70 anos sintonizada ao Brasil

 

 

São Paulo, 18 de setembro de 1950. Do “alto” dos seis anos de idade, vestida de índia, a atriz e cantora mineira Sonia Dorce, a “Shirley Temple Brasileira” (por ter começado a vida artística aos três), fixa o olhar em uma das duas únicas câmeras do estúdio, cada uma com mais de 60 quilos de peso, e manda ver:

– Boa noite. Está no ar a televisão do Brasil.

Recebidos com esse misto de delicadeza e ingenuidade, num país com 52 milhões de habitantes e na plenitude de sua delicadeza, brasileiros se acotovelavam à frente de 200 telinhas, todas importadas dos EUA pelo empresário Assis Chateaubriand, o Chatô (não havia ainda produção nacional da peça), para testemunhar a primeira transmissão do programa TV na Taba, da TV Tupi de São Paulo, e da televisão brasileira.

Entre desconfiada e eufórica, a turma se divertiu em frente aos aparelhos, colocados em lugares como o Estádio do Pacaembu e a Praça da República. Alguns deles foram instalados no saguão do histórico Cine Metro, em concorrência desafiadora, mas talvez mal calculada, ao filme em cartaz na casa, que logo ocuparia lugar no pedaço nobre da história: …E o Vento Levou. Estava inaugurada a parceria entre o povo brasileiro e a mais coletiva, onipresente e encantadora “companheira” de sua história.

Um caso de amor que, desde então, supera apertos financeiros, desafios tecnológicos, incêndios, mudanças de legislação e concorrência de invenções mais novas, entre outros obstáculos. E que, ao contrário do defendido por analistas apressados, dá sinais cada vez mais nítidos de que não se entregará tão cedo ao capítulo final.

O jornalista e escritor Flavio Ricco, colunista do R7 e um dos maiores conhecedores do tema no país, lembra dos programas que o encantaram nos anos iniciais da tevê.

– Cresci vendo o Circo do Arrelia e a Turma do 7, na Record, o futebol na Tupi, com o Walter Abrão, e na Record, com o Raul Tabajara. Silvio Luís era repórter de campo. E os desenhos animados. Pica-pau, clássico do genial Walter Lantz, era sensacional, atravessou gerações. Na Record, deu canseira na concorrência até bem pouco tempo. Faria sucesso se voltasse. Chaves fez a felicidade do pessoal do SBT por anos a fio. E os apresentadores? Aurélio Campos, Jota Silvestre, Blota Jr., Hebe Camargo, Silvio Santos desde sempre… Chacrinha e Flávio Cavalcanti, para minha honra, foram meus amigos.

R7 Estúdio - 70 Anos de TV (Arquivo/Estadão Conteúdo)

Na Record dos anos 1950, Idalina de Oliveira brilhava com Ayres Campos no infantil Capitão 7. E Waldemar Seyssel, na pele do palhaço Arrelia. O Teatro Record abrigava shows históricos de Nat King Cole, Ella Fitzgerald e Louis Armstrong.

No capítulo humor, A Praça da Alegria e A Família Trapo, escrita por Jô Soares e Carlos Alberto de Nóbrega com direção de Nilton Travesso e Ronald Golias e o próprio Jô no elenco, marcam época na Record na segunda metade dos anos 1960.

Em 1965, explode no canal o musical Jovem Guarda, com Wanderléia, Erasmo e um certo Roberto Carlos. Um ano depois, Hebe Camargo passa a brilhar no canal, com o auxílio luxuoso do maestro Caçulinha. O timaço contava ainda com Jair Rodrigues e Elis Regina no Fino da Bossa.

Entre 1966 a 1969, os Grandes Festivais de Música da Record funcionaram como plataformas definitivas para o reconhecimento do talento de artistas do quilate de Elza Soares, Geraldo Vandré, Paulinho da Viola, Chico Buarque, Nara Leão, Gilberto Gil, Os Mutantes, Caetano Veloso, Tom Zé, Gal Costa, Vanusa e Os Originais do Samba, entre outros. Sem qualquer concessão ao exagero, a maior sequência de clássicos dessas sete décadas de tevê nativa.

R7 Estúdio - 70 Anos de TV - Festivais e Musicais (Arquivo/Estadão Conteúdo)

O relato de Ricco segue em frente, costurado por histórias saborosas. “As primeiras transmissões de futebol foram feitas pela Record em 1955. Os desenhos entravam na programação antes das partidas, para que as poucas câmeras do ao vivo fossem levadas ao estádio. Havia um locutor que ia para o Pacaembu a cavalo. Chegava lá, acomodava o animal e partia para o trabalho.

