De volta ao escritório: os efeitos da pandemia no ambiente de trabalho

O escritório pode nunca mais ser o mesmo: reflexos do tempo em home office continuarão a impactar o mercado. Assim, uma possível volta presencial deve considerar flexibilidade, além de medidas sanitárias

 

Cerca de um semestre desde o começo do isolamento social imposto pela pandemia do novo coronavírus, o trabalho remoto, para aqueles que migraram para este formato, mesclou-se com a rotina doméstica e deixou de ser completa novidade para muita gente. Com tanto tempo longe do escritório físico e a percepção de que a pandemia continuará presente por um tempo considerável, empresas pensam a melhor e mais segura forma de retornar ao espaço físico.

Muitas retomaram as atividades e outras fazem isso aos poucos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), levantados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Covid, revelam que, dos 8,2 milhões de trabalhadores brasileiros que, no fim de julho, estavam em home office, 2 milhões retornaram aos postos presenciais em agosto.

Juliana Churcher, recepcionista em um banco
Juliana Churcher, recepcionista em um banco(foto: Arquivo Pessoal)

Juliana Churcher, 25 anos, é recepcionista bilíngue em um banco multinacional e também precisou retornar às atividades presenciais diárias recentemente. Antes disso, a equipe estava trabalhando em sistema de revezamento. “Como somos cinco, um do grupo ia presencialmente a cada semana”, afirma. Para preparar a volta, a empresa disponibilizou álcool em gel em todos os ambientes. O distanciamento também foi adotado.

“Eu trabalho em uma bancada com três computadores, fico em um, demos um espaço, e, no outro, na ponta, fica outra pessoa.” Mesmo apreensiva com relação à pandemia, Juliana entende que a retomada é necessária e que seria feita alguma hora. A recepcionista não é do grupo de risco e vive com o marido em um apartamento. Ela diz se sentir segura com a volta, já que o banco providenciou todas as proteções necessárias. “Para mim, está tudo bem voltar neste momento.”

Regresso híbrido

Luís Felipe Moraes, estagiário e aluno de administração
Luís Felipe Moraes, estagiário e aluno de administração(foto: Arquivo Pessoal)

Nem todos encaram o regresso físico dessa forma. Luís Felipe Moraes, 21 anos, é estagiário do Conselho Federal de Contabilidade (CFC) desde fevereiro. No mês seguinte, precisou se habituar ao home office. Após quase seis meses trabalhando a distância, o estudante de administração voltou ao escritório este mês. Embora tenha gostado da volta por preferir trabalhar presencialmente, ele explica que o trabalho remoto poderia continuar, tendo em vista o quadro atual da pandemia no país e a função que exerce, que pode ser facilmente desempenhada sem presença física. “Eu gostei de ter voltado por gostar de trabalhar presencialmente, mas não acho que a volta deveria ter acontecido neste momento da pandemia”, opina.

A equipe inteira está de volta à repartição, mas atua em escala, trabalhando dia sim, dia não. Nos dias em que não trabalha no escritório, Luís Felipe retoma o home office. Ele se sente mais produtivo dentro da organização. “Prefiro o modelo presencial. No escritório, a produtividade é muito maior, o ambiente é propício ao trabalho. Tem mais conforto, recursos e concentração”, afirma. Mesmo com pouco tempo no estágio antes da pandemia, o estudante em administração avalia que as relações pessoais no ambiente de trabalho sofreram alterações após tanto tempo em home office. Segundo ele, o tempo distante dos colegas colaborou para um ‘esfriamento” nas interações, até pelo temor do contágio.

“Hoje em dia, não temos mais o contato que tínhamos. Todo mundo era bem unido, o escritório era bem agradável e caloroso. Com todas as medidas de segurança, as coisas esfriaram um pouco”, diz. O Conselho onde Luís atua formulou uma cartilha com base em orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS) a qual foi repassada para todos os funcionários, além de adotar todas as outras medidas de proteção. “Isso inclui desde medição de temperatura diversas vezes durante o expediente, até limitação de pessoas em banheiros e elevadores”, explica.

Acalmando colaboradores

Mesmo que a empresa tome todos os cuidados, qualquer volta presencial envolverá riscos. Para ajudar os trabalhadores que se sintam inseguros, o guia de retorno ao trabalho da PwC incentiva os líderes a inspirarem os funcionários e a fornecer o necessário para que eles possam exercer o trabalho da maneira mais segura possível. Segundo o sócio da empresa, Marcos Carvalho, oferecer treinamentos é um ótimo caminho para garantir que todos entendam e sigam as novas regras. A capacitação é, também, uma ferramenta essencial para motivar o trabalho dos servidores, dando ênfase no momento atual.

“Treinamento sempre foi motivador, os profissionais sempre apreciam muito. Isso é visto como uma maneira de valorização do funcionário por parte da empresa”, observa. Essa formação mostra ao empregado que o empregador está investindo nele. Portanto, o colaborador se sente mais motivado para trabalhar. Aplicar treinamentos vale tanto para os que ainda estão em home office, quanto para os que estão se preparando para voltar ao escritório. A formação pode abordar também a automação, incluindo digitalização de processos que precisam ser incentivados e aprimorados.

