Violência doméstica atinge 21,5 milhões de brasileiras

Violência doméstica atinge 21,5 milhões de brasileiras
Violência doméstica atinge 21,5 milhões de brasileiras

A violência contra a mulher é um dos problemas que mais afrontam os direitos femininos na atualidade. Uma evidência disso aparece na pesquisa Visível e Invisível​: A Vitimização de Mulheres no Brasil, realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em parceria com o Instituto Datafolha. O estudo mostra que 33,4% das mulheres brasileiras maiores de 16 anos já sofreram, ao longo de sua vida, alguma situação de violência cometida por um parceiro íntimo ou ex-parceiro. 

Esse total, maior que a média global de 27% apurada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), equivale a 21,5 milhões de mulheres. As formas de violência mais sofridas pelas vítimas são a psicológica (32,6%), a física (24,5%) e a sexual (21,1%), seguidas pelo impedimento do contato com outras pessoas (12,9%) e da privação de acesso a recursos básicos, como dinheiro ou assistência médica (9,8%).

Se contados os casos ocorridos apenas no ano de 2022, o número de mulheres que sofreram algum tipo de violência ou agressão chega a 18,6 milhões, o que equivale a 28,9% das brasileiras – e perfaz uma média de 50.962 vítimas por dia. Destas, a maioria (23,1%) sofreu ofensas verbais, seguida de perseguição (13,5%), chutes e socos (11,6%), espancamento ou tentativa de estrangulamento (5,4%) e ameaças com faca ou arma de fogo (5,1%). A pesquisa diz ainda que 65,2% dos brasileiros acham que a violência contra a mulher aumentou no último ano, e outros 52% relatam ter visto alguma situação de violência nos últimos 12 meses. 

A enorme dimensão do problema, aliada à contestação e à organização das mulheres em movimentos feministas, ensejou a adoção de iniciativas jurídicas e de segurança para tentar erradicar esses ataques, sendo que os passos mais decisivos nesse sentido foram dados nos últimos 20 anos: a promulgação da Lei Maria da Penha (11.340/2006), que implementou as medidas protetivas de distanciamento entre vítimas e agressores; e a adoção no ano passado, pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, através do qual os processos judiciais são conduzidos e julgados com igualdade de tratamento e de direitos entre homens e mulheres. 

“Entendo que muitas políticas públicas já adotadas, como a Lei Maria da Penha e o protocolo do CNJ, são de suma importância para o enfrentamento da violência. Acredito que outras ainda são necessárias como projetos que propaguem a cultura da paz, projetos de educação sexual e de gênero nas escolas, pois sem dúvidas o papel da educação no combate à violência contra a mulher é fundamental”, avalia a professora Acácia Gardênia Santos Lelis, do curso de Direito da Universidade Tiradentes (Unit Sergipe). 

E a raiz do problema está justamente nesta desigualdade, em todos os seus aspectos, que historicamente tem colocado a mulher como uma figura subalterna, inferior ou que deva ser “propriedade” do homem. Para a professora, as mulheres estão cada vez mais conscientes de seus direitos, mas ainda enfrentam obstáculos. “Apesar dos avanços alcançados, essa igualdade ainda não foi materialmente alcançada. Ainda temos muito que conquistar nessa busca pela igualdade de gênero. A herança do sistema patriarcal ainda é muito forte. A questão cultural é o maior óbice em busca da igualdade de gênero”, avalia.

Luta histórica

O fim da violência é apenas um dos objetivos da luta das mulheres pela plena garantia de seus direitos. É uma luta que não vem de hoje. A própria criação do Dia Internacional da Mulher, comemorado neste 8 de março, surgiu no início do século XX, no contexto de uma série de movimentos feministas que se organizavam à época na Europa e nos Estados Unidos. “O empoderamento feminino é necessário nessa luta, o que historicamente reconhecemos ter ocorrido a partir das ondas desses movimentos feministas, quando as mulheres foram protagonistas na luta pelo reconhecimento de seus direitos”, relaciona Gardênia.

Mas muito antes, em 1791, ainda sob os desdobramentos da Revolução Francesa, a escritora e advogada Marie Gouze, que também assinava como Olympe de Gouges (1748-1793), escreveu a “Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã”, um dos primeiros documentos jurídicos a contestar publicamente o regime patriarcal. Acácia explica que a carta francesa buscava a emancipação feminina e a ruptura dos padrões opressivos da época, tendo o objetivo de efetivar a igualdade para homens e mulheres.  

A própria Declaração já trazia, em seus artigos, uma referência à violência empregada pelos homens para exercer seu poder sobre as mulheres. “A liberdade e a justiça consistem em restituir tudo aquilo que pertence a outros, assim, o único limite ao exercício dos direitos naturais da mulher, isto é, a perpétua tirania do homem, deve ser reformado pelas leis da natureza e da razão. As leis da natureza e da razão proíbem todas as ações nocivas à sociedade”, afirma um trecho do documento. 

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