Uma Análise: Cresce número de especialistas sobre nada

Redes sociais estão repletas de pessoas ensinando coisas sem nenhum conhecimento, mas narrativas e rituais convencem

 

“Não sei se é assim que se usa porque as instruções estão em japonês, mas eu gosto de usar assim e me sinto ‘energizada’ para começar o dia”, diz a influenciadora sobre um creme “detox” que decidiu passar todas as noites antes de dormir e retirar pela manhã durante o banho. “Eu acho que você pode usar como quiser, o importante é se sentir bem e desintoxicar o organismo!”, conclui.

Nessa mesma toada, vimos um grande número de receitas contra a covid-19 circulando pelas redes e em grupos de WhatsApp. Mascar gengibre, tomar água quente com limão em jejum, fazer infusão com dentes de alho e tomar antes de ir para a cama. Apesar de não haver comprovação para nada disso, várias ideias como essas viralizaram e acabaram confundindo muita gente que, ao acreditar nelas, pode ter deixado de fazer a prevenção real. Eu mesma fui surpreendida por uma esteticista que dizia ter a receita definitiva para “esterilizar” qualquer ambiente contra o coronavírus.

“Pra não pegar essa doença, você põe um litro de água num balde e joga um copo de Lysoform, um copo de álcool, um copo de vinagre branco e meio copo de sal grosso. Deixa agindo até o sal dissolver e depois passa na casa toda com um pano limpo. O ‘bicho’ não gosta dessa misturinha, vai por mim!” E, para mostrar a “ciência” por trás da sua mistura, ela acrescentou a seguinte explicação: “Isso é bom porque além de você ficar com a casa limpa, você também respira aquele ‘vapor de limpeza’ e o vírus não gosta, ele fica fraco. É que nem em hospital, você fica respirando um ar puro, entendeu? Funciona e até agora eu ‘nunca’ peguei.”

Segundo Ben Goldacre, médico e autor do livro “Ciência picareta”, as pessoas acreditam em coisas sem nenhum significado científico por, entre outras questões, gostarem de seguir rituais. A impressão de estar fazendo aquilo que julgam ser correto, por si só, traz um certo bem-estar que acaba “confirmando” a eficácia de coisas que não têm ciência alguma. Goldacre afirma, por exemplo, que diversos produtos e tratamentos que prometem desintoxicar o organismo não passam de “uma invenção de marketing” que movimenta bilhões de dólares por ano.

“Como as melhores invenções pseudocientíficas, ela [desintoxicação] mistura deliberadamente bom senso útil com uma fantasia médica exacerbada. Em alguns aspectos, o quanto você acredita nisso reflete o quanto deseja ser autodramático ou, em termos menos negativos, o quanto você gosta de rituais no seu cotidiano”, explica.

O autor cita inúmeros questionamentos que tem enviando há anos às indústrias que lucram alto com tratamentos “detox”, mas, segundo ele, seus pedidos de explicações sobre a ciência por trás dos produtos desintoxicantes têm sido respondidos com gráficos de resultados baseados na opinião de usuários, explicações evasivas e nenhum dado efetivamente científico.

E em meio a uma pandemia conduzida mais pela política do que pela ciência, as sensações e opiniões parecem ter tomado uma proporção muito maior do que aquilo que é real. E assim como os laboratórios apresentam “fatos” baseados em sensações como se fossem pura ciência, a população segue se intoxicando de informações sem saber em que acreditar. É preciso, mais do que nunca, sermos racionais e não nos deixarmos levar por explicações que parecem muito plausíveis, mas que nada têm a ver com ciência. É preciso não se deixar manipular e não sair repetindo coisas sobre as quais não se tem conhecimento algum. E esse parece ser o maior de todos os desafios, afinal, como disse Ben Goldacre: “não se consegue desacreditar as pessoas sobre algo em que elas, sem raciocinar, passaram a acreditar.”

Autora

Patricia Lages é autora de 5 best-sellers sobre finanças pessoais e empreendedorismo e do blog Bolsa Blindada. É palestrante internacional e comentarista do JR Dinheiro, no Jornal da Record.

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