Animado, o jornalista pergunta: “Sabe o que era uma dália?”. Uma flor. “Sim, mas na tevê era um cartaz usado pelo assistente de palco para alertar quem estava no ar sobre um texto, a necessidade de intervalo ou outro procedimento”.

O termo nasceu quando um ator dos primórdios, sem ter o texto na memória, pediu para que colocassem o cartaz com suas falas no estúdio ao lado de um vaso de dálias. “Colou. Silvio Santos recorria muito às dálias. Pode ser que as utilize até hoje”.

Dez anos depois do primeiro boa da tevê brasileira, na suavidade ingênua de Sonia Dorce, o total de televisores no país havia batido nos 598 mil. Em 1970, chegou a 4,58 milhões de telinhas. Em 1980, a 18,3 milhões. Uma década depois, a 30 milhões. Atualmente, 98% das 71 milhões de residências brasileiras contam com no mínimo um receptor, do tubão à mais feroz resolução. Numa conta modesta, pelo menos 70 milhões de receptores.

R7 Estúdio - 70 Anos de TV - Copa 74 (Arquivo/Estadão Conteúdo)

Neste processo, Ricco destaca um fator social temperado de delicadeza: o televizinho. O fenômeno foi percebido com nitidez em dois momentos: entre 1950 e 1960, na arrancada inicial da popularização da telinha, e a partir de 1972, quando a troca de aparelhos preto e branco pelos a cores começou a ficar intensa.

– Os televizinhos eram os da vizinhança que compraram as primeiras tevês. Os ‘desaparelhados’ batiam ponto na sala dos pioneiros para curtir a novidade. Era comum o visitante levar alguma comida ou bebida, um bolinho, um biscoito, naquela generosidade brasileira e, obviamente, na diplomacia de pavimentar uma boa recepção.

Outros pontos curiosos da sociologia televisiva lembrados pelo colunista foram o plástico de três faixas (azul, verde e outra entre o marrom e o amarelado) para “transformar” as telas PBs em coloridas, e a indefectível palha de aço, dessas de arear panela, colocada nas pontas das antenas internas para melhorar a recepção do sinal. Tudo a partir do final dos anos 1960.

– A primeira transmissão internacional colorida para o Brasil foi na Copa de 1970, mas havia pouquíssimos aparelhos a cores no país. A coisa embalou dois anos depois. A geração a cores pioneira no Brasil foi em 1972, na Festa da Uva de Caxias do Sul. A tela de plástico era cômica, mas quem tem mais de 50 anos adorou. A palha de aço na antena é outro clássico”, diverte-se Ricco.

R7 Estúdio - 70 Anos de TV (Arquivo/Estadão Conteúdo)

Nessas sete décadas, a tevê brasileira foi dos programas de auditório e teleteatros aos realities, streamings e atrações casadas com a internet. Entre esses pontos, musicais inesquecíveis, festivais que lançaram estrelas da música, transmissões esportivas de impacto e programas de entretenimento com temas variados.

Deu saltos tecnológicos admiráveis e adaptou-se ao conceito de rede nacional e à era digital. Teve, nos últimos 20 anos, o papel social ampliado com acertos estratégicos e novos investimentos em três eixos principais: novelas (apuro tecnológico e novas propostas temáticas), ampliação do alcance da linguagem jornalística e utilização ágil e competente de conteúdo cruzado (cross content) pelas várias plataformas.

RecordTV, emissora aberta mais antiga em atividade no país, com 67 anos (foi fundada em 27 de setembro de 1953), é a principal agente de ações nesses vetores no período. Em 1989, com a mudança de comando após sua aquisição por Edir Macedo, houve investimentos, expansão da programação com qualidade e crescimento de audiência e relevância.

Keila Jimenez, jornalista especializada em tevê da emissora e do R7, destaca efeitos importantes da iniciativa no âmbito da produção de telenovelas:

– Havia acomodação da concorrente, sem dúvida competente, mas que, ações esporádicas à parte, caminhava sozinha na teledramaturgia. Nas últimas duas décadas, sobretudo a partir de 2005, com a criação do RecNov, o complexo de estúdios da Record no Rio, e a sinalização clara da emissora de que efetivamente voltou às novelas com seriedade, o mercado assumiu outra dimensão para anunciantes, agências, profissionais, emissoras e, sobretudo, o público.

https://img.r7.com/images/r7-estudio-70-anos-de-tv-17092020182630791

Keila destaca marcos de grande audiência nessa retomada, entre eles as novelas Caminhos do Coração e Os Dez Mandamentos. O lançamento desta última, em 2015, marcou a estreia da emissora em novelas de temáticas bíblicas com histórias como a A Terra Prometida, Apocalipse, O Rico e Lázaro, José do Egito, Jesus e Jezabel.

