Ensino a distância é mais um retrato da desigualdade

No bairro Santa Luzia, na Estrutural, Caio, Maria Clara e Lucas precisam dividir o único celular da casa para acompanhar as aulas remotas

 

 

Evidenciada pela pandemia do novo coronavírus, a educação no Distrito Federal enfrenta, além das controversas opiniões para um retorno ou não às aulas presenciais, um abismo entre as formas de aprendizado dentro de casa. O ensino a distância (EaD) também distancia a qualidade de aprendizado dos alunos da periferia.

De um lado, fartura de computadores, tablets ou celulares para estudar são uma realidade dentro dos lares de milhares estudantes do DF; por outro, também para milhares de alunos, os eletrônicos são escassos e o acesso à internet é limitado.

O último levantamento da Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (PDAD) no DF, em 2018, expõe que, na Estrutural, uma das cidades mais carentes da capital, por exemplo, apenas 14,2% da população tinham microcomputadores de mesa, 16,6% tinham notebook/laptop, 3,6% tinham tablet, 20,6% tinham telefone celular com linha pós-paga e 81,1% tinham telefone celular com linha pré-paga.

No Lago Sul, entretanto, os números da realidade da população local se invertem. Observou-se que 62,2% das casas tinham microcomputadores de mesa, 83,3% tinham notebook/laptop, 49,5% tinham tablet, 82,3% tinham telefone celular com linha pós-paga e 23,5% tinham telefone celular com linha pré-paga.

No Brasil, atualmente, 4,8 milhões de crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos nem sequer possuem internet em casa. É o que aponta a pesquisa TIC Kids on-line, feita pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), que coletou os dados de outubro do ano passado a março de 2020. O levantamento foi pedido pela Unicef com o intuito de mensurar quantos jovens na faixa etária não têm acesso a aulas on-line e conteúdos educacionais neste período de crise.

Um celular para três

Uma das famílias que não têm acessado o sistema de ensino on-line da rede pública é a de Renata Guimarães, 30 anos, que possui apenas um celular para ser ser dividido entre os três estudantes da casa: Caio, 12, Lucas, 8, e Maria Clara, 5. No sofá de três lugares, dentro de uma das últimas casas da comunidade Santa Luzia, na Estrutural, simples, com tijolo ainda à mostra e terra batida no quintal, as crianças e o adolescente fazem as atividades com caderno e lápis apoiados no colo depois que a mãe volta da escola com o material didático, como alternativa à plataforma on-line.

Pelo menos uma vez na semana a matriarca da casa precisa ir, por transporte público, às três escolas onde os filhos estudam. O trajeto inclui o Centro Educacional 04, no Guará — onde estuda o mais velho —, a Escola Classe SRIA, no Setor de Indústria e Abastecimento — para o filho do meio —, e o Centro de Ensino Fundamental 02, na Estrutural — onde está matriculada a mais nova. Todas da rede pública de ensino.

Solução é atividade com papel

“Não tem como dividir no mesmo horário o mesmo telefone para todos eles. Daí a solução foi pegar as atividades nas escolas mesmo”, explicou a mãe, que sustenta os filhos sozinha. “Algumas outras atividades eu recebo pelo telefone da professora, que manda o exercício para eles fazerem no caderno”, detalha Renata.

Quando a reportagem chegou ao local, quem cumpria com o dever de casa era Lucas, que contava com a ajuda de Ronaldo Novaes, sobrinho de Renata.

O desconhecimento de muitos assuntos são uma barreira para a mãe ao tentar auxiliar os filhos nas tarefas, principalmente as de Caio, que está no 6º ano. “E às vezes não consigo dar atenção direito porque fico envolvida com as tarefas de casa”, relata.

Computador emprestado

Com um pouco mais de condições, mas ainda dependente de um único aparelho eletrônico fora de casa, Gabriel dos Santos, 10 anos, vai à casa da tia Carmem Lúcia Sousa, 49, todos os dias para assistir às aulas na plataforma on-line do governo do DF no único computador da casa.

Na quadra 2 do Setor Leste, também na Estrutural, o aluno do 4º ano do Ensino Fundamental I divide o computador com a prima — filha de Carmem — Tamires de Sousa, 16. Ele estuda no período vespertino e ela no noturno, o que facilitou o acesso ao sistema para ambos.

“Prefiro as aulas na escola mesmo”, afirma Gabriel. “Lá tem recreio e eu encontro com os meus amigos”, completa o menino em tom de brincadeira.

A tia Carmem tem conseguido pagar a internet com alguns “bicos” que arruma como diarista. Depois que o marido morreu, há 10 meses, terminar de pagar o computador e manter a internet é um desafio diário. Ele a ajudava com as contas.

Carmem não acredita na eficácia do sistema EaD nesta idade. “Se diretamente na escola, o ensino professor e aluno já não era bom, agora, que para ele tirar dúvidas precisa pedir ajuda da minha outra filha de 19 anos, piorou”, opina.

Gabriel estuda cerca de duas horas em frente ao computador. “Se dependesse de mim, não conseguiria entrar, porque eu não entendo nada disso.”

 

anúncios patrocinados
Anunciando...

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.