Resistências e temores

Viviane Vicente, consultora de comportamento organizacional
Viviane Vicente, consultora de comportamento organizacional(foto: Arquivo Pessoal)

O avanço do vírus no Brasil ainda assusta muitos dos trabalhadores que estavam habituados ao ambiente seguro do home office. Embora medidas de proteção estejam sendo tomadas pelas empresas, é natural que o quadro pandêmico gere certa resistência para o retorno ao escritório. Viviane Vicente, consultora de comportamento organizacional e competência cultural, explica as principais razões que fazem com que parte dos trabalhadores rejeite a volta.

“Muitas pessoas têm reservas sobre retornar ao escritório. Os que fazem parte do grupo de risco ou têm alguém em casa nessa qualificação, por exemplo, resistem a se expor de maneira diária a um contato menos restrito do que o isolamento que estavam vivendo em casa”, afirma. “Da mesma forma, é possível que pais com filhos em idade escolar não disponham de opções para o cuidado das crianças cujas aulas estejam ainda sendo conduzidas on-line”, aponta.

Para esses dois grupos, a recomendação de Viviane é que o home office continue. “Para esses, o arranjo de teletrabalho pode permanecer, e, nesse caso, os colegas devem continuar a adaptação a fim de assegurar a inclusão nos projetos e comunicações da equipe.” Para o restante das pessoas, o grande vetor que fará com que sintam medo da volta é o comportamento do empregador. “Colaboradores que, porventura, percebam que a empresa não oferece medidas de segurança suficientes ou que os colegas não estão respeitando as restrições ainda em vigor se sentirão inseguros em voltar”, pondera.

Especificidades

Anny Santos, analista de competitividade do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), destaca que as empresas precisam levar em consideração, no retorno, as particularidades de cada funcionário. Ela reforça que os trabalhadores mais vulneráveis à doença devem ter essa condição respeitada. “Funcionários que se encaixam nos grupos de risco para a covid-19 devem continuar respeitando as medidas de isolamento social recomendadas pelas autoridades de saúde e permanecer em casa”, alerta.

“Além disso, é fundamental percepção e sensibilidade do líder quanto às questões emocionais e psicológicas dos trabalhadores”, completa. Marcos Carvalho, sócio de Auditoria da PwC Brasil, recomenda que as empresas devem se preocupar especialmente com aqueles trabalhadores que ficam mais expostos ao vírus, entre eles os que dependem do transporte público para chegar à firma. Para os que moram mais longe da companhia, o deslocamento demanda muito tempo dentro de um ônibus e metrô.

“Os executivos precisam pensar em formas de mantê-los em casa ou então recomendar e fornecer opções de transporte alternativo e seguro”, sugere. Além da saúde, fatores que pode gerar resistência para a volta ao escritório são o deslocamento e os horários, que tinham se tornado mais flexíveis e adaptáveis à rotina doméstica. Marcos Carvalho ressalta que as empresas podem continuar oferecendo essa flexibilidade, levando em consideração a produtividade e não o expediente. “Não é mais sobre o horário, mas sobre a produtividade do funcionário”, afirma.

Palavra de especialista

Teletrabalho: garantido só para grupo de risco

Sergio Vieira, advogado
Sergio Vieira, advogado(foto: Emerson Lima/Divulgação)

“As atividades estão sendo retomadas aos poucos em diversas regiões do Brasil. No estado de São Paulo, por exemplo, escritórios podem voltar a funcionar, o que significa o fim do home office para milhares de profissionais. Mesmo que ainda não haja vacina para a covid-19 e a pandemia continue, o empregado é obrigado a comparecer ao local de trabalho quando solicitado. Se o trabalhador se recusar a retornar ao trabalho sem estar no grupo de risco ou ter o nexo causal de que a empresa não atende às condições de segurança, pode ser demitido sem justa causa. A base está no artigo 483 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O empregado deve acatar o que o empregador determina.

As exceções são para pessoas que tenham atestado médico. Somente situações em que o funcionário possa comprovar que há risco sair de casa é possível continuar em home office. Para quem estiver fora do grupo de risco, não resta alternativa: deve retomar as atividades presenciais. No entanto, a empresa deve cumprir determinadas normas. A empresa deverá garantir a segurança dos colaboradores, mantendo a higienização adequada e oferecer álcool em gel no local, por exemplo. Somente quando a empresa não estiver cumprindo sua parte o empregado poderá questionar e, se for comprovado que o ambiente é insalubre, poderá ocorrer a volta do home office. Ambos os lados devem seguir os protocolos.”

Tendência remota

Maria Paula Zajar, gerente de portfólio da América Latina e do Caribe de produtora de móveis de escritório
Maria Paula Zajar, gerente de portfólio da América Latina e do Caribe de produtora de móveis de escritório(foto: Arquivo Pessoal)

Guia sobre volta ao trabalho elaborado pela empresa de consultoria e auditoria PwC analisa o movimento de volta ao escritório, trazendo recomendações. O relatório observa que “foi possível ver que mais pessoas do que o imaginado inicialmente podem muito bem trabalhar a distância, mas, para tornar o formato remoto uma norma no futuro, novas tecnologias e modalidades de trabalho precisarão ser adotadas”. A pandemia ainda não acabou, o vírus ainda está à solta e assusta com números diários de casos e mortes.

