Projetos tentam incentivar consumidor brasileiro a quitar dívidas

País tem 62,5 milhões de endividados, aponta mapa da inadimplência com dados até maio. Lei do Superendividamento e programas, como o Limpa Nome, da Serasa, ajudam o consumidor na renegociação de pendências com os credores

 

Apesar de milhões de brasileiros estarem no atoleiro por conta da recessão provocada pela pandemia da covid-19, muitos endividados podem aproveitar oportunidades para renegociar dívidas e obterem descontos junto às empresas credoras. Com a nova Lei do Superendividamento em vigor desde o último mês, bancos, financiadoras e empresas que vendem a praz, passaram a ser obrigados a antecipar parcelas e renegociar dívidas, sem inclusão de novos encargos. Além disso, o texto obriga as instituições financeiras a informarem ao consumidor, no ato da contratação, o valor total das parcelas, incluindo juros e encargos em situações de atraso.

O mapa de inadimplência da Serasa Experian mostra que o número de endividados no Brasil somou 62,5 milhões de pessoas em maio, uma desaceleração de 0,42% na comparação com abril, mas o dado continua em patamares elevados. O levantamento sazonal aponta que, na comparação com o mesmo período de 2020, foram 2,7 milhões de pessoas a menos, passando de 65,2 milhões de devedores para 62,5 milhões.

Apesar da redução de 4,14% nos últimos 12 meses, a tendência de endividados ainda é alta, aponta Lilian Brandão, diretora de Proteção e Defesa do Consumidor, da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), ligada ao Ministério da Justiça. A técnica reforça a importância da Lei do Superendividamento e das modificações no Código de Defesa do Consumidor (CDC).

“A relevância da lei é justamente para dar a oportunidade ao consumidor de boa-fé, que veio a ficar superendividado e não consegue pagar suas dívidas sem comprometer o seu mínimo existencial”, explica a diretora da Senacon. Para ela, é importante destacar que as novas regras “não se tratam de perdão de dívidas, mas, sim, da possibilidade de o consumidor poder se planejar para pagar as dívidas”.

A falta de planejamento e controle financeiro pode ser perigosa para todos, e o analista de planejamento Raphael Lesnok, de 26 anos, é prova disso. “A minha desorganização com as finanças foi o principal problema que me levou a acumular dívidas. Eu não podia sair de casa com o cartão de crédito, que eu voltava com sacolas e dívidas. Hoje, estou mais tranquilo”, conta. O analista faz parte dos 2,7 milhões de brasileiros que deixaram o quadro da inadimplência nos últimos 12 meses. Ele diz que conseguiu bons descontos com o serviço de renegociação de débitos.

De acordo com a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor, realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), o percentual de brasileiros endividados voltou a aumentar em julho, chegando a 71,4%. O índice é o maior desde janeiro de 2010.

Segundo os dados da Serasa, existem 210 milhões de dívidas inscritas na instituição que representam um total de R$ 249,6 bilhões em saldo devedor às empresas credoras. A média dos débitos é de R$ 1.162,43, e o valor médio de dívidas por pessoa (que, geralmente, tem mais de um débito), é de R$ 3.937,98. Homens e mulheres se endividam quase igualmente no Brasil, sendo responsáveis por 50,1% e por 49,9%, respectivamente. A maioria dos endividados, 70,6%, é composta por adultos de 26 a 60 anos. Na região Centro-Oeste, são mais de 5,28 milhões de pessoas inadimplentes, a maioria localizada em Goiás, com 2,15 milhões de endividados.

Descontos
Para tentar reverter parte desse quadro, a Serasa oferece, desde o dia 12 de julho, por meio da ação Limpa nome por R$ 100, a possibilidade de renegociação de 14 milhões de dívidas ligadas a 24 empresas que aderiram à campanha, com descontos de até 99%. De acordo com a instituição, somente na primeira semana da iniciativa, foram R$ 684 milhões concedidos em descontos. “Esses descontos foram concedidos em mais de meio milhão de acordos fechados na primeira semana”, diz nota da empresa.

Haila Ismerim, gerente da Serasa, explica que a plataforma é uma forma de intermediar a renegociação das dívidas. “Quem dá o desconto são as empresas parceiras. Mais de um milhão de brasileiros renegociaram nessa campanha com descontos diferenciados”, afirma. A gerente alerta que a possibilidade de renegociação das dívidas, pela campanha, deve partir do consumidor. “Tem que entrar na plataforma da Serasa e, por meio do CPF, verificar se há alguma condição especial”, ressalta.

Raphael Lesnok acredita que a possibilidade de negociação facilitada foi o que o ajudou a quitar os débitos que, somados, chegavam a R$ 7 mil. “Em uma única dívida, eu devia cerca de R$ 3 mil. A plataforma Limpa Nome me ajudou muito, porque eu não conseguia negociar com as empresas que eu estava devendo, diretamente. Por intermédio, eu quitei as dívidas com descontos de até 85%”, relembra o ex-endividado, que pagou uma dívida de R$ 900 por R$ 135.

