Tesouro do Teatro brasileiro é encontrado em caixas e baús no CONIC

Após nova equipe assumir a gestão da Fundação Brasileira de Teatro, artigos raros e nunca revelados ao público são redescobertos em baús, caixas e porões em pleno CONIC.

É sabido que nos últimos anos o Teatro Dulcina tenha sido motivo de especulação imobiliária, gestões problemáticas e crises que, infelizmente, denotam a importância que se dá às artes cênicas do país.

Situado no Setor de Diversões Sul, o prédio da Fundação Brasileira de Teatro, que comporta a Faculdade de Artes e o Teatro Dulcina de Moraes, tem em seu interior um acervo material e imaterial riquíssimo, que conta uma importante fase do teatro brasileiro produzido entre as décadas de 1920 e 1980. Por mais que professores, gestores e alguns estudantes tenham tido, ainda que de maneira rápida, acesso a esse material, ele nunca foi revelado ao público pela dificuldade de inventariar, digitalizar e apresentar à sociedade.

Nas caixas, baús, armários e fichários, documentos que mostram a luta pela profissionalização do artista no Brasil, planejamento de aulas em plena década de 1950, poemas e ensaios manuscritos de grandes nomes da fase do regionalismo brasileiro, além da saga da própria Dulcina de Moraes que revelou em seu diário as difíceis reuniões com presidentes do Brasil na década de 1970. Tudo isso preservado, mas amontoado sem ser numa ordem lógica. Destaque para cartas de Monteiro Lobato escritas à nanquim para Odilon Azevedo, seu amigo.

Telas de Daniel Tixier, Dimitri Ismailovitch e até originais de registros da Guerra de Canudos estão entre os itens cuidadosamente desembalados, catalogados e digitalizados – uma verdadeira relíquia das artes que, por anos, esteve longe dos olhos do público. Além de itens artísticos, peças e artigos pessoais do apartamento de Dulcina de Moraes também vieram à tona, desde suas perucas até cílios postiços e o último sabonete usado pela atriz. A excentricidade do material dialoga fortemente com a personalidade da própria artista.

Os mitos, lendas e especulações sempre fizeram parte das histórias contadas sobre a dama do teatro brasileiro, Dulcina de Moraes. Por falta de registros documentais, muita coisa se perdeu com o tempo e muitos acontecimentos e relatos resultaram imprecisos, sem a clareza necessária que nos ajudasse a entender melhor esse ícone da dramaturgia e a construção do complexo cultural encravado no coração de Brasília e que gera tanto fascínio e estranhamento.

Dulcina de Moraes foi, sem dúvidas, uma das grandes atrizes brasileiras do século passado. Em entrevista, a consagrada e incontestável atriz Fernanda Montenegro se refere a Dulcina como “a maior personalidade das artes cênicas do século XX”.

Nascida em 1908, passou a fazer teatro ainda na adolescência com a Companhia Brasileira de Comédia de Viriato Corrêa. No final da década de 1920 se casou com o ator e empresário Odilon Azevedo e, juntos, criaram a Companhia Dulcina-Odilon, que se tornou uma das mais badaladas da época.

Porém o grande sonho de Dulcina, que além de atuar era uma militante ativa na busca de reconhecimento e na evolução da classe artística, era abrir uma Fundação. Assim, em 1955, Odilon comprou o Teatro Regina, situado no Centro do Rio de Janeiro, trocou o nome para Teatro Dulcina e doou o empreendimento para que fosse possível criar a Fundação Brasileira de Teatro (FBT).

Ainda no Rio de Janeiro, a Fundação Brasileira de Teatro ajudou a formar importantes nomes das artes cênicas e com a morte de Odilon, em 1966, Dulcina decidiu mudar os rumos da vida e começou a preparar sua mudança para Brasília.

Nessa mudança, ela trouxe também os álbuns de fotografia de peças realizadas por sua companhia no Rio de Janeiro. Dentre elas, os bastidores da primeira montagem de “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna, no Sudeste. São fotos da década de 1950 com Agildo Ribeiro (João Grilo), Nildo Parente e Odilon Azevedo. Um recorte do teatro brasileiro que nunca veio à tona na contemporaneidade.

A partir do momento em que o material foi divulgado, artistas como Otávio Augusto, Natália Timberg e Fernanda Montenegro se juntaram ao levante para enaltecer Dulcina, cada qual à sua maneira, seja por compartilhamentos das ações de recuperação do acervo a dicas de quem procurar para ajudar a contar histórias que estão ainda incompreendidas. Numa das matérias de maior repercussão, exibida no Jornal Hoje no mês de setembro, Fernanda Montenegro exalta  a força de Dulcina, a quem atribui o título de sacerdotisa teatral.

Do auge à decadência e a retomada

Nos 40 anos de existência, centenas de artistas saíram da Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, licenciados e bacharéis em Artes Visuais, Cênicas e em Música. Entretanto, após uma série de irregularidades cometidas em algumas gestões, o espaço, que vivera anos de glórias, acabou envolvido em uma crise administrativa e um imbróglio jurídico que resultou numa intervenção do Ministério Público.

Nos últimos seis meses, uma nova gestão assumiu a direção da Fundação Brasileira de Teatro com uma missão: “abrir os arquivos para contar”, como afirma seu presidente, Gilberto Rios, nome que a história da FBT conhece bem por sua atuação como Secretário Acadêmico da Faculdade Dulcina e secretário pessoal de Dulcina, naqueles tempos áureos da década de 1980 em que a atriz ainda atuava como professora com vitalidade invejável.

