Taxação de livros ameaça mercado editorial e autores comentam situação

A Receita Federal indicou que uma taxa de 12% pode ser aplicada sobre todos os serviços livreiros, o que pode agravar a situação do mercado

Um dia após o ministro da Economia, Paulo Guedes, dizer que pretende avançar com as reformas econômicas neste ano, a Receita Federal voltou a defender a taxação dos livros sob o argumento que somente ricos leem no Brasil. Autores, editoras e livreiros têm movimentado a hashtag #defendaolivro para chamar atenção sobre o fato do mercado editorial estar em crise constante desde 2015.

“De acordo com dados da Pesquisa de Orçamentos Familiares de 2019 (POF), famílias com renda de até 2 salários mínimos não consomem livros não-didáticos e a maior parte desses livros é consumida pelas famílias com renda superior a 10 salários mínimos. Neste sentido, dada a escassez dos recursos públicos, a tributação dos livros permitirá que o dinheiro arrecadado possa ser objetivo de políticas focalizadas”, afirma a Receita Federal na nota lançada no site do órgão.
O Brasil não sofre somente com a crise no mercado editorial, mas também enfrenta grandes problemas com a economia, e para Rafaella Marques, autora de “Quase Bruxa”, as pessoas não estão conseguindo colocar comida na mesa, e entre se alimentar e ler um livro, eles optam obviamente pela primeira opção.
“Tem muitas pessoas passando por situações assim”, afirma a autora, defendendo que difundir um pensamento a qual somente pessoas ricas consomem livros é bastante perigoso para uma nação que precisa de educação para a transformação. “Ao invés de reduzir as taxações para ampliar o conhecimento, eles querem fazer justamente o contrário. Aumentar as taxações para dificultar ainda mais o acesso das populações mais carentes de conhecimento”, conclui.
A brasiliense Isabela Zinn, de apenas 18 anos, é um exemplo de jovem que ingressou recentemente no mercado editorial com seu primeiro livro, “O reino da Rosa negra”. A artista afirma que o valor dos exemplares da sua obra influenciaram nas vendas, principalmente por ter o público-alvo com idade semelhante a sua, este é o mesmo perfil que vem sofrendo grande rejeição — muitas das vezes por falta de experiência — pelo mercado de trabalho, consequentemente não conseguindo poder aquisitivo para se aventurar em obras literárias.
Telma Brites, autora brasileira que mora há mais de 30 anos na Alemanha, ressalta o mesmo problema que Isabela Zinn sofre com seu público-alvo. “As pessoas estão reclamando dos valores da Trilogia Gaia, principalmente os jovens. Vários deles relatam que têm interesse em adquirir os livros, mas não tem condição. Os preços já estão influenciando nas compras, caso a reforma tributária seja aceita, a situação pode piorar”.

Segundo o relatório do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a taxa de desemprego entre jovens de 18 a 24 anos ficou em 29,8% no final de 2020, sofrendo um aumento de 6 pontos percentuais em relação a 2019, assim, sendo a maior taxa anual da série histórica, a qual iniciou em 2012.
O desespero do mercado editorial
Carolina Reginatto recentemente estreou no mercado editorial com o livro “Numbers – As Runas do Poder”, se aventurando no universo da escrita desde pequena, a autora sentiu grande dificuldade em adquirir exemplares dos títulos que tem interesse de ler nos últimos tempos: “Com a pandemia, a compra de livros se tornou ainda mais difícil”.
Já Leandro Chagas, se prepara para lançar “Diáspora”, seu primeiro livro, e também carrega grandes indignações em relação à taxação sobre as obras. “Ao defender a taxação sobre os livros, a Receita Federal argumenta ‘pobres não consomem livros’. Estão certos ao dizer da dificuldade da população mais pobre em consumir livros”, ressalta o autor afirmando que neste momento “é esperado do governo alguma política de incentivo à literatura para tornar os livros mais acessíveis aos grupos com menor renda na sociedade”.
De acordo com Pesquisa Retratos da Leitura, realizada entre 2015 e 2019, existem leitores da Classe C e entre os 27 milhões de brasileiros que se autodeclaram consumidores de livros, 22% afirmam que o preço dos exemplares é um ponto sensível ao adquiri-los.
A situação não é diferente para quem começou a consolidar carreira no meio literário. Vanessa Guimarães, autora de “Beijo de Borboleta”, é vencedora do Coerência Choice Awards 2020, já teve seu livro nas mãos de grandes figuras brasileiras e mesmo assim acredita que a taxação prejudicará empresas e artistas voltados ao mercado editorial. “A taxação não só prejudica os menos favorecidos, como joga a pá de cal nesse mercado editorial tão atingido pela pandemia. Centenas de editoras e livrarias foram fechadas, acarretando ainda mais desempregos e ao invés de incentivo, nos deparamos com mais um empecilho para que elas se recuperem. Isso sem falar nos autores nacionais que lutam por incentivos para ocuparem seu lugar ao sol e agora precisam lidar com mais esta questão.”

“Não apenas as editoras e as livrarias entrarão em prejuízo, mas as gráficas. Se a taxa sobe, a matéria encarece e, com isso, as impressões. Afetaremos as editoras e, depois disso, as livrarias”
, pontua Ruberlei Luciano, proprietário da gráfica RenovaGraf de São Paulo. O empresário ainda reiterou que apenas o papel é imune de impostos e que todos os outros materiais para a confecção de um livro cobram impostos, tanto os nacionais quanto os importados e dolarizados. “Acredito que os preços aumentem em 30%”, confirma. Se a PL for aceita, o governo arrecadará sobretudo com a Bíblia Sagrada e material didático, que ocupam mais da metade da produção da indústria.
Chris Sevla, autora e palestrante, não acredita que o maior problema da nova reforma tributária seja os valores dos livros, mas sim, a falta de interesse do governo em propagar a cultura. “O argumento do governo usa dados incompletos, não ajuda nas pesquisas, pois ele corta as verbas delas [pesquisas]”, e ainda ressalta que entre um livro físico e um digital, “os eBooks conseguem ter uma competitividade maior”.

Os livros digitais e dispositivos de leituras não estão inclusos na taxação?

A taxa de 12% sobre os livros não atinge somente as obras de ficção, a reforma também inclui livros de não-ficção, didáticos, não-didáticos e entre outros que englobam o mercado editorial brasileiro. Os livros digitais, popularmente conhecidos como eBooks, não estão inclusos no documento publicado pela Receita Federal, e os autores encontram oportunidades de propagarem a leitura por plataformas e-readers, como o Kindle.
Rachel Fernandes, autora gaúcha vencedora do Sweek Stars 2018, afirma que o investimento em ebooks foi a melhor maneira que encontrou para lidar com isso e ressalta sua indignação com a ameaça que o mercado sofre: “nesse momento, os livros digitais são a alternativa mais em conta para driblar os desmandos do governo, que ataca a cultura de todas as formas possíveis e imagináveis.”
Com livrarias em recuperação judicial, editoras falindo e aumento drástico no mercado de livros digitais, a reforma tributária tende a aumentar ainda mais a crise no mercado editorial. A proposta prevê que os livros sejam taxados na alíquota padrão de 12% da Contribuição de Bens e Serviços (CBS), acabando com a isenção que vale hoje para o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS). Atualmente a Constituição brasileira, em seu artigo 150, protege o mercado livreiro de pagar impostos.
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