O encontro de boas histórias, elenco de qualidade e execução técnica impecável fez com que a Record TV conquistasse espaço e respeito no quesito telenovela. Com Os Dez Mandamentos, por exemplo, emissora chegou a liderar a audiência com cenas aguardadas como a da abertura do Mar Vermelho.

– Se hoje no Brasil os artistas e profissionais são retratados, participam de programas e respondem questionamentos em praticamente todos os canais, estejam onde estiverem, isso se deve sobretudo a dois fatores: aos apelos gerados pelo público na internet e ao retorno firme e decidido da Record a esse mercado.

A jornalista e apresentadora Fabíola Reipert tem avaliação semelhante:

– Estou no centro desse processo. Meu trabalho é construído na combinação de jornalismo com entretimento. Divulgo notícias sobre artistas e pessoas ligadas à cultura e ao lazer. Na medida em que a emissora reforça entregas em divertimento, com novelas, A Fazenda e outros realities, e também no jornalismo, com o aumento de noticiários, Record News, o streaming da PayPlus e outros projetos, isso gera um ambiente produtivo para o grupo e todos nós, profissionais dessas áreas.

Em entrevista a Celso Freitas no podcast 15 Minutos, Ronnie Von relembrou os 70 anos da TV no Brasil e sua estreia na televisão na Record TV. Confira o bate-papo:

A agilidade e o aumento de abrangência na linguagem jornalística, para atingir todas as faixas de público, pontos lembrados por Fabíola, são também destacados pelo jornalista e apresentador Celso Freitas. Ele iniciou sua carreira profissional em 1972, ano em que as transmissões a cores e em rede nacional embalavam por aqui, e está na emissora desde 2004.

– Em um país tão diverso e com mais de 211 milhões de pessoas, fica fácil perceber que a televisão foi, nestes 70 anos, o maior e mais útil instrumento de educação popular do Brasil. Sobretudo se pensarmos numa população com formações educacionais tão distintas e milhões de pessoas ainda com dificuldade de acesso à informação por outras fontes.

A tevê brasileira, avalia Freitas, ainda terá um imenso caminho pela frente:

– Antes de tudo e por conceito, televisão nada mais é do que produção audiovisual, com áudio e vídeo, realizada e transmitida com eficiência. Nesse ponto, a Record tem dado um show de competência na tarefa de atingir os públicos mais variados em conjunto com o R7 e outras plataformas do grupo, diante de uma concorrência com amarras históricas e culturais para realizar esse trabalho com tamanha eficiência.

Como exemplo do ambiente de agilidade destacado por Freitas, o jornalista, historiador e professor Heródoto Barbeiro, lembra que Jornal da Record News, ancorado por ele, foi o primeiro noticiário da tevê brasileira em multiplataforma desde a primeira edição, em 23 de maio de 2011, exibida ao vivo no canal de notícias e também no portal R7.

– Destaco credibilidade e linguagem eficiente. Ajudamos o público a separar boa informação do bombardeio verificado na internet. Hoje fazemos isso com o discurso mais amplo da comunicação brasileira, sem ferir a inteligência de ninguém. O conteúdo chega às pessoas em todas as plataformas e mecanismos importantes: tubo, alta definição, computador, portal de notícias, podcast, celular, YouTube e até mesmo Tik Tok. Como jamais foi feito na existência do grupo e também como nenhum outro realiza atualmente no país.

A televisão brasileira, por essas e outras, continuará a superar obstáculos e a acumular décadas de vida. A exemplo do rádio, que se reinventou na contramão dos decretos de morte, suportará presenças, conexões e ameaças da internet, das redes sociais e do que ainda está vindo. A começar pelo streaming – que, a rigor, até por percepção e investida de seus agentes, é cada vez mais isso mesmo: televisão.

O escritor e teórico futurista americano Alvin Toffler, morto em 2016 aos 87 anos, gostava de dizer que ninguém gosta de tevê – com a evidente exceção do povo. Por isso, ela terá vida mais longa do que qualquer ser humano imagina.

Vida longa à previsão de Toffler – e à televisão brasileira.

R7 Estúdio - 70 Anos de TV (Arte R7)

Reportagem: Eduardo Marini
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