Com a missão de trazer à luz e revelar ao público todo o acervo e os arquivos guardados a sete chaves, a atual gestão convidou um grupo de pesquisadores e colaboradores voluntários, liderados pelo Diretor do Centro Cultural da FBT, Josuel Junior, para desvendar em baús centenários, armários antigos, gavetas e passagens secretas do Teatro Dulcina, caixas e mais caixas de documentos, lacradas com fita adesiva, expostas à poeira e às baratas, que já revelou verdadeiros tesouros em seus interiores.

Até o momento, mais mil vestidos, dezenas de sapatos, luvas e chapéus, além de manequins, adereços cênicos, perucas, diários pessoais, manuscritos e documentos que revelam uma Dulcina muito diferente daquela presença altiva que cruzava os corredores exalando seu perfume inebriante.

A primeira surpresa foi encontrar fotos pessoais tiradas em casa, algumas ainda em negativos; registros em 3×4; passaportes; cartão de votação e a carteira de trabalho revelando seus ofícios remunerados há mais de 70 anos. Estão no acervo também documentos conhecidos, como o Registro Profissional de Dulcina como Artista e Técnica de Teatro. É sabido, por exemplo, que ela foi uma das muitas artistas que travou heroicas batalhas pela regulamentação da profissão de artista. Lembremos que, até meados da década de 70, artistas ainda tinha seus ofícios confundidos como os de profissionais do sexo ou trabalhadores da noite.

Todo esse material tem sido aberto, revelado, organizado e higienizado por uma equipe corajosa que entrou nos calabouços do prédio para garimpar o que poderia ser histórico para que nada mais se perca com o tempo.

Há documentos ocultos, por exemplo, que explicam as dificuldades, boicotes e passo a passo da construção do edifício. Os diários de Dulcina datam de 1977 a 1982 e dão luz a assuntos nunca antes falados abertamente e abordados de maneira honesta, como o cansaço que sentiu após um dia de reuniões com o Presidente Figueiredo, a recusa de patrocínios, o medo das poltronas do teatro não chegarem a tempo da montagem e da apresentação do primeiro espetáculo, a ansiedade em decorar um texto para a última peça, entre outras histórias.

Da escuridão nasce a luz

O maior desafio da equipe que vem repaginando o acervo tem sido o da digitalização de parte dessas peças. O prédio da FBT está sem energia elétrica desde o começo da pandemia, mas o problema da luz parece não ser uma novidade.

Em uma pasta foram encontrados cartazes anunciando que a faculdade estava com as contas de luz atrasadas desde 1998. O que indica uma má gestão seguida da outra que não cumpriu acordos de refinanciamento de dívidas com a CEB e, a cada nova gestão, novos acordos tentaram solucionar a, uma vez que as anteriores sempre saíam mal da história.

A atual gestão da FBT, que conta com a participação de membros de um coletivo chamado “Herdeir@s de Dulcina”, vem imprimindo rigor e transparência nas suas ações, buscando a solução das pendências jurídicas e financeiras para com isso, conquistar a confiança necessária junto aos credores. O maior desafio do atual presidente da FBT, Gilberto Rios, é obter credibilidade do empresariado para que a FBT volte a ser fonte segura de investimentos.

A nova gestão da FBT está mobilizada para ser recebida pela diretoria da Neoenergia para que o cálculo da dívida seja atualizado e negociado, pois a ausência de luz é um dos principais desafios para que a Faculdade e o Teatro possam ter recursos para existir, tanto no segmento de educação, quanto no segmento de produção cultural.

O show não pode parar

Enquanto isso não acontece, os gestores da FBT arregaçam as mangas na procura de parcerias culturais para que as obras e objetos encontrados possam ser devidamente catalogados, restaurados, preservados e colocados à mostra para o grande público.

“É preciso que o governo do Distrito Federal, seja de direita ou de esquerda, entenda que, no centro de Brasília, há um prédio de relevante importância para as artes do Brasil. Negligenciar essa importância é continuar desvalorizando o teatro. Temos o catetinho, temos o Museu Vivo da Memória Candanga, temos o Memorial JK e não temos olhares responsáveis para Teatro Dulcina. Já passou da hora do espaço que formou quase 70% dos professores de arte de Brasília ser abraçado, verdadeiramente, pelos representantes da câmara legislativa, da Secretaria de Cultura e do Palácio do Buriti.” comenta Josuel Junior, atual Diretor do Centro Cultural FBT.

Aliados a ex-alunos, artistas de Brasília, do Rio de Janeiro, pesquisadores, estudantes de arte e sociedade estão em andamento estudos para a realização de projetos para a encenação teatral a partir dos Diários de Dulcina, uma exposição itinerante pelos espaços culturais do DF, um webdocumentário e outros projetos relativos ao acervo original, que passam a depender de autorização formal da diretoria da FBT. Essa preocupação tem por objetivo deixar claro que a Fundação é entidade detentora do direito de exploração desse acervo que, por anos, foi negligenciado.

DIRETORIA EXECUTIVA DA FUNDAÇÃO BRASILEIRA DE TEATRO

PRESIDENTE: Gilberto Rios

SECRETÁRIO EXECUTIVO: Roberto Neiva

DIRETOR ADMINISTRATIVO: Miguel Alves

DIRETOR DO CENTRO CULTURAL FBT: Josuel Junior

GESTORA FINANCEIRA: Vivien de Lima

Link com vídeo do trabalho de recuperação: https://youtu.be/7vtVaV09SIA

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