Para agir rumo ao reaquecimento da economia e adaptar-se ao chamado novo normal, devem ser tomados cuidados. O levantamento avalia que o retorno às empresas, agora, não deve ter a mesma cara de antes, uma vez que a eficácia do trabalho remoto surpreendeu muitos gestores. Segundo dados da companhia, a tendência de empregadores se adequarem permanentemente à modalidade remota cresceu de 49%, em abril, para 54%, em junho.

A familiarização com o formato deve fazer índices como esses continuarem aumentando, já que a modalidade, além de ter se provado eficaz, é mais segura para prevenir casos de covid-19. Pesquisa da plataforma de mercado de trabalho Workana revelou que 84,2% dos gestores pensam em promover o trabalho remoto daqui para a frente. Além disso, 94,2% dos profissionais com carteira assinada gostariam de continuar trabalhando remotamente mesmo após a pandemia.

Flexibilização

Para os especialistas, não restam dúvidas de que, daqui para a frente, o trabalho remoto passará a ser uma realidade permanente em muitas empresas e será possível uma forma de trabalho híbrida (parte no escritório e parte em casa). Além disso, alguns cargos serão completamente remotos, alterando o quadro de oportunidades. Essa perspectiva é reflexo do sucesso dessa modalidade de trabalho em muitas empresas.

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.(foto: Reprodução)

“Esse movimento será percebido de diferentes formas a depender do segmento, da possibilidade de adequação do serviço e do contato com o cliente. As empresas abriram o olhar para testar modelos híbridos ou semipresenciais”, analisa Anny Santos, graduada em gestão empresarial com ênfase em estratégia e especialização em marketing pela Fundação Getulio Vargas (FGV). “Seja em esquema de revezamento, abolindo escritórios fixos ou adotando o aluguel de espaços físicos temporários apenas para reuniões com clientes e colaboradores, a ideia do trabalho remoto já é e será ainda mais presente na nova dinâmica de negócios.”

Fundadora da Rispetto Consulting, empresa de treinamento e consultoria em comportamento e liderança, Viviane Vicente relata que, com a flexibilização do home office, a expectativa é de que as oportunidades a distância, antes para um público mais restrito, sejam expandidas. “Haverá um volume maior de oportunidades para trabalhadores para os quais o deslocamento era impeditivo para se candidatar a uma determinada posição, seja por causa de deficiência ou dificuldade de locomoção, seja porque sua situação familiar não permite mudança para a cidade onde está localizada a sede do empregador”, reflete ela, que foi delegada na Polícia Civil do Estado de São Paulo e trabalhou em multinacionais.

Graduada em administração, marketing e negócios internacionais pela Universidade de Los Andes, Maria Paula Zajar destaca que a projeção não é totalitária, ou seja, não serão todas as empresas que flexibilizarão a modalidade. Ela calcula, no entanto, que “pelo menos 30% delas, no pós-pandemia, se adequarão ao home office”. O estudo da PwC, por sua vez, reforça a importância da mudança no ambiente de trabalho, considerando-as não como momentâneas, mas, sim, como algo permanente, incluindo as adequações às novas tecnologias, a necessidade do trabalho presencial e a maior oferta de trabalho remoto.

Guia da volta presencial

Marcos Carvalho, sócio de empresa de auditoria e consultoria
Marcos Carvalho, sócio de empresa de auditoria e consultoria(foto: Arquivo Pessoal)

Para os casos em que a volta física se torna imprescindível, o sócio de auditoria da PwC Brasil, Marcos Carvalho, explica que o plano de retorno deve focar os colaboradores, a produtividade e a forma de trabalhar. “Essas decisões sempre devem ser tomadas colocando as pessoas em primeiro lugar, sempre levando em consideração a saúde e a segurança”, pontua.

Ele elenca os principais fatores que devem estar em mente no momento de pensar o retorno presencial: o local, o tipo de trabalho, a necessidade de presença física, a concentração de pessoas e até os meios de transporte que são utilizados pelos empregados. “Antes de pensar no retorno à estação de trabalho, precisamos pensar em quem precisa, de fato, voltar a trabalhar nos seus postos físicos”, completa.

De acordo com o estudo da PwC, são três os tópicos essenciais a serem observados ao organizar a volta: um plano para abordar e mitigar doenças no trabalho; um plano de retorno em fases, separado por local e tipo de tarefa; e, por fim, a execução das medidas previstas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em prevenção à covid-19.

Espaços físicos

Uma das estratégias que devem ser utilizadas pelos executivos ao pensar o retorno ao escritório e, ao mesmo tempo, garantir a segurança das pessoas, é a remodelação de todo o espaço físico, conforme explica Marcos Carvalho, graduado em contabilidade pela Universidade de São Paulo (USP), com MBA em finanças pela FGV. Segundo ele, não é mais tão necessário ter muitos ambientes destinados a reuniões. Além disso, é preciso existir um espaço considerável entre as baias.

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