Inflação em alta deve continuar em 2021, com pressão maior dos alimentos

Especialistas dizem que a expectativa é de que os alimentos continuem pressionando a carestia e a alta dos preços se espalhe por outros itens, já que vários reajustes foram postergados por conta da pandemia de covid-19. Nem os mais ricos terão alívio

 

Fechar as contas, no fim do mês, tem sido difícil para muitos brasileiros, já que a inflação pegou todos de surpresa neste fim de ano. O professor José Edmilson, 55 anos, diz que precisou cortar vários gastos para poder arcar com a alta dos alimentos e, mais recentemente, com o aumento da conta de luz. Porém, pode ter de adotar mais restrições, pois analistas dizem que a alta de preços não vai arrefecer no início de 2021. Pelo contrário. A expectativa é de que os alimentos continuem pressionados e a inflação se espalhe por outros itens da cesta de consumo, uma vez que diversos reajustes foram empurrados para o próximo ano por conta da pandemia.

Na lista de produtos que devem se somar à cesta básica e pressionar o orçamento dos brasileiros em 2021, estão o plano de saúde, a energia elétrica, a passagem de ônibus e a mensalidade escolar — serviços administrados que costumam ser reajustados anualmente, mas que não mudaram de preço por conta da pandemia e podem subir duas vezes no próximo ano. O plano de saúde vai cobrar o reajuste de 2020 parcelado em 12 vezes a partir de janeiro e ainda deve sofrer o reajuste anual de 2021. A energia elétrica ficou mais cara em dezembro, com a volta da bandeira tarifária, e pode aumentar mais com o início do pagamento da Conta-covid — empréstimo de R$ 15 bilhões tomado pelas distribuidoras, que será diluído ao longo dos próximos cinco anos na conta de luz.

O professor José Edmilson teve de cortar gastos para arcar com alimentos mais caros e aumento da conta de luz
O professor José Edmilson teve de cortar gastos para arcar com alimentos mais caros e aumento da conta de luz(foto: Jailson R. Sena/CB/D.A Press)

Aluguel

Também em janeiro, devem ser discutidas as novas tarifas do ônibus urbano e da mensalidade escolar. Quem mora de aluguel pode ter que negociar com o dono do imóvel o reajuste do contrato, pois o Índice Geral de Preços – Mercado (IGP-M), que costuma balizar a variação, subiu 21,97% nos 12 meses encerrados em outubro, enquanto o aluguel aumentou 2,01% no período. “No ano que vem, vários itens não vão dar alívio inflacionário”, alerta a pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Maria Andreia Lameiras.

Serviços livres, como passagens aéreas, transporte por aplicativo, cabeleireiro e serviços de entretenimento ficarão mais caros à medida que retomarem o fluxo pré-pandemia. Bens industriais também podem subir, segundo a economista-chefe da gestora de investimentos Armor Capital, Andrea Damico, já que os preços no atacado aceleram bem mais do que a inflação — segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV), o Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA) acumula alta de 33,89% nos últimos 12 meses, por conta do impacto do dólar no preço das matérias-primas e dos bens intermediários.

A inflação oficial brasileira, medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia (IBGE), subiu 4,31% no mesmo período. “Assim como os alimentos, os bens industriais foram afetados pela alta do câmbio e das commodities. Porém, esse ajuste chega com certa defasagem para o consumidor”, explicou Damico. A Armor Capital, portanto, calcula que, em 2021, os preços administrados vão subir 4,1%; os bens industriais, 3,5%; e os serviços, 3,3%.

Lameiras, do Ipea, alerta que quase ninguém vai conseguir escapar da inflação no próximo ano. “A inflação dos mais pobres está maior, pois reflete muito os preços dos alimentos. Porém, essa diferença tende a reduzir, à medida que a composição muda. A inflação dos mais ricos tende a acelerar porque os serviços pesam muito nessa classe”, conta.

Segundo o Ipea, a inflação dos mais pobres acelerou 5,8% nos últimos 12 meses, porque comer em casa ficou 15,1% mais caro neste ano, devido ao reajuste acumulado por produtos como óleo de soja (94,1%), arroz (69,5%), feijão (40,8%), leite (25%) e carnes (13,9%). Já a dos mais ricos variou 2,69%, visto que essa parcela da população é menos afetada pela alta dos alimentos e tem sido favorecida pelo recuo de preços de passagens aéreas (-35,3%), transporte por aplicativo (-16,8%), gasolina (-1,7%) e despesas com recreação (-1,1%) em 2020.

Atacado

A gestora de investimentos explica que alguns dos aumentos sentidos pelos produtores e pelo atacado ainda não chegaram ao consumidor. “Os preços no atacado sofreram um duplo choque no Brasil, pois foram impactados pela alta das commodities e pelo câmbio, já que o real chegou a se desvalorizar 40% ante o dólar neste ano. Por isso, essa alta, que começou na matéria-prima, está caminhando para o atacado, para os bens intermediários, para os bens finais e está chegando ao consumidor”, diz Andrea.

“O varejo não repassou boa parte dessa alta porque a capacidade das famílias de receber esse aumento é limitada. Por isso, está com suas margens comprimidas. E a tendência é que essa situação só se resolva depois do primeiro trimestre do ano que vem, quando começar a safra e aumentar a oferta de alimentos no país”, confirma o economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC) Fábio Bentes.

Maria Andreia reforça que a pressão dos alimentos só tende a ceder a partir do segundo semestre de 2021. “Não significa que vai ter uma queda, mas que vai crescer menos do que em 2020. Um ou outro item pode cair em um mês, só que outro vai subir. Por isso, o grupo, como um todo, ainda vai ter uma variação positiva da inflação”, projeta a economista do Ipea.

O professor José Edmilson diz que não sabe como lidar com tudo isso. “Este ano já foi difícil, pois o custo de vida aumentou demais por conta da alimentação, da energia e da água. Já tive que cortar viagens, roupas e outras coisas. Agora, não sei como fazer”, lamenta.

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