indícios de parcialidade destacados pelo ministro Gilmar Mendes, o quarto fato ocorreu em 2018 quando Moro, no período de férias e já sem competência para atuar no caso, agiu nos bastidores para impedir que a Polícia Federal cumprisse alvará de soltura de Lula expedido pelo desembargador federal Rogério Favreto, do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região.
O quinto ato que demonstraria o comprometimento de Moro seria a sentença que condenou Lula no caso do Triplex do Guarujá. A peça estaria carregada de adjetivos e críticas aos advogados do petista. O sexto motivo foi o levantamento do sigilo das declarações do ex-ministro Antônio Palocci, seis dias antes do primeiro turno das eleições de 2018. Para o ministro Gilmar Mendes, foi uma clara tentativa de esvaziar a candidatura de Fernando Haddad, lançada pelo PT, para se contrapor a Jair Bolsonaro. Em delação premiada, Palocci apontou vários crimes de Lula e de petistas relacionados aos contratos da Petrobras.
O sétimo indício apontado foi a aceitação de Moro ao convite para assumir o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Bolsonaro, o político que mais se beneficiou da derrocada de Lula, pela prisão e inelegibilidade decretadas em decorrência das condenações da Lava-Jato. “Sergio Moro não se contentou em auxiliar a campanha que venceu as eleições de 2018, ao divulgar ilegalmente o teor das declarações do colaborador Antônio Palloci e atuar proativamente para manter o paciente preso durante o pleito; ele foi além e decidiu fazer parte do governo que se elegeu em oposição ao partido político cujo maior representante é Luiz Inácio Lula da Silva. O ex-juiz federal, assim, foi beneficiado pela condenação e prisão do paciente, por ele mesmo determinadas na ação penal do Triplex do Guarujá”, ressaltou Gilmar Mendes.
A decisão de Gilmar Mendes pode ser revista, caso haja um recurso do procurador-geral da República, Paulo Gonet. O Ministério Público Federal se manifestou nos autos contra a extensão da invalidação das condenações. Caso haja um recurso, será avaliado pelo STF.
José Dirceu nunca perdeu o respeito dentro de seu partido. Entre petistas, é uma figura quase ou tão mais poderosa do que o presidente Lula. Mesmo condenado por corrupção, manteve a influência e a reverência dentro da legenda. Por ora, o ex-ministro-chefe da Casa Civil está livre para concorrer a um mandato em 2026. Provavelmente não estará no páreo para um cargo no Executivo, mas tem grandes chances de receber uma votação suficiente para ser eleito deputado federal, com apoio da militância petista em São Paulo.
Caso seja eleito, poderá retomar a trajetória de deputado federal, cargo que exerceu entre 1991 e 2005, quando teve o mandato cassado em decorrência do escândalo do mensalão, denúncia que também resultou em sua condenação, como o líder de uma organização criminosa que pagava partidos em troca de apoio político ao governo Lula.
Na tribuna do Senado, o senador Sergio Moro reagiu: “Se alguma condenação da Lava-Jato fosse reformada pelo reconhecimento da inocência do condenado, eu seria o primeiro a reconhecer o erro. Mas ninguém tem coragem de dizer isso, pois as provas são categóricas e os condenados culpados. A corrupção nos Governos Lula foi ampla e real. Então se criam narrativas fantasiosas e inexistentes vícios processuais, buscando inverter a responsabilidade pela impunidade”.