A campanha especial da Serasa para estimular a quitação de dívidas com R$ 100 termina no próximo domingo (22/08). As empresas participantes da ação neste ano são: Ativos, Atlântico, Avon, BMG, Bradesco, Calcard, Casas Bahia, Claro, Colombo, Criativos, Credsystem, Digio, Hoepers, Itapeva, Itaú, MGW, Pernambucanas, Ponto Frio, Recovery, Renner, Riachuelo, Tribanco, Vivo e Zema.

Na edição de 2020, mais de 6 milhões de dívidas foram quitadas. Além da ação extraordinária, a instituição tem o programa Limpa Nome permanente, que busca facilitar a renegociação de débitos entre consumidores e empresas. De acordo com os dados sobre inadimplência de maio, R$ 3,2 bilhões de descontos foram concedidos no mês, com valor médio de R$ 377 por dívida. Ainda segundo o mapa, as mulheres têm buscado a regularização do CPF mais do que os homens, representando 53% do total de endividados que renegociaram dívidas, enquanto eles representam 47%.

Desemprego, uma das causas do endividamento

 (crédito: Luciana Prezia/Divulgação)
crédito: Luciana Prezia/Divulgação

Estudos elaborados pelo Observatório do Crédito e Superendividamento, por meio de parceria da professora Cláudia Lima Marques, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), com a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça, apontam que a esmagadora maiorias das causas para endividamento no país são devido a fatalidades como perda de uma fonte de renda (26,5%), perda do emprego (24,3%) ou doença, ou morte na família (20,6%).

“Setenta por cento das causas são apontadas pelo estudo como ‘acidentes da vida’, que podem acontecer com qualquer pessoa, mas as famílias com rendas mais baixas ficam mais suscetíveis a se tornarem superendividadas nos momentos difíceis”, diz a diretora da Senacon, Lilian Brandão.

Para ela, os principais fatores para reverter a situação do superendividamento das famílias são educação financeira e práticas de crédito responsável. “A educação financeira tem que ser priorizada no país, em especial as direcionadas às crianças nas escolas. Primeiro, porque no futuro, elas estarão no mercado de consumo, e ter uma base de educação financeira poderá levá-las a um consumo mais adequado”, afirma.

Já as práticas de crédito responsável, segundo a diretora, dizem respeito às obrigações das instituições financeiras no momento da oferta e contratação de crédito: “Em especial sobre prestação de informações adequadas, oferta de produtos adequados às necessidades dos consumidores, avaliação de riscos e publicidade. Quando essas medidas preventivas falham, restam as medidas de tratamento do superendividamento, voltadas à conciliação entre as partes e, quando necessário, à atuação do poder judiciário”, explica a diretora da Senacon.

Diógenes Faria de Carvalho, pós-doutorado em direito do consumidor pela UFRGS, afirma que o endividamento trata-se, sobretudo, de uma questão humanitária e de dignidade humana. “Setenta por cento das famílias brasileiras estão com pelo menos uma dívida inadimplente. Ainda existem muitos abusos na oferta de empréstimo, uma percepção de um orçamento sem cuidado, sem necessidade, e precisamos tratar sobre isso agora. O principal ponto de partida é perceber esse padrão de comportamento, desenvolver medidas compensatórias, principalmente, para trazer bem-estar ao consumidor, estabelecer padrões mais realistas de comportamento das relações de consumo”, diz Carvalho, que também é professor de direito do consumidor da Universidade Federal de Goiás (UFG) e na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO).

Restrição
Tirar a restrição do CPF ou “limpar o nome” é, sem sombra de dúvidas, a maior das vantagens na hora de fazer um acordo com o credor. Entretanto, é importante que o consumidor fique atento às restrições que podem acompanhar o “perdão” de juros e taxas. A maioria das instituições, especialmente os bancos, bloqueia serviços ou até mesmo cancela o serviço de crédito, em algumas situações.

“Os bancos são muito chatos quanto a isso. Se parcelo, não consigo nada; se renegocio, não consigo nada, mas estou tranquilo”, diz o analista de planejamento Raphael Lesnok, sobre os serviços bancários que não consegue mais acessar.

A prática, segundo Haila Ismerim, gerente da Serasa, não é correta, embora ainda seja comum. “Se você quitou sua dívida, o correto seria não ter mais nada que te impeça, nem mesmo a restrição antiga, que deveria ser retirada, mas isso varia de empresa para empresa”, lamenta.

Para não ficar com restrições, o melhor mesmo é se planejar para não se endividar. Atualmente, existem diversos cursos de educação e organização financeira pela web. A Senacon, por exemplo, oferece cursos gratuitos por meio da plataforma digital chamada Escola Nacional de Defesa do Consumidor. “Inclusive as inscrições dos cursos de educação financeira, alguns com certificação da Universidade de Brasília (UnB), estão com inscrições abertas até o dia 23 de agosto”, diz a diretora Lilian Brandão. (FF)

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